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Aquém Tejo

Há quem do Tejo só veja o além porque é distância. Mas quem de Além Tejo almeja um sabor, uma fragrância, estando aquém ou além verseja, do Alentejo a substância.

Há quem do Tejo só veja o além porque é distância. Mas quem de Além Tejo almeja um sabor, uma fragrância, estando aquém ou além verseja, do Alentejo a substância.

Promessas são só Palavras...

Nunca é demais lembrar que "promessas leva-as o vento..."

Segue-se um poema escrito em 20/06/2004 e também já publicado.

 

PROMESSAS…

 

Promessas são só palavras

Nesse terreno que lavras

Falta semente, falta grão

Senão, esse campo que desbravas

Mantém bravia a condição.

Não dá fruto, não dá pão!

 

Palavras soltas ao vento

Desalinho, desalento

De quem anda sol a sol.

Promessas são só tormento

Iludem, não dão alento

São ilusão de’arrebol.

Ladra! Ladra! Ladrona!

E vamos continuar com as “estórias que parecem mentiras”, finalizando com o capítulo VI. Lembramos que foram escritas na década de oitenta do século XX e qualquer semelhança com a realidade será pura coincidência. São estórias de um absoluto “nonsense”.

 

Capítulo VI

 

Mal chegou à feira, apercebeu-se que reinava grande confusão no arraial.

 

- Gatuna, ladrona!... Ladra, ladra… ladra…

 

- Mesmo agora aqui cheguei e já me chamam ladra?! Questionou-se Odete. Com tantos ladrões que por aí andam à solta, logo a mim é que me havia de calhar…

Mas não! O coro de vozes que ecoava das feirantes dirigia-se a uma mulher de tez clara, cabelo aloirado, magra, alta, vestida de forma discreta. Misturava-se com a vozearia das vendedeiras de vestuário, de toda a espécie, imitações ou restos defeituosos das marcas da moda, de calçado e bijuterias; pregões dos vendedores de fruta e artesanato, mercadores de queijos e enchidos…

 

A mulher de meia-idade, enxuta, sem pinga de sangue nas faces, mal falando, estava rodeada dum pequeno grupo de velhas, trajadas de negro, quais bruxas de Goya, todas iguais na acusação e de um vendedor, pança proeminente, bigodaças, também de dedo em riste e gestos teatrais.

 

- Ela não pagou, não pagou!.. Gritavam as velhas, gesticulando muito, misturando a gritaria histérica, com impropérios, blasfémias, fazendo grande alarido e apontando para a ré e já condenada, no meio delas.

 

- Então, não paguei?! Ripostava encolhida, a mulher. – Paguei sim, paguei a este senhor. Dois contos. (Seriam agora dez euros.)

 

- Não pagou nada! Disse o bigodaças, enquanto lhe tirava do cesto, a blusa que ela levava.

- Ladra, ladra… ladra… repercutiu-se a algazarra pela feira.

 

A mulher, tremendo, deixou que lhe tirassem o artigo e a enxovalhassem em público. Continuou a tremer, cada vez mais, parecia ir entrar em convulsão.

E tantos a mandaram ladrar, com gritos de todo o lado, que ouviu-se mesmo ladrar. Primeiro aparentava uma cadelinha mansa…béu, béu… enquanto fazia os movimentos com a cabeça e o corpo e as mãos e a coluna iam assumindo uma certa horizontalidade.

Tornou-se mais interessante o ajuntamento. Muitos começaram a rir, a chafurdar com as palavras, a atiçar. Algumas até largaram as bancas para presenciarem melhor o espetáculo.

 

Mas o latido manso foi desaparecendo, substituído por um ladrar forte, acompanhado de rosnar e grunhidos: ão, ão, ão, grruumm, grruuummm… enquanto o corpo assumia claramente a posição horizontal, mãos assentes no chão, movendo a cabeça disforme, para todos os lados. As vestes rasgaram-se e no corpo nasciam pêlos, sempre mais eriçados e unhas grandes nas patas. Da boca espumava saliva avermelhada e os dentes caninos, presas bem salientes, arreganhavam-se para as pessoas, sobre as quais se lançava.

Estas, do espanto e risadas iniciais, passaram ao medo, ao medo visceral, ao medo ancestral dos lobos e lobisomens.

