Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Divulgamos hoje o nosso post nº 50. Que é também o 1º trabalho que colocamos em 2015. E, como não podia deixar de ser, pois também é esse o nosso propósito, damos a conhecer neste enquadramento uma poesia sobre o nosso Alentejo.
Este conjunto de vinte e seis quadras foi escrito em 1982, numa época em que trabalhava no Alentejo e resultaram da observação poética da planície transtagana nessa altura. Alguns aspetos ter-se-ão modificado. Atualmente há realidades que, à data, eram ainda ficção científica. De qualquer modo é um flash desse tempo nesse espaço, que nos é tão querido e idealizado.
ALENTEJO
Horizontes infinitos
Extensões de montados
Manchas de olivais bonitos
No meio, campos lavrados.
Campos a perder de vista
Vista do cimo do monte
Altaneiro como crista.
No vale, a horta e a fonte.
Montes quase abandonados
Sem caseiro nem patrão
Pois carros motorizados
A casa trazem o aldeão.
Casas de branco caiadas
Barras azuis e amarelas
Cheias de esmero, asseadas
Alegra os olhos vê-las.
Rasteiras, bem alinhadas
De quando em vez solarengas
Varandas, janelas bordadas
Casas, nossas avoengas.
Chaminés de sol e lua
Portas de cantaria
Abrindo a casa à rua
Dão beleza à frontaria.
Ruas de casas juntinhas
Fazem terras afastadas.
De noite é ver as luzinhas
Dar vida à planura, encantadas.
De dia banhadas pelo sol
Alegria e tormento
A brancura dum lençol
A secar na planície, ao vento.
Do Alentejo aldeias
De gente calma e fagueira
Amiga de trocar ideias
Embora nem sempre à primeira.
Gente mais moça abalando
P’ra Lisboa e outras bandas.
Os mais velhos vão ficando
Até que Deus queira, em bolandas.
Pela manhã, o Destino
Os leva à soalheira
Aquecer sangue latino
Que já falta companheira.
Durante a manhã, as comadres
Dominam as ruas mercando
E estando fora os compadres
Com as amigas vão conversando.
À tarde e à noitinha
Após um dia de trabalho
Homens enchem a tendinha
Causa de brigas e ralho.
Mas após tanta fadiga
No campo, a maioria
Faz bem beber uma pinga
Dá esquecimento e alegria.
Terminar a cavaqueira
Que à janta a mulher chamou.
Esperar sentado à lareira
Que a novela começou.
Migas, açorda e mais
Sopa de cachola e tomate
De miolos, gaspacho, é demais
Tanto pão e tanta arte.
Hoje não é tanto assim
Comida vai variando.
Borba, Redondo, enfim
Rico tinto acompanhando.
Após a janta, o descanso
Que amanhã é de trabalho.
Antes, um breve remanso
Aquecendo-se ao borralho.
De manhã o sol levanta
Trabalhador para a jornada.
Dantes a pé, agora espanta
A quem tem motorizada.
Lavoura, azeitona e cortiça
São trabalhos desde outrora.
Conforme a época, a liça
Novas culturas agora.
O tomate, o girassol
Culturas de regadio.
As barragens são um rol
Mas não chegam p’ró sequio.
Os serviços na cidade
Algumas indústrias também.
Desemprego, ansiedade
De quem quer algum vintém.
Pau bucho, chifres, cabaças
Argila, pedrinhas e linho
Nelas, flores e sonhos traças
Objetos de amor e carinho.
Trabalho feito com as mãos
Na cortiça, ferro ou barro.
Homens de arte, artesãos
Ourives de bilha e tarro.
Mas artistas todos são
De pincel ou de trator
Na tela ou terra chão.
Basta trabalhar com amor.
Amor que a nós, Homens, une
E à terra que nos viu nascer.
Mais nos liga que nos desune
Todos juntos a conviver.
Escrito nos inícios de 1982.
Publicado na VII Antologia do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, 2003.
Foi numa tarde ensolarada, mas fria, por acaso véspera de Natal, que assentei raízes no local que é agora a minha casa. Foi em Dezembro, que o meu dono me plantou no seu valado, junto à casa, com vista para a igreja de São Martinho. Foi em clima de festa que eu nasci, de novo, nesta cidade. Para mim foi mesmo Natal, Nascimento. E, pensei, como seria lindo, uma festa, em que todos plantássemos uma Árvore, que todos fizéssemos sempre Natal. E, ao mesmo tempo sonhei, é agora, finalmente, que eu vou ser Árvore de Natal!
E o local não podia ter sido melhor escolhido. Da minha nova morada posso avistar, altaneira, a torre da igreja, vejo e ouço os sinos repicar de contentamento, miro as crianças que passam alegres e festivas na esperança do Natal, dou alento aos velhotes que recordam a sua infância e, aos adultos, lembro o tempo de paragem e reflexão, o apelo à Paz, à Amizade e Amor, à quadra que se vai aproximando e a todos poderei desejar sempre um Santo e Feliz Natal.
