Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
«Em tais condições era impossível e até desnecessária a manutenção da paróquia, a qual foi, por esse motivo, extinta.
As imagens, a sineta e outros pertences da igreja foram, por determinação da autoridade eclesiástica, distribuídos pelas igrejas circunvizinhas.
A imagem do orago – S. Sebastião, como dissemos – foi para Vale do Pêso. A sua transferência constituiu motivo de grande regozijo para esta povoação, e realizou-se com a possível solenidade. Toda a gente que o pôde fazer se deslocou ao Chamiço e a imagem foi conduzida processionalmente, entoando-se, durante o percurso que é de quatro quilómetros, aproximadamente – a Ladainha de todos os Santos, dizem uns, ou o Bendito, afirmam outros – indo todos sempre com o maior respeito.
Ficou o Santo exposto à veneração dos fiéis no altar da Senhora do Rosário (c).
Pouco tempo passado, só residia no Chamiço uma lavradoura abastada e aqueles que a serviam permanentemente. Tinha o apelido de Carita.
Era uma senhora alta e clara, magra e simpática. Depois que acabou a freguesia do Chamiço, passou a ouvir missa, aos domingos, com alguns servos seus, na igreja de Vale do Pêso, talvez por aí se encontrar S. Sebastião do Chamiço, a quem ela tantas vezes teria dirigido suas preces em horas aflitivas; ou talvez, por ali morar uma sua amiga, lavradoura abastada também, pertencente a uma família ilustre de Vale do Pêso, D. Maria Caldeira Durão, ou Duroa, como o povo dizia, senhora que, ao contrário da sua amiga, era excessivamente baixa.
Depois da visita habitual, lá seguia a srª Carita para a deshabitada povoação, à qual só ela teimava em manter uns restos de vida e de movimento.
Mas foi curta essa teimosia, pois em breve teve ela também de abandonar a velha aldeia, porque foi assaltada e roubada.»
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«(c) - Foi há anos retirado e substituído pela imagem actual, por iniciativa do Revdo. Pároco Sr. Pe. João Cotrim, pároco da vila de Amieira.»
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Notas finais:
Termina, assim, a publicação desta excelente narrativa sobre o historial do Chamiço e da lavradora Carita. De Autoria de Prof. Manuel Subtil, uma Personalidade notável de Vale do Peso.
Continuo a não publicar fotos documentais, embora, hoje, já tenha na minha posse um considerável acervo de fotografias da "aldeia" do Chamiço.
Como as obtive?!
Ontem, dia 02/02/23, “Dia da Senhora das Candeias” convenci o Amigo Casimiro, mais que amigo, um amigão, a irmos visitar o “velho Chamiço”. Na sua carrinha, fomos, pelo caminho vicinal que parte da estrada Crato – Monte da Pedra, na direção Leste, até ao povoado em ruínas. (Este caminho está em muito mau estado, na sequência das chuvas.)
Mas a visita foi excelente, até porque tivemos Cicerone, também de excelência.
«Como acabou a freguesia do Chamiço? Porque desapareceu uma povoação que, apesar de pobre e pequena, se manteve durante alguns séculos independente?
Vamos dizê-lo:
Viviam com certa dificuldade os habitantes do Chamiço, pela pobreza das terras e escassez dos rendimentos.
Agravava, em parte, essa dificuldade a circunstância de terem de pagar anualmente ao padre um moio de trigo.
Para atenuar essa precária situação, dirigiram ao Grão Prior do Crato, em 1760, uma petição, na qual ponderavam que, sendo apenas 22 vizinhos, não podiam pagar o moio de trigo ao pároco, por serem pobríssimos, pois apenas quatro deles tinham passagem pelo seu quotidiano trabalho. Que alguns tinham ido para terras vizinhas, por não poderem pagar a parte que lhes tocava, o que mais agravava a situação dos que ficavam, ameaçando, assim, despovoar-se a freguesia. Pediam, por isso, que o moio de trigo fosse pago pelo Grão Prior, como acontecia com a freguesia de Monte da Pedra.
Esta petição, provavelmente elaborada pelo pároco do Chamiço, que era então o Pe. Francisco Dias da Mota, têve o acolhimento desejado.
O Almoxarife do Crato, João Teixeira Carrilho, informou e confirmou o exposto; o Procurador e a Mesa Prioral conformaram-se e a petição foi deferida, em 16 de Julho de 1760 (b).
Assim, ficaram um pouco mais desafogados os moradores da pequena aldeia e lá se foram mantendo como puderam.
Mas na primeira metade do século XIX, isto é, decorrido menos de um século, depois daquela concessão, rebentou a Guerra Civil entre absolutistas e liberais.