Já debandavam pela Praça, saltando e derrubando bancadas, que as vendedoras procuravam recolher e fugir, aterrorizadas, pelo monstro que ali surgira: uma cadela enfeitiçada, cada vez mais eriçada e feroz.

Crianças choravam em altos berros, mães aflitas agarravam-nas pela cintura, umas tropeçavam e caíam, sobre estas pessoas passavam, tomates misturavam-se com cruzetas, estas com sapatos, no meio de calças e camisolas, cestos de vime e plásticos com couves e alfaces.

E, no espaço do que fora o mercado, subitamente livre de gente, que se afastara para a periferia, uma salganhada de objetos… uma barafunda de artigos de todo o género… bancas e cadeiras, frutas e hortaliças.

No meio estava a mulher, enxuta de faces e seca de carnes, branca de natureza e alva da convulsão, espantada, olhando toda aquela confusão, como se houvera um tsunami, aquele alarido subitamente desfeito, toda a babel de objetos desconectados em seu redor.

 

Também muda de espanto, Odete, especada, não sabia o que dizer.

- O que se passou com esta gente toda?! Enlouqueceram de repente?!... Picou-lhes a mosca? E sacudiu um mosquito que a picara, enquanto fazia estas perguntas, dirigindo-se à senhora que também não soube responder-lhe.

 

Desceram ambas a Avenida. A senhora apanhou um táxi, Odete o autocarro, de regresso, ainda incrédula sobre o que os seus olhos haviam presenciado.

Entretanto, as pessoas foram regressando à Praça, pouco a pouco, refazendo-se do susto ou alucinação coletiva.

 

Odete questionava-se sobre quem teria razão. Onde estaria o ladrão ou ladrona? Quem teria roubado? E que alucinação fora aquela? E o que teria ela ido fazer à feira, se não comprara nada e já destrocara a nota?!

 

Serão cenas de próximas estórias?

Quem sabe, num futuro já sem escudos nem contos, mas com euros?!

 

Nota:

Uma versão deste texto foi publicada no Boletim Cultural Nº 78, do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, ano XVII, Junho 2006.

Uma Carteira... de Notas

Apesar de toda a poeira levantada pelas montadas dos heróis da nossa praça, poeira para nos obnubilar a vista… apesar de todo o circo montado no terreiro… a menina Odete continua na sua, de trocar a nota de cinco por miúdos…nada de confusões, que já basta com a senhora marquesa. Entrementes, observa o que se passa no “Café Progresso”, do Srº Silva, cujo empregado é o srº Bento.

 

Capítulo V

 

Passadas que foram as cogitações, eis senão quando, esbaforida, alisando o cabelo com a mão direita, unhas pintadas de vermelho a realçar os anéis dourados, rosto maquilhado, seios bem lançados, ancas roliças, salientes na saia travada, deixando entrever a coxa, saltos altos… eis que chega, atropelando a conversa do empregado…

 

- Ó, srº Bento… peço desculpa por interromper… mas há pouco, quando vim tomar a bica, não deixei aqui a minha carteira?!

- Dona Cocas, não vi aqui carteira nenhuma… Ó Luís, tens para aí alguma carteira?

- Tenho, mas é minha, não ando por aí a gamar carteiras aos clientes.

- Ele diz que só tem a sua carteira…

 

- Só a minha?! Quer dizer que costuma ter mais carteiras, não? É um carteirista, está visto…

- Minha senhora, ele disse que só tem a carteira dele, não a sua.

- Mas, afinal a carteira é sua ou dele? Sua? Dele?

 

- Quem sua com esta conversa sou eu, que já suei as estopinhas toda a manhã a servir bicas aos clientes, um garoto para a Senhora Marquesa e agora uma carteira…a senhora aqui não deixou nada, exceto o dinheiro da bica, cuja dita levou, ou melhor, bebeu.

