Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
O Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, hoje, dia 9 de Março, após as 10 horas, tomou posse, como vigésimo Presidente da República, na respetiva Assembleia (Parlamento).
Estas cerimónias são sempre carregadas de simbolismos vários, faz parte da respetiva operacionalização, quer se goste ou não. Desde logo, o local: Assembleia da República. As Bandeiras. O Hino. (...) As precedências, os locais que cada convidado ocupa, etc. etc.
Os aplausos, os não – aplausos, tudo está carregado de significados e significações, tudo é significante de algo...
Para além desses atos, gestos, atitudes simbólicas, existem ainda as que o próprio Presidente quis acentuar.
Uma delas foi o juramento sobre o livro da Constituição original, que ele também ajudou a criar, enquanto deputado. Realço que é este modelo que também tenho. O livro da Constituição de 1976. (...) Não, não, eu não a ajudei a criar... O meu “engenho” não chega a tanto. Muito menos a “arte”.
Os convidados: antigos Presidentes e Esposas, estranhei a ausência de Drº Mário Soares...
Representantes estrangeiros: O Rei de Espanha, destacava-se aquela figura... o Presidente de Moçambique, o Presidente da Comissão Europeia. Simbólicas estas três Personalidades estrangeiras convidadas.
Os discursos. Sou sincero. Estava curioso com o discurso de MRS, enquanto Presidente. Ouvira o de vitória, tinha expectativas sobre este. E, esse foi o principal motivo que me fez estar atento à RTP1, logo de manhã. Dir-me-ão: “Palavras... são só palavras!”
Ferro Rodrigues, enquanto Presidente da Assembleia da República, também proferiu o seu discurso. Entre outros aspetos, e relativamente a MRS... “... Vossa Excelência tem a responsabilidade histórica de ser o homem certo no momento certo...”
Algumas ideias que destaco:
“... o País precisa de voltar a encontrar-se... Que a U.E. não se transforme num fator de instabilidade... Que Europa é esta?! ...”
“... precisamos de uma economia mais rica e partilhada, mais justa e inclusiva...”
“Temos que aprender a remar todos para o mesmo lado...”
E, terminou, formulando votos de “as maiores felicidades”, “A Bem da República, A Bem da Democracia, A Bem de Portugal!”
(Não opino, nem faço qualquer comentário...)
Quanto ao Discurso do Senhor Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, atual Presidente da República Portuguesa, de "todas as Portuguesas e de todos os Portugueses".
O discurso está muito bem estruturado e sequencialmente planeado. Ou não fosse o seu autor, o Professor Marcelo. (Apetece-me interrogar, deformação das Séries, nomeadamente “Borgen”, se os nossos políticos também terão algum “spin doctor”?!).
Também está carregado de Símbolos.
Um enquadramento introdutório, reportando para a Família, para os Sentimentos a unir-nos à Terra que nos viu nascer: Amor à Terra, a Saudade, a Generosidade... (Desculpem-me os Sentimentos, que não os fixei todos!)... As Crenças em Milagres de Ourique... (E com este introdutório falou-nos ao Coração, se fossem projetadas imagens, enquanto as palavras iam fluindo, veríamos um grande, grande, da Joana Vasconcelos. Reporta-nos também para a nossa ancestralidade, em última instância, o nosso Afonso, Primeiro, só que da Monarquia e nós estamos na Casa da República. Mas o Senhor Professor Marcelo não perde o jeito! Outro anterior Personagem, de que estranhei a ausência, nesse mesmo local, terá falado em Afonso Costa, digo eu! Afonso, sim, que Portugal é assim mesmo: Afonsino. E um País de Costas, até havia o do Castelo!)
Depois, ainda num contexto introdutório, mas já mais institucional, reportou-nos para a Solidariedade, (aqui já entramos no domínio dos Valores), entre os dois únicos Orgãos de Soberania eleitos: Assembleia e Presidente. E depois ainda agradeceu ao Presidente cessante, aos antigos Presidentes presentes, aos três ilustres Convidados Estrangeiros, às Forças Armadas, sempre fiéis a Portugal, ao 25 de Abril de 1974 / República Democrática, sublinhou a CONSTITUIÇÃO, aprovada e promulgada em 1976, sobre a qual atestara o seu Juramento de Posse, conforme já referido. Reforçou o seu caráter de Lei Fundamental, nosso Denominador Comum. E que irá ser o Guardião da Constituição, dos seus Valores e Valores da Nação.