O desfecho dessa guerra, pela deposição de D. Miguel, foi funesto para o Chamiço, pois tornou insustentável a situação dos seus habitantes.
O Priorado do Crato tinha sido anexado, há muito, à Casa do Infantado, da qual veio a ser último senhor o rei deposto. Extinta a Casa do Infantado, extintos foram os privilégios que os moradores do Priorado desfrutavam, desde épocas remotas, um dos quais era o regime de compáscuo, (a que já aludimos) para os seus gados.
Assim, sem terrenos baldios, como até então, os pobres pastores não podiam manter os seus pequenos pegulhais de cujos produtos viviam, embora pagando dízimo ao Grão Prior.
Esta circunstância tornou-lhes a vida insustentável naquele meio. Foi o comêço da debandada. Foi o princípio do êxodo.
Trataram de vender os seus gados e de fixar residência em terras próximas – Vale do Pêso, Monte da Pedra e Aldeia da Mata.
Apenas continuaram a residir no local os poucos que, por terem lavoura sua ou propriedades ali, tinham conveniência em permanecer no velho Chamiço.
Em tais condições era impossível e até desnecessária a manutenção da paróquia, a qual foi, por esse motivo, extinta.
(…)
(b) – Chanc.ª da C. do Infantado, L.o 82, fl 136.»
«Em muitos mapas corográficos de Portugal, figura, ainda hoje, como freguesia do Crato, a velha povoação do Chamiço, situada a meio de uma linha recta cujos extremos são Vale do Pêso e Monte da Pedra.
E contudo o Chamiço desapareceu há muito tempo como povoação, e há mais tempo ainda como freguesia.
Quem, indo da Torre das Vargens, viajar pela linha de Cáceres, que atravessa o distrito de Portalegre, poderá ver, à esquerda, entre as estações da Cunheira e de Vale do Pêso, quando já se avista o perfil airoso da Serra de S. Mamede, uma espessa mancha de arvoredo, constituído por azinheiras, principalmente o cercado de velhas paredes. São as Tapadas do Chamiço.
Em tempos passados, essas tapadas denunciariam, logo de longe, a existência ali de uma povoação; porque no antigo Priorado do Crato, onde predominava o regime compáscuo, só eram permitidas tapadas nas proximidades dos povoados, para uso exclusivo dos seus habitantes. Tudo o mais era aberto e livre.
Situado num vale sem horizonte, em sítio pedregoso e triste, onde os terrenos são de fraca produção, o Chamiço foi sempre povoação pequena.
Assim, quando, em 1527, o rei D. João III ordenou que os Corregedores das seis Comarcas do reino mandassem proceder ao arrolamento de todos os moradores, achou-se que o Chamiço tinha trynta e seys moradores (a). Em 1708, segundo a Corografia Portuguesa do Pe. António Carvalho da Costa, tinha só 22 fogos.
Era, porém, freguesia mais antiga do que Monte da Pedra, que não existia ainda em 1527, e até mais antiga do que Flôr da Rosa, que só foi elevada a sede de freguesia em 21 de Setembro de 1749, por Decreto do Grão Prior Infante D. Pedro, irmão do rei D. José.
A igreja era pequena e só tinha três altares, no século XVI, com duas portas: uma na modesta fachada, outra lateral. Anexa à igreja havia uma pequena sacristia, em comunicação directa com o altar-mor.
Era orago da freguesia o mártir S. Sebastião, cuja imagem – que ainda existe, já retirada do culto, na igreja paroquial de Vale do Pêso – era muito venerada, como advogada contra as epidemias, tão frequentes naqueles tempos.
Não havia baptistério: a pia baptismal estava a um canto do corpo da igreja, à esquerda da porta principal, e esta era voltada para poente, como as da maioria dos templos católicos.
No vértice da empena da frontaria estava colocada a única sineta existente, sob uma pequena cúpula apoiada em quatro colunelos.
Os moradores do Chamiço eram, na sua maioria, pobres trabalhadores que, ou serviam como criados ou viviam de apascentar gado – lanígero principalmente – próprio ou alheio.
Como acabou a freguesia do Chamiço? Porque desapareceu uma povoação que, apesar de pobre e pequena, se manteve durante alguns séculos independente?»
(…)
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(a)– Mestrados e priorado do Crato em Alentejo – Arquivo Nac. Da T. do T. Gav.5, M.I, nº 47.
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(Notas: Segui o mais fielmente o original do Jornal. A divisão em capítulos pretende estruturar a leitura nos postais. Não tenho fotos de minha autoria do Chamiço.