 

- Mas levei a qual dita?! Nem Dita, nem Tita, nem Zita. Não levei nada daqui e, se levei, levei, quero lá saber disso agora! Eu não levei daqui nada, eu fui mas é roubada. Se, por esquecimento, não deixei ficar aqui a carteira, então foi-me roubada. E só pode ter sido no autocarro. Tive que ir entregar umas cartas no correio, para o escritório, melhor dizendo, do escritório do meu patrão, para os clientes. Clientes dele, não meus, que não tenho clientes! – E foi aquele machão que entrou na paragem seguinte. Veio para o pé de mim e começou a encostar. Tão fino, tao cheiroso! E aquele bigode, vá lá a gente confiar. Encostava-se e sentia-me flutuar, nem parecia estar de pé no autocarro, julgava-me em transatlântico de luxo. Só pode ter sido ele. Enquanto encostava, aproveitou para pôr a mão na carteira. Tantos sítios que havia para meter a mão e foi logo à carteira! Não se pode confiar em ninguém. Alguma vez imaginaria?!... tão fino, tão cheiroso… vá lá a gente confiar.

 

Instintivamente, Odete levou a mão à carteira, à sua carteira, lembrando-se que ainda tinha a nota de cinco mil escudos, cinco contos, por destrocar. E outras coisas mais que não vêm ao caso e só a ela interessam ou eventualmente a quem nelas se possa interessar. Que ela, agora, não se interessa por nada mais que não seja a possível entrada na universidade.

Com toda esta confusão de rapazes morenos e louros, de títulos honoríficos, mestranças de cavalaria, de bicas e torneiras, de chulos e carteiras, a rapariga esquecera-se da nota, já não sabia se era do António Sérgio, se do Antero de Quental ou se de Outro Qualquer.

notas-de-5-mil-escudos-1995. forum-numismática.com

- Olhe, Senhor Benzido, faz-me o favor de destrocar o António Sérgio? Ou será o Antero de Quental?! Pensou.

 

antónio sérgio. forum-numismática.com

- Aproveite para se pagar desta torneira (bica), que tenho pressa de apanhar o transatlântico (autocarro) para ir à Feira. (Eram, nesta altura, quase treze horas.)

 

- E, milagre! O senhor Bento benzido pagou-se da bica e trouxe-lhe quatro Teófilos, um Mouzinho, quatro Pessoas, (estas eram as efigies de alguns dos nossos Ilustres, agora novamente desaparecidos) e ainda umas miudezas (uns fígados, umas moelas…) e mais uns trocados sem importância de maior.

 teófilo braga. forum-numismática.comteófilo braga. forum-numismática.comteófilo braga. forum-numismática.comteófilo braga. forum-numismática.com

mouzinho. forum - numismática.com
Pessoa - forum-numismática.comNOTAS: As imagens das notas de escudos in: forum - numismática.com  

 

Versões deste texto foram publicadas em:

Boletim Cultural Nº 62 do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, Ano XIII, Nov. 2002.

Boletim Cultural Nº 68 do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, Ano XV, Jun. 2004

Uma Questão de Títulos…

Depois da ótima notícia veiculada ontem nos orgãos de comunicação social, apenas ontem, que hoje já pouco se falará, as notícias positivas são rapidamente esquecidas...

Continuamos com a saga da menina Odete que, nesta historieta, se perde numa questão de títulos.

 

Capítulo IV

 

E acabou por entrar no Café do Srº Silva, mais conhecido como “Café Progresso”!

 

Na primeira mesa, a que dava para a montra, com algumas das iguarias servidas no estabelecimento, dispostas em prateleiras para visibilidade do exterior, na primeira mesa, dizia, estava uma senhora tipo marquesa das avenidas novas, quando as havia novas, que agora são todas velhas, tanto as avenidas como as marquesas e ambas em vias de extinção.

 

A senhora marquesa pedia, não muito alto, estava apenas sentada numa cadeira normal, não sobre a mesa, pedia a nobre senhora, numa voz audível e bem timbrada:

- Oh, senhor Bento, traga-me um garoto clarinho, por favor.

(Convém lembrar que a nobre senhora fizera este pedido na década de oitenta, ainda no século vinte, portanto, muito longe de imaginar todas as repercussões que viriam a ter estes pedidos de garotos no início do século vinte e um…)

 

- Minha Senhora, respondeu o senhor Bento, não acha que um garoto é demais para a sua idade?! Ainda se aguenta nas canelas? E ainda quer escolher… Clarinho, tem alguma coisa contra os escurinhos?! Não lhe é indiferente a cor, isto de um homem ser trigueiro não serve para toda a gente. E um garoto, com essa idade!... Vá à saída do liceu, talvez aí arranje garotos que lhe sirvam. Aqui não servem, nem se servem garotos. Não servem, pois somos contra o trabalho infantil e não se servem, porque é proibida a permanência a menores neste estabelecimento, não devidamente acompanhados por um adulto.