(E nesta parte discursiva, diríamos que nos falava mais à Razão...)
E dirigiu-nos para a importância da Pessoa Humana, (lembrar-me-ia Carl Rogers), para um ideal de Sociedade em que não haja dois milhões de pobres... (!!!), nem diferenças tão cruciais...
E ainda no domínio dos Valores: Liberdade de Pensamento, de Crença, de Opinião, Pluralismo, Justiça Social, Identidade Nacional, para as nossas Raízes no Mar... (A nossa ancestralidade primordial: “Somos Vida do Mar Vinda ”, digo eu.)
Os nossos três vértices geográficos: Continente, Açores e Madeira. (A propósito, onde ficam as Desertas?)
Assumir o Mar como nossa prioridade, e, aqui piscou novamente o olho ao Presidente cessante... (!!!). E citou Lobo Antunes “... Se a minha Terra é pequena, eu quero morrer no Mar!...” (Este Lobo também é Poeta?! Se não é, aqui, escreveu dois lindos versos.)
E continuando ainda no domínio dos Valores, realçou a Identidade Nacional, em que História e Geografia se entrelaçam, na Língua, na Cultura, na Ciência. Sem medo de enfrentar o Presente. Na Soberania Popular, na Autonomia Regional e Autárquica. Na importância do Estado Social de Direito e da Iniciativa Privada.
E ainda em Geografia, mas numa noção mais alargada, migrou de Portugal, também para a Europa: Lembrou o desafio dos Refugiados. E pelo Mar, acentuou o papel da C. P. L. P. – Comunidade de Países de Língua Portuguesa. E regressou novamente à Europa: a questão das Fronteiras Europeias!
E voltou a Portugal!
E assinalo, sem pretensão de exatidão matemática, nem de citação precisa, pois, como é evidente, não tive acesso a uma cópia do Discurso. (Não sou Jornalista, muito menos credenciado, nem fui convidado a estar presente na cerimónia. Também, seiscentos convidados...)
Realçou a importância de sairmos do clima de crise, o fator Europa, as questões económicas, as cicatrizes destes tão longos anos de sacrifícios, que urge recriar novas convergências, ....
Reforçou o sentimento de pertença a uma Pátria que é igual para todos...
Que irão ser cinco anos de busca da Unidade, da Pacificação, de Consensos...
Nunca descrendo na Democracia. Nunca perdendo a Esperança. Que o que nos une é muito mais do que nos divide.
A importância dos pequenos gestos...
(Peço desculpa às minhas Leitoras e Leitores, mas, volto a sublinhar, que não tive qualquer acesso direto ao discurso escrito, apenas o ouvi, pelo que este texto tem muitas lacunas. Sublinhados, reticências, negritos, letras maiúsculas é tudo da minha lavra. Perdoar-me-ão, bem como o Senhor Professor Doutor.)
E continuou...Lembrando o papel dos Jovens, da Mulher, dos Pensionistas/Reformados, que sonharam com o 25 de Abril e que agora estão na situação em que estão... (A referência a este grupo social e à célebre data tocaram-me muito especialmente...); dos Cientistas, dos Agricultores, dos Comerciantes, dos Industriais, dos Trabalhadores por conta de Outrem ou Independentes; voltou a reforçar o Estado Social; mencionou as I.P.S.S., as Misericórdias, eu sei lá! (Não sei se foram referidos todos os grupos socio económicos, também não tenho aqui a Classificação Nacional de Profissões. Mas não me pareceu ter havido menção de empresários, de bancários, de banqueiros, nem de operários. Digamos que, caso tenha havido essa omissão, que não afianço pelos meus ouvidos, foi uma omissão interclassista.)
E voltou, novamente a realçar a CONSTITUIÇÃO!
(Há alguns anos a esta parte esse realce costumava ser mais de outros setores.)