Como disse, esse sonho de vir a ser árvore de Natal, sempre me acompanhou, no viveiro onde nasci, no entreposto/viveiro onde residi temporariamente até ser comprado pelos meus novos donos e mesmo aqui, no valado onde agora moro, ainda vivi algumas semanas nesse sonho. Ele foi a fanfarra, os foguetes, o contentamento das pessoas, a aproximação real do Natal. Mas foi já este ano que eu tive um lampejo, um corte violento e brusco, sobre esse meu sonho, que agora considero devaneio, mania, fixação até.
Todo esse vai e vem de Dezembro, que depressa chegou e mais rápido se esvaiu, me deixou numa tremenda excitação, euforia, enlouquecimento. Mas, passadas as festas, a azáfama das compras, as consoadas, a passagem do ano, chegado outro de novo e, com ele, Janeiro, já depois dos Reis, a vida pareceu recuperar a sua habitual normalidade, bonomia proverbial. Mas eis senão, quando, numa tarde enevoada, um destes senhores que não respeitam o ambiente, trouxe no atrelado do trator uns quantos arbustos escanzelados que, a trouxe-mouxe, arremessou para o meio de um silvado, junto de uma parede velha, perto do local onde moro.
Quis gritar, barafustar, chamar-lhe à atenção pela falta de respeito, pela atitude do senhor, mas a voz ficou-me embargada de comoção e espanto, não me saindo nada do tronquito onde me encerro. E ele abalou, aos solavancos com o atrelado, roncando o motor, pelo meio dos pinheirais de onde proviera. Mas a minha emoção foi maior ainda por reconhecer, nesses arbustos escanzelados, amarelecidos, esfoliados, amigos meus, pinheiros e abetos, por quem eu, no viveiro, nutrira tanta admiração e, diga-se, uma pontinha de inveja, por lhes ser destinado virem a ser Árvores de Natal.
Não resisti à curiosidade, quase saltei do terreno onde estava, bem puxei as raízes, para saltar o muro e aproximar-me desses amigos e colegas que gemiam, reclamavam da sua sorte, alguns pediam ajuda, outros já mal se ouviam nas suas lamúrias e preces e, aos poucos, foram estiolando, morrendo à minha beira e eu sem nada poder fazer.
Mas, enquanto viveram, morrendo aos poucos, puderam contar-me o seu destino.
Chegado o tempo e a altura própria, foram destinados para o que fora o seu maior sonho de glória: serem Árvores de Natal. Quando vieram os lenhadores com as suas moto-serras, embiocaram-se nas melhores vestes, empertigaram-se eretos na coluna, tremeluziram as agulhas de contentamento, piscaram olhos à moto cortante, gemeram ai, ui, num misto de prazer e dor e desfaleceram às dezenas no solo, ao ranger da lâmina serrante.
Iniciava-se o seu sonho ou devaneio…
Foram amontoados, empilhados uns sobre os outros, enrodilhados os abetos numa fina rede, distribuídos em camionetas por supermercados, lojas, praças, lugares e lugarejos nesta moda consumista. Mas ainda sonhavam e, por isso, valia a pena tanto sacrifício!
Regateados no preço por senhores e senhoras, pirraças de meninos e meninas, lá foram no porta-bagagem até casa, vivenda ou andar, indubitavelmente à sala, junto à televisão ou à lareira. E, uma vez aí chegados, foram devidamente abonecados: fitas e fitinhas, laços e laçarotes, bolas e bolitas, estrelas e estrelocas, luzes e luzinhas tremeluzindo, faiscando, pisca-pisca toda a noite e santo dia. E caixas e caixinhas e mais caixas, embrulhos, sacos de artigos de marca, devidamente enfeitados de lacinhos, corações e pais-natais, tudo em volta do pinheiro ou abeto. Agora sim, eram Árvores de Natal. Tinham finalmente alcançado a sua noite de glória, todo o seu glamour, apoteose, aparato, atingiram a condição de estrelas, super-estrelas. Mas, alguns, já aí se sentiram abafados pela tremenda confusão de objetos, pessoas e coisas, acessórios e associados dos festejos.
Mas assistiram, participaram nos festejos de Natal, vivenciaram beijos e abraços, votos de felicidade e alegria, participaram na troca de prendas, levaram até alguns safanões na euforia desta vivência, vislumbraram o fogo-de-artifício, pela janela aberta, na passagem do ano, chegaram até ao Dia de Reis, mas aqui foi dada por finda a sua função. Passaram a ser um estorvo, um estropício, um empecilho na sala e o seu destino foi, inexoravelmente, o caixote do lixo, a lixeira da Câmara, ou o aterro sanitário, quando não uns encontrões, junto à parede, no meio do balsedo.
“Foi este o destino da nossa quinzena de glória. Foi este o final do nosso sonho de grandeza, por que tanto ansiávamos. Não há lugar a final feliz. Ser árvore de Natal passa invariavelmente por terminar no lixo”, disseram-me, lamuriando, os meus amigos pinheiros e abetos.