 

- Oh…! Oh!... Senhor Bento…Já se viu?! Perdeu o tino. Não tenho idade nem condição para sermões destes. Gaguejou, visivelmente embaraçada, a distinta senhora.

- Uma Senhora como eu, de boas famílias, viúva de um só marido, mestre de cavalaria. Alta cavalaria! (E pôs o senhor marido em cima do cavalo e num pedestal, tal qual Dom José.) Ouvir este despautério. Vou-me queixar ao gerente...

- Srº Silva, chegue aqui, por favor. – Imagine, o seu empregado, o srº Bento… patatá, pataté… patatu … e (re)compôs a conversa do empregado.

O senhor Silva ouvia, atento, mas incrédulo, perplexo, a conversa da senhora marquesa… (Na verdade, ela não era marquesa, mas nós damos-lhe esse título oficial, ela merece-o.)

 

- A Senhora quer mesmo um garoto?! Não lhe serve um mais velho? Eu, por exemplo. Estou em muito bom estado, tirando umas entradas e uns quantos cabelos brancos… Se quer clarinho, está bem, não vou para a praia este verão.

E o srº Silva já se via a não ir para a Caparica nas férias desse ano, indo passá-las à terra, na Beira Baixa, regressando em setembro, pronto a servir, com a sua elegância habitual, a Senhora Marquesa, viúva do senhor mestre de alta cavalaria, em cima de um pedestal.

E a senhora marquesa, ao lembrar-se da estória do tal garoto, não conseguia deixar de ver o dito cujo marido, que ela dizia ter sido mestre de alta cavalaria, devidamente composto, em cima do tal pedestal. Por mais que tentasse varrer da memória tal imagem abusiva da sua honorabilidade, lá estava ele, todo garboso e muito bem enfeitado, montado no seu cavalo alazão. A memória é realmente muito traiçoeira. Porque raio de carga d’água, não sei porque associação de ideias, há - de um mestre de alta cavalaria, estar com duas bandarilhas, se não é toureiro?! Ou será que era?

 

Só por ela pedir um garoto clarinho?! Sabendo nós que um garoto é uma bebida de café com um pouco de leite, servida em chávena de café ou café pingado de leite, apenas com um pouco mais de leite que o habitual, para ser clarinho.

 

Não fazemos a menor ideia, mas era assim qua a senhora o via!

 

Nota:

Uma versão deste texto foi publicada no Boletim Cultural Nº 73 do Círculo Nacional D'Arte e Poesia, Ano XVI, Julho 2005.

Cante alentejano: UNESCO aprova classificação como Património da Humanidade

Notícia de última hora!

 

Foto extraída da net

 

Não! Não se trata, propositadamente, de mais um "caso mediático" . Não!!!

 

Trata-se de algo que nos toca, especialmente.

 

Segundo noticiado por Agência Lusa,

 

A UNESCO aprova classificação do Cante Alentejano como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

 

PARABÉNS a TODOS, mas a TODOS os INTERVENIENTES neste processo!

 

 

Reporto-vos para a leitura de "posts" deste blog:

 

"Almada será a Capital do Cante?" (19/11/14)

 

Cante Laranjeiro Foto de F.M.C.L.

 

"Crónica do Feijó 1 - A força do coletivo!"  (8/10/14).

 

Digitalizações  Cante no Feijó

 

Ainda a nota… de Matemática?!

Apesar do novo "estardalhaço" que por aí anda com mais um "caso mediático", quantos já tivémos este ano? E onde vamos parar com este descalabro todo?! Pois apesar de tudo isso vamos continuar a "postar" mais um texto sobre as aventuras da menina Odete, de "estórias que parecem mentiras". Pois, até pode parecer mentira que nos mostremos relativamente alheios ao imediatismo das notícias...

