“A Família Krupp” (Reposição) - Teil II
Série Alemã na RTP 2
Episódio II
“A Educação de Alfried” / “O Peso de um Nome – O Poder de um Símbolo”
Na RTP 2, passaram ontem, domingo, dia 10 de Janeiro, após o excelente documentário, “Maravilha das Maravilhas” o 2º episódio da mini - série “A Família Krupp”, numa reposição do que haviam apresentado em Outubro e sobre a qual já escrevi neste blogue.
Volto a rever a série, até porque não tive oportunidade de ver um episódio na primeira transmissão. Por outro lado, esta é uma daquelas séries que me “enchem as medidas”, e que se revê sempre com muito agrado, há sempre aspetos que nos escapam numa primeira visualização, tanto mais quando se quer escrever sobre a mesma. Volto, igualmente, a escrever sobre a temática, reportando também para o que já escrevi anteriormente.
Uma série excelente sob todos os aspetos, antes de tudo o mais pela temática abordada, a vida de uma “Família”, num sentido muitíssimo alargado, não esqueçamos o conceito de “Kruppianos”, que para o bem e para o mal, muito mais para este lado, infelizmente, se entrosou indelevelmente com a História da Alemanha, da Europa e do Mundo!
Por onde começar a escrever?
Realço um dos aspetos sobre o qual, na primeira visualização, não me debrucei, nem prestei a atenção merecida. A Música! Esta enleva-nos e leva-nos na narrativa, guiando-nos de forma mais ou menos subtil, de modo mais ou menos declarado e acentuado, pelo enredo, de acordo com a ação e as personagens, até ao genérico final. Pena tenho que, sendo muito apreciador de música, pouco dela conheça, a ponto de identificar a sua origem, a sua autoria, e no genérico pouco se pode “apanhar” sobre estes dados, a não ser continuar a ouvir, como se as imagens não tivessem deixado de fluir. Nos filmes, também gosto sempre de ler os genéricos, quanto mais não seja para continuar “saboreando” o “enredo” musical. Quando a música agrada e o conteúdo da narrativa também, fica-se naquele torpor existencial, de quem esteve a “viver” uma ficção, uma irrealidade, de que se tem consciência, mas da qual não nos apetece ausentar.
Para além da realização, Carlo Rola, destaco as personagens e os seus intérpretes. Para além da temática por demais elucidativa e atraente.
Os atores são excepcionais! (E como esta palavra exprime muito melhor o seu significado quando escrita com p.) Mas quem os conhece?! É esse o nosso problema com as séries do Continente Europeu, sejam elas as espanholas, as francesas, as italianas, as dinamarquesas, as alemãs. Nos últimos quarenta anos, fomos sendo gradualmente arredados da filmografia europeia continental. De modo que, pouco conhecemos de atores e realizadores.
Iris Berben/Bertha, Barbara Auer/Margareth, Benjamin Sadler/Alfried, … Alguém conhece?
Bem, para continuar na temática deste 2º episódio, talvez abordar o assunto segundo o subtítulo que atribuí a este episódio. “A Educação de Alfried” / “O Peso de um Nome – O Poder de um Símbolo”.
A narradora principal é Bertha Krupp (1886 – 1957), a mãe de Alfried (1907 – 1967), que ela prepara, desde criança, para dirigir os destinos da firma. Este é um segundo narrador, que, de algum modo, contrapõe ou propõe, também a sua versão dos factos, à medida que vai crescendo e ganhando maior peso na estrutura narrativa, bem como na vida da própria Família.
Em todos os episódios, o presente da narrativa ocorre sempre em 1957. Neste, Bertha já à beira da morte, que sofreu um AVC, na sequência precisamente de discussão azeda que teve com o filho, esperando que ele chegue para se reconciliar (?); para que ele lhe peça desculpa, como lhe ordenou, ou dar-lhe as últimas instruções sucessórias, dado que foi para isso que ela o educou e se imiscuiu sempre na sua vida?
Simultaneamente são-nos apresentadas cenas marcantes da vida pessoal da Família, contrapondo à vida no exterior, nas fábricas e na Alemanha. E estes são tempos conturbados.