E, perante esta dura e cruel realidade, apercebi-me então como vão e balofo fora esse meu sonho de ser Árvore de Natal.
- Para quê luzinhas piscando, se no céu estrelado estão milhões de luzeiros eternos?! A estrela d’alva, a estrela matutina, a estrela boieira, o set’estrelo, eu sei lá…
- Porquê bolas coloridas, se o sol e a lua cheia me iluminam os ramos e inundam todo o meu ser de luz eterna?
- Anjinhos de fantasia para quê, se crianças escorregarão, um dia, nos meus braços fortes e me subirão no tronco, na busca de mitos e heróis?
- Sala iluminada por quê, se tenho este lameiro verdejante onde vivo, vislumbro a cidade e os seus arrabaldes, os pinhais e vinhedos em redor, sinto o murmurejar dos regatos que junto a mim passam, em direção ao Rio do Tempo e do Esquecimento e as aves nas minhas ramadas pousarão e farão ninho, quem sabe! E tenho como teto a abóbada celeste e como lustre o sol, a lua e as estrelas?!
E foi assim que eu, de nome vulgar Castanheiro, do latim Castaniariu, de nome botânico, Castanea Sativa, da família das Castaneáceas ou Fagáceas, perdi a mania de vir a ser, um dia, “Árvore de Natal”.
Este texto corresponde à 2ª parte (final) do texto publicado neste blog, a 11/11/14.
Deste conto tenho várias versões já publicadas noutros suportes, a saber:
Boletim Cultural nº 75 do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, Ano XVI, Dez. 2005 – “Sonho e desilusão de uma Árvore de Natal!”.
Boletim Cultural Nº 80 do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, Ano XVII, Dez. 2006 – “A ilusão de ser Árvore de Natal!”.
Boletim Cultural nº 109 do Círculo Nacional D'Arte e Poesia, Ano XXIII, Dez. 2012 – “O impossível sonho de um Castanheiro que queria ser Árvore de Natal!”.
Jornal “A Mensagem”, Nº 481, Ano 44, Nov./Dez. 2014 -“O Castanheiro que sonhava ser “Árvore de Natal”.
“Hoje, dia 14 de Dezembro de 2014, vamos divulgar um poema que já anda para ser publicado há algumas semanas.
Teria que ser publicado em domingo, de preferência em Novembro e com sol, porque futebol há sempre!
Conviria ser também em dia de “Clássico”, preferencialmente o Benfica a jogar em casa.
Com tantas premissas e restrições, nunca mais calhava o dia!
Chegou hoje.
É Domingo, não me parece que haja sol, há futebol e os dois grandes a jogarem. Só que o Benfica não joga na condição de visitado, pois vai ao Porto. Não há, hoje, um Benfica Porto, mas sim um Porto Benfica!
No “Clássico” que o poema indiretamente evoca, o Benfica ganhou por 3 -1. E também venceu o campeonato, ficando o Porto em 2º lugar.
Pois o que desejamos é que a história se repita hoje, 14/12/14. Que o Benfica vença no Dragão e que ganhe o campeonato!
Segue o poema…”
O texto anterior foi escrito no sábado, 13/12/14, à noite, para ser publicado no domingo de manhã. Só que a Vida, por vezes, “prega-nos partidas” inesperadas e, por isso, só hoje, 3ª feira, volto a ter possibilidade de “pegar” no computador.
De modo que o poema mantem-se. O enquadramento explicativo é que é diferente.
O que era prognóstico e desejo passou a ser uma certeza.
O Benfica ganhou, no estádio do Dragão e também com um diferencial de dois golos. Continua a liderar, agora com seis pontos de avanço relativamente aos segundos classificados.
Que assim continue e no final do campeonato se repita o facto de 1982/83: O Benfica a vencer o campeonato!
Divulga-se então o poema:
“BARRETES”
“Domingo de Futebol”
Hoje é domingo…
E cheio de sol.
Lisboa é linda
Pois que ainda
Tem futebol.
Muitos barretes
E cachecóis.
Peúgas soquetes
Dos apanhados
Apaixonados
Dos futebóis.
Que barretes enfia
Somente quem quer.
Azuis ou vermelhos
Ou outro qualquer
Novos ou velhos…
Dão ilusão
Espontânea alegria
A quem os enfia.
Homem ou mulher
Criança ou adulto
Integram num culto
Na mesma irmandade
Da fraternidade.
E quem na cidade
De qualquer idade
Solitário entre gente
Que não conhece…
Se os vê de repente
Logo lhe apetece
Travar amizade
Com outro alguém
Também zé-ninguém
Da mesma irmandade.
Notas:
- Poema escrito em 14/11/1982, em Lisboa, num domingo de sol, em dia de Benfica - Porto.
Publicado em: Boletim Cultural nº42, do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, Junho 1996.