Pois! Mas este excerto também é sobre notas, notas, notas, as notas é que motivam isto tudo, tal é a ambição, a cupidez do ser humano! De alguns seres humanos, diga-se...

Notas e moedas...

Euros. Foto de F.M.C.L.F.M.C.L.

Só que a menina Odete andava, na altura, preocupada com o "destrocar a nota de cinco contos", mas também com a nota de Matemática. A ação decorreria com o aproximar do final do ano letivo, certamente.

 

Capítulo III

 

Subindo a Avenida, encontrou o professor de Matemática que descia apressado. Pasta na mão, contendo um portátil, camisa desapertada, gravata ligeiramente deslaçada, casaco aos ombros, do fato de meia estação que usava, dirigia-se ao gabinete de arquitetos onde participava, em equipa, na elaboração de projetos de construção. (Melhor, de destruição! Tipo deita abaixo “arte nova” e faz torre de vidro refletor.)

 

- Setôr, você é que me vai desenrascar com esta nota.

 

- Ah, não me venha com conversas que estou cheio de pressas. (Pressa de chegar ao gabinete para a reunião, pressa que acabe a reunião, pressa de chegar a casa, pressa de acabar o dia e ir descansar, pressa de terminar o ano e virem as férias, pressa… pressa. Pressa da pressa…) E já dei a nota que havia de dar. Não faço alterações. Tem o que merece e até tem uma nota muito boa, não me diga que ainda queria melhor! Nas provas de ingresso terá oportunidade de melhorar. Se toda a gente tivesse as suas notas!..

 

- Setôr, não é bem isso…

 

- Pois, pois… depois falamos. Já estou mais que em cima da hora da reunião. (imaginava os colegas todos em volta da mesa, prontos para reunirem e ele a entrar, mesmo em cima da hora, a pisar a hora, a pisar o risco, a pedir desculpa, faz favor de dar licença, desculpe, por favor, até chegar ao seu lugar para se sentar…) desculpe, senão vou chegar atrasado… até à próxima, adeus. Há Deus?!

 

Acrescentaria: Há Justiça?! Há Justiça Divina?!

 

Nota de rodapé:

Uma versão deste texto foi publicada no Boletim Cultural nº 82 do Círculo Nacional D'Arte e Poesia, Ano XVIII, Maio 2007

Água sem gás… H2O

E como, apesar de termos hoje mais um dia de chuva, um copo de água sabe sempre bem e refresca as ideias. E também não vamos colocar a rapariga, pois que de uma rapariga se trata, não a vamos colocar a pedir um copo de vinho!

Lembramos ainda que a ação decorrente da narrativa se situa num outro tempo, tanto cronológico como meteorológico. Por tudo isso segue:

 

Capítulo II

 

Saiu então ela, Odete, da Livraria, agitando a nota de cinco mil escudos, ainda por destrocar. Mas precisava urgentemente de dinheiro mais miúdo.

Pensou ir ao Café, tomar uma bebida, entregar a nota e assim eram obrigados a dar-lhe troco. Acabou por entrar na primeira Tasca da Esquina e dirigiu-se ao balcão, pedindo uma garrafa de agá, dois, ó, do Luso.

H 2 O. Foto de F.M.C.L.

- Menina, não sabe que o H não se lê?! E andam vocês a estudar, não sei para quê…

Não obtendo resposta, o taberneiro continuou:

- Então, porque o pronunciou?! Além do mais não percebo por que razão o Acordo Ortográfico não baniu completamente essa letra. Não faz falta nenhuma, só dá mais trabalho e gasta mais carga de esferográfica e tinta e ocupa espaço na folha. A menina quererá certamente… dois. Oh, tu que és do Luso, traz aí… Mas, menina, quer dois de quê?? Dois maços de tabaco, já se vê. Já fuma?! Tão novinha! Não sabe que o tabaco mata?! Mas, enfim, aqui tem dois maços de tabaco SG, já se vê, mais uns pregos para o seu caixão. Pagamento no ato de compra, do tabaco, não do caixão, que esse pode ser pago a prestações.