Em 1915, Gustav von Bohlen (1870 – 1950) e o Kaiser Guilherme II (1859 – 1941), num campo de treinos, testam o novo canhão, elucidativamente batizado de “Bertha”, com um alcance de vários quilómetros e uma precisão milimétrica. Com ele, haveriam de bombardear à distância, nas frentes de batalha e a cidade de Paris.
Em 1916, imagens de Verdun, corpos destroçados e agonizantes, os horrores da Guerra, um cavalo branco vagueia na paisagem juncada de cadáveres e homens mutilados. Ouve-se o grasnar de corvos, necrófagos.
Seguidamente, e ao som de música que não pode ser mais serena, ouvem-se acordes de piano, e, na Vila Huguell, anuncia-se e prepara-se a vinda do Kaiser, na sua décima visita aos Krupp. Alfried ainda criança, vestido de marujo, mas já a aprender, para as suas funções sociais.
Mais tarde, em conversa na caserna, o Kaiser desabafa com os seus generais sobre o que pensa dos Krupp, “que enriquecem com cada granada, que vendem armas a todos os contendores, uns mesquinhos…”
Paralelamente, Bertha e o marido Gustav, na alcova, em refrega de amor, numa guerra bem mais proveitosa, tiveram sete filhos, também comentam essa visita do Imperador. Gozando e antegozando o momento triunfal do orgasmo.
Que a Guerra, essa, foi perdida pela Alemanha, pelo Kaiser, não pelos Krupp, como a mãe Bertha ensina ao filho. Que também supervisiona nas suas lições, dadas em casa, por uma preceptora. Grego, Latim, Matemática… “Não podes cometer erros… Tu és o nº 1! E sempre serás! A perfeição é um Dever. Tens que ser forte. Mais forte que os outros. (...)”
Que a Guerra, para os Krupp era um negócio, como o próprio Imperador frisou para o seu Estado-Maior, já desalentado, por não ver avanços na mesma e constatar a “falta de patriotismo” dos mesmos.
E foi, desse negócio, que Gustav, marido de Bertha e pai de Alfried, gestor da firma, quis ver as contas saldadas, exigindo à firma inglesa “Vickers Limited” o pagamento de 250.000 libras pelo fornecimento de armamento.
Os “Senhores da Guerra” são assim mesmo!
E surgem os tempos críticos da Revolução Alemã (1918 – 1919), e a fuga para a Áustria, para a Villa Bluhnbach, nos Alpes. Antes houve que queimar toda a papelada eventualmente comprometedora…
E passar por uma rusga do Exército Revolucionário do Ruhr, serem aprendidos os valores, relógio, carteira, anel, mas perante o símbolo, tudo lhes foi devolvido e passaram livremente. O poder de um Nome e de um Símbolo!
Em 1920, nos Alpes, no palácio, no campo, na cidade tranquila, Alfried, continuava a sua aprendizagem para a vida.
Em família, o nascimento de mais uma irmã; no campo, à caça de um veado, com o pai; igualmente com este, assistindo a negociações com russos, que Lenine precisava de instalar vias férreas, milhares de quilómetros de aço, que a Alemanha, em crise do pós guerra e sujeita às restrições que lhe foram impostas pelos vencedores, não podia expandir-se. E Lenine pagava, não com promessas, mas com ouro. E na Alemanha, milhares de Kruppianos não tinham trabalho, que é como quem diz, pão para a boca. Relutante, perante este negócio do marido, face ao comprador e à origem do dinheiro, que Bertha era a verdadeira dona da firma, mas convencida pela necessidade de salvar a firma, não apenas com o seu património pessoal, a mulher lá se convenceu, o negócio ter-se-á realizado e as fábricas terão sido salvas e milhares de bocas terão saciado a fome, com o dinheiro dos russos.
E, novamente em 1957, no leito, aguardando a vinda do filho querido, em conversa com a criada de quarto, Bertha lembra a educação que incutiu aos filhos, primordialmente a Alfried, com aquelas regras todas, segundo a criada, motivo talvez de pena, mas segundo a narradora, perfeitamente naturais, que ninguém nunca recebeu tanto dos pais como Alfried e nenhum filho saiu da linha. “Como pode ele acusar-me de que lhe destruí o casamento?!”
E vai novamente “arrumando as memórias”, ainda em 1920, mas já em Essen, na Villa Huguell e relembrando as revisões das lições de Latim, que fazia com o filho, enquanto bebia chá e, ele, desastrado, derrubava a chávena: nominativo, genitivo, acusativo, ablativo.
