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Aquém Tejo

Há quem do Tejo só veja o além porque é distância. Mas quem de Além Tejo almeja um sabor, uma fragrância, estando aquém ou além verseja, do Alentejo a substância.

Há quem do Tejo só veja o além porque é distância. Mas quem de Além Tejo almeja um sabor, uma fragrância, estando aquém ou além verseja, do Alentejo a substância.

"Fado Português" – Régio – Amália

Costa. Foto Original. 2020. 08. jpg

«III - FADO PORTUGUÊS

 

O fado nasceu num dia
Em que o vento mal bulia
E o céu o mar prolongava,
Na amurada dum veleiro,
No peito dum marinheiro
Que estando triste, cantava.

 

(- Saudades da terra firme,

Da terra onde o mar acabe,

Da casinha, e das mulheres,

Guitarra, vem assistir-me,

Que a gente é bruto e não sabe,

Expressa-as tu, se souberes…)

Por esse mar além fora,

A guitarra, dim…dom, chora,

Tem pausas, ais e soluços.

E tão bem faz isso à gente,

Que o triste bruto valente

Chora sobre ela de bruços!

 

(- Mãe, adeus! Adeus Maria!

Guarda bem no teu sentido

Que aqui te faço uma jura

Que ou te levo à sacristia,

Ou foi Deus que foi servido

Dar-me no mar sepultura!)

 

Por mar além, chão que treme,

O dim-dom da corda freme

De espanto, angústia, incerteza;

Mas reluz no olhar do triste

Não sei que alto apelo em riste

Contra essa humana fraqueza…

 

(- Que terra é esta…, este mar

Que só acaba nos céus,

Ou nem lá tem seu fim?...

Ou hei de o eu acabar,

Ou hei de, querendo Deus!,

Ou ele acabar a mim!)

 

Casada à trémula corda,

Sobe a voz trémula…, acorda

Tristezas do peito inteiro,

E as sereias que enlevadas

Se agarram às amuradas

Do frágil barco veleiro.


(- Ai que lindeza tamanha,
Meu chão, meu monte, meu vale,
De folhas, flores, frutas de ouro!
Vê se vês terras de Espanha,
Areias de Portugal,
Olhar ceguinho de choro…)

 

Deitando o olhar às lonjuras,

Só vê funduras, alturas

Das águas, dos céus, da bruma,

E as rijas pomas redondas,

De bico a boiar nas ondas,

Das sereias cor de espuma.

(- Sei eu, sequer, por que venho,

Deixando a jeira de chão

Que ao menos me não fugia,

Atrás de não sei que tenho

Tão dentro do coração

Que inté julguei que existia…?)

 

E à voz que sobe a tremer,

Morre lá longe…, e ao morrer,

Sobe outra vez, mais se aferra,

Que etéreo coro responde

De vozes que chegam de onde

Não seja nem mar nem terra!

 

(- Quem canta com voz tão benta

Que ou são os anjos nos céus

Ou é demónio a atentar?

Se é demónio, não me atenta,

Que a minh’alma é só de Deus,

O corpo, dou-o eu ao mar…)


Na boca do marinheiro
Do frágil barco veleiro,
Morrendo, a canção magoada
Diz o pungir dos desejos
Do lábio a queimar de beijos
Que beija o ar, e mais nada.


(- Mãe, adeus! Adeus, Maria!
Guarda bem no teu sentido
Que aqui te faço uma jura
Que ou te levo à sacristia,
Ou foi Deus que foi servido
Dar-me no mar sepultura!)

 

Sob o alvor da lua cheia,

Naquela noite, a sereia,

Cujo seio mais se enrista

Da aurora até ao sereno

Beijou o corpo moreno

Do moço nauta fadista…

 

(- Que terra é esta…, este mar

Que só acaba nos céus,

Ou nem lá tem seu fim?...

Ou hei de-o eu acabar,

Ou hei de, querendo Deus!,

Ou ele acabar a mim!)

 

Nas vias-lácteas faiscantes

Que esmigalhado em diamantes

O luar no mar espraia,

Um dim-dom…, dim-dom tremente,

Mais doces queixas de gente,

Vão ter a uma certa praia.

 

(- Ai que lindeza tamanha,
Meu chão, meu monte, meu vale,
De folhas, flores, frutas de ouro!
Vê se vês terras de Espanha,
Areias de Portugal,
Olhar ceguinho de choro…)

 

E as mães de filhos ausentes

Acordam batendo os dentes,

Torcendo as mãos, e carpindo,

Sabendo todas que é a morte

Que chega daquela sorte

No luar funéreo e lindo…


Ora eis que embora, outro dia,
Quando o vento nem bulia
E o céu o mar prolongava,
À proa doutro veleiro,
Velava outro marinheiro
Que estava triste e cantava.»

 

In.

RÉGIO, J. – FADO – Klássicos – A BELA E O MONSTRO, EDIÇÕES Lda. Lisboa – Portugal - 2011

 

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