 

- Pagar com cinco mil escudos? Isto aqui não é nenhum antiquário. Parece que regressou você da Guerra dos Cem Anos, com tantos escudos. Cinco mil!!! Bem podia ter trazido uns euros, se vem lá dessas Europas… Além do mais, hoje em dia, na era das bombas e dos mísseis não há escudos que nos protejam, tal o arsenal de destruição que se acumula por esse mundo fora. E já ninguém quer os escudos, nem os espanhóis desde a Batalha de Aljubarrota, só mesmo Dom Quixote… agora é tudo em euros, ou dólares.

- Olhe, menina, não lhe vendo o tabaco, pois não tenho troco para tanto escudo. Ainda mal comecei o dia, não tenho quase nada na caixa.

 

Ela que assistira, impávida e serena, a todo este arrazoado de conversa, explodiu.

- Não, não tem nada na caixa, não! Nem na caixa nem no caixote. Tem a caixa dos pirolitos desregulada e o caixote todo desaparafusado. Seu caixote despregado!

E preparava-se para sair.

 

- Espere aí, menina, que também leva troco.

Voltou-se a rapariga, admirada por, de repente, o taberneiro já ter dinheiro na caixa para lhe dar troco, quando este lhe devolve o impropério figurado, atirando-lhe a água dum copo que enchia para um cliente que lhe pedira uma água sem gás.

- Toma lá um refresco para essas ideias tontas. Imagine-se pronunciar o agá. Onde já se viu?! Só mesmo para quem quer ofender um quase analfabeto como eu.

 

Com os cabelos escorrendo, realçando o cheiro a camomila do shampoo, xampô, sem h, ultra suave, que costumava usar, quedou-se um pouco, meditando sobre algumas questões de Química que a preocupavam. Se tivesse boa nota, nesta disciplina, melhorariam as hipóteses de entrar na Universidade. Oxalá saíssem muitos problemas, porque na Matemática estava ela bem. Ou não, H2O?!

 

 

Mais uma Nota!

Uma versão deste texto foi publicada no Boletim Cultural Nº 71, do Círculo Nacional D'Arte e Poesia, Ano XVI, Fev. 2005.

Uma questão de Notas, Contos ou Escudos…

Capítulo I

 

Odete entrou na “Livraria Portugal” e, dirigindo-se ao empregado, perguntou:

- Pode destrocar-me cinco contos, se faz favor?!.…

- Depende dos contos que quiser, respondeu-lhe o empregado da Livraria.

- Ora, destroque-me cinco contos, mas como lhe der mais jeito. Podem ser de quinhentos ou de mil…

- Já que quer de Mil, ainda tenho das “Mil e uma Noites”, em banda desenhada… Bom! De Quinhentos não há. Ah! Talvez se arranje… Ali Babá e os Quinhentos Ladrões. Como quer cinco, aconselho o da “Carochinha” o do “Tourinho Azul” e… porque não?! O do “Capuchinho Vermelho”. Sempre é bom prevenir, não é?! Nunca se sabe os maus encontros que se podem ter.

- Não é desses contos que quero, mas em notas, retorquiu Odete.

- Alguns têm notas, há-os até bem anotados. Um deles, que é uma análise dos contos de fadas, está cheio de anotações. Já sei! Quer uma obra mais intelectual, com muita bibliografia e referências a outros livros de consulta… talvez, peut-être…

- Não quero dos seus contos ou notas. Nem talvezes ou pó d’éter. E não estou doente para ir à consulta… ao médico. Sugiro…

- Não me chame Sugiro, não sou nenhum japonês. Fui nascido e criado em Alfama, João Amaral, de meu nome.

- Dane-se! Vá dar uma curva, vá ver se chove. Vá ao outro lado! Respondeu-lhe, exaltada, Odete.

O empregado da “Livraria Portugal” deu meia volta, olhou para o outro lado, mas não viu nada de especial. Nem sequer estava a chover!

E Odete saiu, com a nota de cinco contos na mão, apressada em destrocá-la, antes da chegada do euro. Do Euro, dinheiro, não do Euro, futebol, duas entidades afinal tão interligadas, mas que aqui convém destrinçar.

 

Nota: Um versão deste texto foi publicada no Boletim Cultural Nº 69 do Círculo Nacional D'Arte e Poesia, Ano XV, Outubro 2004. 

 

nota cinco mil.jpg

 Esta é uma imagem extraída de "https://www.forum-numismatica.com."