E na série, alternando-se as memórias e o confronto de ideias, entre a mãe e o filho. A visão dicotómica de cada um deles.
E Alfried, 13 anos, quis ir para uma Escola Pública, ele que tinha um preceptor particular em casa, podendo estudar ao seu ritmo muito mais avançado que o de outros eventuais colegas de Escola Pública, em que os mais lentos é que determinam o ritmo. Mas foi. Correu e brincou com os outros miúdos, que futuramente seriam seus subordinados na fábrica, jogou, estatelou-se no chão lamacento, rasgou as calças, foi com um colega, filho de operário, acolhido na respetiva casa, aí a patroa coseu-lhe o rasgão, regressou à Villa de cara enlameada e aí ouviu a avó: “Mas que tempos estes!... Queres continuar a ir à cidade? À escola?!... Nós somos os teus pares…Só nós!
Não sabemos se foi, porque não nos mostraram, mas acham que terá ido? Estávamos em 1920, República de Weimar, mas aproximavam-se, vertiginosamente, outros tempos.
E a narrativa, sob a perspetiva de Alfried, salta para 1932.
Em Munique, na Escola de Aviação e na Universidade, que frequentava. Teria 25 anos. Não queria ser chamado de Krupp, que era von Bohlen, nome do pai, que a mãe é que era Krupp.
Que o nome tinha poderes, abria-lhe todas as portas, mal fosse pronunciado. Conforme constatou no baile de máscaras, com Vera, que, primeiro, não lhe ligou, mas, após saber o nome mágico, escancarou-lhe as portas do paraíso… ao alcance das mãos. Tivesse ele querido…
E agora no Clube dos Industriais, com Tyssen, outro grande industrial alemão, este já rendido aos encantos de Hitler, tentando convencer Gustav Von Bohlen, pai de Alfried, marido de Bertha krupp, a deixar-se enfeitiçar também pelos encantos de Adolfo! “Temos que apoiar Hitler.” “Na Villa Huguell não se discute política.” “Hitler fascina as pessoas. Deixe que lhe apresente Hitler. Ficará convencido.” “Fazemos a nossa política externa.” Estes alguns dos excertos travados entre os dois industriais, de duas firmas distintas à época e que, atualmente, fazem parte do mesmo conglomerado de empresas.
Paralelamente, e agora através dos olhos narrativos de Alfried, assistimos à propaganda agressiva dos apoiantes de Hitler, nas escadarias da Universidade.
“Quem não votar em Hitler, estará a apoiar os comunistas!” Quantas vezes este slogan não tem já sido repetido, explícita ou implicitamente, em outros variados e diversos contextos?!
“Hitler é a nossa última esperança!” “Rumamos a uma nova Alemanha!”
Paralelamente, Gustav Von Bohlen, que era o administrador da firma Krupp, cujo apelido usava por deferência do Kaiser Guilherme II, quando se casara com Bertha e com a prerrogativa de o poder transmitir aos seus herdeiros, via-se cada vez com mais dificuldades de gerir a empresa, por falta de encomendas, vendo-se na contingência de ter que transferir novamente fundos do património pessoal de Bertha, para as empresas de Kiel, certamente para os estaleiros navais.
Precisava de começar a receber encomendas de Hitler.
“Há que convidar Hitler, para vir a nossa casa. É o Reich da Alemanha.”, dizia Gustav para Bertha.
Bertha muito relutante em aceitar tal situação: “Hitler é um campónio… gente dessa nunca entrará em nossa casa.”
Esta situação ocorreria a meados dos anos trinta.
Em 1936, vemos novamente Alfried, cada vez mais protagonista, no campo de aviação, no avião, a ser abordado por uma loura, frágil, qual Marlene, de nome Anneliese Bahr, que procurava o instrutor de voo, julgando que seria Alfried. Não tendo ele esta função, mas sabendo pilotar, prontamente se ofereceu, para tal tarefa, que aparentemente terá sido aceite.
E apresentou-se.
Alfried… só Alfried!
Poderíamos parafrasear : “A importância de se chamar Alfried!”
Será que Alfried vai dar lições de voo a Anneliese?!
Aguardemos o 3º, não sei se último, episódio!