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Aquém Tejo

Há quem do Tejo só veja o além porque é distância. Mas quem de Além Tejo almeja um sabor, uma fragrância, estando aquém ou além verseja, do Alentejo a substância.

Há quem do Tejo só veja o além porque é distância. Mas quem de Além Tejo almeja um sabor, uma fragrância, estando aquém ou além verseja, do Alentejo a substância.

Um conto que não gostaria de contar!

 

Conto e reconto, tristemente real e anual, sobre um reino que abandonou os seus campos à incúria e insensatez humanas.

 

Lado a lado, nas bermas das estradas, a erva nascera e medrara na ridente Primavera, florira e, no Verão, secara como mandam os preceitos da natureza.  Mas crescera tanto à beira das estradas, nas valetas e lombas mal amanhadas, que tirava até a visibilidade aos condutores.  E era um rastilho de pólvora, em pleno Agosto escaldante, de sol abrasador, esturricando giestas e rosmaninhos, agora ressequidos face à inclemência do astro rei.

 

Nas colinas e montes circundantes, nas ravinas xistosas ou graníticas das ribeiras, os pinheiros bravos multiplicaram-se sem qualquer desbaste ou controle, uns aceiros mal amanhados, alcatifado o chão de caruma e agulhas secas, tisnadas pela solina inclemente que estonteava campos e corações. Pelas fráguas arriba, as estevas e os medronhais, as urzes e as aroeiras, os silvados e tojeiras, que em Abril e Maio entoaram epopeias de cores e aromas resinosos e doces, são em Agosto abrasador, temperaturas infernais, humidade quase nula, num ar seco e abafadiço, são, em Agosto, um convite à desgraça dos campos, desérticos de gente e de cuidados de limpeza de matas e florestas, carentes de aceiros e consideração pessoal dos donos que mal os conhecem nem amam ou estimam.

 

E a desgraça chega! Chega de muitas maneiras e feitios, que o enredo da maldade ou da insensatez humanas tem muitas lábias e formas.

 

Um cigarro não apagado, lançado negligentemente pela janela dum automóvel, saltita na estrada à velocidade do carro e aloja-se no seio do pasto ressequido...

O sol inclemente e abrasador que incide num monte de lixo que mãos desumanas lançaram no meio da floresta: papéis e plásticos, garrafas de vidro que refractam a luz do sol que incide prismática num ponto, incandescendo folhas e papeladas, ateando ervas e carquejas...

Uma mão criminosa ou descuidada, um coração cheio de ódio e malvadez ou uma mente insana que risca um fósforo ou lança um petardo...

Ou alguém que por cupidez e ganância, por despeito ou inveja, seja por quaisquer outros sentimentos mais baixos, de vil desumanidade, dá uma ordem, paga ou incentiva à acção de outrem, para agir, destruindo pelo fogo, propriedade alheia, mas de todos, que o fogo quando ateado não conhece donos nem criados...

Seja qual for a razão, a causa ou o motivo, o destino é sempre o mesmo!

 

Eis que as chamas, tímidas de início, mas logo, logo, labaredas enormes, consomem ares e hectares de vida, anos e anos de trabalho, milhares e milhas de árvores, plantas, arbustos e animais, seres, teres e haveres, árvores centenárias, habitats preservados...

Em breves instantes, os campos são campos de Marte e de morte, uma bomba de napalm varreu serras e serranias, ravinas e desfiladeiros, colinas e cabeços, plainos e planuras.

E ficam esculturas negras de carvão e cinza erguidas para o céu, acusadoras da incúria, da maldade, do desleixo, do desrespeito do homem pela Natureza, que impotente não resiste ao fogo aniquilador.

in: pt.wikipedia.org.jpg

 

Mas, e quando chegar o Outono e vierem as primeiras chuvas?...

E chega o Outono e com ele as primeiras chuvas outonais.

Há muito desejada, a água, inicialmente, chegou tímida e foi recebida como uma benção de Deus para os campos sequiosos, as barragens vazias, as nascentes gotejantes. Mais foi caindo mais e cada vez com maior frequência, bátegas e trombas de água, trovoadas, vendavais e ventanias.

Nos campos desprovidos da protecção das copas das árvores, do arvoredo miúdo e da vegetação rasteira, a água rija, tocada a vento, caiu directamente no solo, arrastando terra e lodo, restos de ramos e arbustos, lixos e toda a porcaria que os homens deixam nas margens dos cursos de água. Tudo se arrasta encosta abaixo, ao contrário do fogo que sobe encosta acima, em direcção ao leito de cheia de ribeiros e ribeiras que ganham caudais de rios impetuosos. Leitos de cheia onde os homens modernos e actuais, previdentes, perspicazes e sabedores, construíram as suas habitações, subitamente invadidas por lamas, pedras e águas tormentosas arrastadas de montante, abaixo pelas encostas, desprovidas do coberto vegetal que os fogos dos verões consumiram...

 

E é este o conto e reconto tristemente real, ciclicamente repetido, num acumular de erros e tropelias dum estranho país realmente plantado à beira mar!

 O Lar da Cegonha!

in: publico.pt. jpg

As Árvores também têm História?!

As Árvores morrem de pé?

 P.S.

Este texto foi escrito há algum tempo, hei-de pesquisar quando, e ainda não fora publicado noutros enquadramentos. Era, portanto, inédito.

A "imagem" que, ao escrever, tinha presente sobre fogos, situava-se nuns campos a norte de Pavia, nas ravinas da Ribeira de Tera, em que houve um fogo há relativamente poucos anos. Lembro-me de ver as fráguas das duas margens da Ribeira, a montante da ponte, tisnadas pelos efeitos do fogo recente...

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