 Provavelmente seria uma nota idêntica a esta que a menina Odete andava a tentar destrocar. 

Estórias que parecem mentiras…

Introdução

 

Vamos iniciar un conjunto de seis "estórias", que serão publicadas diariamente em pequenos capítulos.

Hoje apresentamos uma pequena introdução.

 

Estas estórias, como todas as “estórias do arco-da-velha”, foram escritas num tempo já passado, embora não muito distante, mais concretamente nos anos oitenta do século XX, que agora já parece tão longínquo, tal a voracidade e velocidade com que cronos nos devora os dias e as noites, no suceder do nosso dia-a-dia.

 

Já foram publicadas, em pequenos capítulos, em Boletins Culturais do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, em 2002, 2004, 2005, 2006, 2007, já século XXI e agora, tempos modernos, vamos dá-las a conhecer neste blog.

 

Quando publicadas no Boletim já aí lhes déramos algum tempero deste século XXI. Uma pitadinha de sal aqui, um grãozinho de pimenta acolá…

Agora nesta republicação, embora mantendo a estrutura e narrativa originais, tentaremos dar-lhes algum novo e pequeno aconchego, para que fiquem ainda mais saborosas. Usaremos a ortografia atual, pese embora o desacordo relativamente ao Acordo, mas como já o vimos utilizando há algum tempo, não nos parece já tão obtuso, apesar das reticências que ainda possamos ter no referente ao mesmo.

 

Vieram estas historietas dum tempo em que ainda havia escudos e notas de quinhentos e de mil e assim por diante e para trás, sendo que cada nota de mil escudos era designada por “um conto de réis”. Corresponde ao valor atual de cinco euros.

Será que ainda nos lembramos das notas de escudos e de contos com a efígie de Homens Ilustres do nosso passado histórico?! Ou já as esquecemos na voragem do nosso quotidiano de euros e cêntimos, o porta-moedas sempre cheio de unidades centesimais: um, dois, cinco… cinquenta cêntimos, uns quantos euros. Pretendendo lembrar-nos o nosso Primeiro Afonso, mas de uma forma tão abstrata, que não sei se alguém lá chega. Em contrapartida, presenteiam-nos com a imagem de reis de outros países seja da Espanha, da Bélgica, da Holanda…

E notas de pontes e arcos e arcos e pontes e arcos e… em verdade se diga que, hoje em dia e cada vez mais, as pessoas o que mais usam é o cartão de crédito!

Moedas e notas de Euros . Foto de F.M.C.L. 2014 

Pois estas histórias passaram-se ainda no tempo dos nossos velhinhos (!) escudos e contos, que provavelmente nós, os mais velhos, ainda não conseguimos esquecer completamente. Pelo menos quando calculamos mentalmente o preço de qualquer mercadoria, de valor mais avultado, e pretendemos comparar com outras compras que já tenhamos feito.

 

A personagem central destas estórias chama-se Odete, que já conhecemos de “Estória inverosímil”, historieta escrita já neste milénio e já publicada no blog.

 

Odete, nessa altura ainda não adquirira a condição de Dona, corria a Grande Cidade um pouco ao acaso, mas sempre com algum fim em vista. Finalidade nem a si mesma confessada, a maioria das vezes disfarçada por algum outro motivo plausível, razoável, que lhe permitia deambular pela urbe.

Cada Dia é Dia de NATAL!

Uma Flor

Foto0475.jpg

   

Uma flor

Uma flor vai nascer

Vai nascer do Amor

Do Amor vai nascer uma Flor.

 

Um botão

De rosa ou de cravo não sei.

No jardim vai brotar uma Flor

Uma flor de Amor.

 

Em Novembro

Primavera vai ser

Vai florir o jardim

De alfazema ou alecrim.

 

Em Novembro

Ou Dezembro

Se Deus quiser

Primavera vai ser.

Vai florir o jardim

De camélia ou jasmim

Porque Deus quer

Alegrar-nos assim!

  

Escrito em 1993

Publicado em:

 Boletim Cultural nº 66 do CNAP – Círculo Nacional D’Arte e Poesia, Dezembro 2003.

Boletim da APP –Associação Portuguesa de Poetas, Set./Out 2003.

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