"... E Cai a Noite"!
Poesia de Rolando Amado Raimundo
Continuamos na "onda" da Poesia.
Hoje, divulgamos dois bonitos poemas do confrade supracitado:
"Na cidade e cai a noite" e "Canção que transcende". Ambos de 2012.
*******
«NA CIDADE E CAI A NOITE»
«A penumbra trouxe agora acalmia aparente
Já tudo se vestiu para a noite, como as aves
As portas trancadas, os alarmes precavidos
Lá ao longe
O grito de ambulância fere lancinante
Aproxima-se. Homem, mulher?
Quem lá irá, que lhe aconteceu
Acidente, algum suicídio, mais um?
Junto à linha férrea, ratinhos banqueteiam-se
Sem pejo nem temor
Nos caixotes da avenida.
Velhas espreitam atrás dos vidros
Pela vez derradeira
Janelas com luzes dentro
Onde se faz sexo
E talvez amor
Há promessas de não cumprir
Ou maquinações tenebrosas
Gente feliz, gente contente
Gente a nascer e gente a morrer
Menos carros indiferentes
Tudo a girar como a bola mundo.
Há insónias, rezas
Pensamentos impuros
Intenções fraternais
E pensamentos lúbricos
A lassidão é companhia
Como mulher que seduz
Lânguida, impulsiva, quase empurra
Para os braços de Morfeu
É hora dos bichos nocturnos e sua rotina
Dos olhos dos gatos reflectidos
Das ratazanas e dos ladrões
Tudo atento, em seu lugar
Perfeito, como em êxtase.
Nalguns cantos espetam-se seringas de raiva e de alívio
E de viagens, nem sempre de retorno
Há restolhar do oculto e de segredos
De árvores, de pedras, de espíritos
De dentro das casas
De dentro da alma das casas
Agarrados um casal, tropeça
De álcool ou algo mais.
Beijam-se, há desejos carnais
Iluminados pelo luar
Sedentos de prazer
Felizes de juventude, que o tempo foge
Com todos os sonhos possíveis.
Querem viver e embriagar-se disso e agora.
- Depressa, antes que amanheça.»
*******
«CANÇÃO QUE TRANSCENDE»
«De súbito, como janela que se abre
A deixar entrar suave, suavemente
A fresca brisa que toca a reviver
Uma cantora vivencia e é sublime
Nessa voz que penetra fundo
Vai ao limbo do que sabemos nosso
Adormecido sono existencial.
E consola e abraça, como uma mãe
A cantar esses instantes
Esses sopros de vida remexidos
A despertar lembranças, sensações
Numa canção, todo esse mundo
Que revisitamos a pulsar
Voz de surpresa, canção que transcende
Voz tão suave, do coração
Tão perto e tão amiga
Voz que podíamos beijar…de gratidão.»
*******
(Fotografia original DAPL - 2017: Cais do Ginjal, ao entardecer.)