E, finalmente, reportou-se a si mesmo, assumindo-se como “Servidor da Causa Pública e da Pátria.”
E citou Miguel Torga: “Difícil para cada Português não é sê-lo, é compreender-se...”
E quando estava nesta parte do meu texto, quis precisar o que nos meus apontamentos seria do texto de Torga ou palavras de Marcelo e coloquei a frase anterior, colocada entre aspas, no motor de busca.
E já adivinha o que encontrei.
O Discurso do Senhor Presidente, na íntegra, no site do “Expresso”.
E a parte final é daí extraída. Mas não vou ler o princípio do Discurso, que já estou muito cansado, e perdia completamente a graça...
E remato com a parte final...
“O essencial, é que o nosso génio – o que nos distingue dos demais – é a indomável inquietação criadora que preside à nossa vocação ecuménica. Abraçando o mundo todo.
Ela nos fez como somos. Grandes no passado. Grandes no futuro. Por isso aqui estamos. Por isso aqui estou. Pelo Portugal de sempre!”
E com um Discurso que nos abarca e abraça a Todos, tão querido, tão cheio de Afetos, tão simpático, não esquecendo sequer Pensionistas nem Reformados, que mais posso dizer?!
Pois, aguardemos para ver!
E, para ilustrar este post tão afetuoso, tão carinhoso, resolvi “aproveitar da net” a sugestiva e apelativa imagem, cortesia de “Jorge Amaral / Global Imagens”, a partir deste link, agora que tem andado na moda esta questão dos beijos!
Poderíamos intitular: Portugal e Europa, finalmente a Reconciliação! E viva o Amor!
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P. S. - E já no dia dez, vantagens da net, resolvo acrescentar um link para um blogue que sigo e que ontem me esqueci de incluir. Uma célebre e icónica imagem de um afamado beijo, que nunca cheguei a perceber se foi real se encenado. Entre Brejnev (U.R.S.S.) e Honnecker (R.D.A.). E, se encenado, nunca percebi se foram os do "Outro Lado" do Muro, para mostrarem que "estavam de pedra e cal". Se os "Deste Lado", para revelarem como as coisas iam por "Aqueles Lados".
Ontem, sábado, dia 2 de Janeiro, a RTP2 brindou-nos com mais um dos seus excelentes documentários, no cumprimento da sua função de “serviço público”.
Não sei porque este conceito não deveria ser aplicado a todas as televisões, mesmo às “designadas privadas”, que maioritariamente só produzem esterco das “quintas” e “caixas de segredos”… Adelante… que se faz tarde!
Este documentário com o título de “O Caminho de Ferro Impossível”, centrando-se na designada “Linha do Douro”, que do Porto seguia a Barca de Alva, em território português e, posteriormente, através de La Fregeneda, seguia para Salamanca e por essas “Espanhas” até à Europa. Analisando o assunto em diferentes perspetivas, com múltiplos e esclarecidos interlocutores, abordando e mostrando dificuldades, mas sugerindo, quiçá equacionando, também possíveis aberturas e soluções…
Uma parte desse trajeto está desativada, desde finais dos anos oitenta, nomeadamente do Pocinho até Barca de Alva. Bem como desativada está a parcela que percorre paralela ao Rio Águeda, na margem direita, já em Espanha e que seguiria para a Cidade Salamantina.
Muitos agentes sociais, de natureza pública e privada, almejam a reabertura da totalidade da linha, pelo menos para fins turísticos, embora alguns dos intervenientes também vislumbrem outras possibilidades de exploração rentável.
Toda a Linha do Douro é um trajeto espetacular, especialmente quando serpenteia paralela ao Rio ou o atravessa nas suas majestosas pontes do século XIX.
Nos finais de setenta, julgo que em 1979, fiz todo percurso até Barca de Alva, ainda de comboio, para ver as amendoeiras floridas. É um passeio extraordinário! Foi da estação de Barca de Alva que trouxe a primeira amoreira que plantei no “Vale”, de uns ramos que cortei de uma árvore existente no cais da estação, enquanto esperava o comboio de regresso novamente ao Porto.
Mais tarde, já neste milénio, fizemos o trajeto do Douro, mas de barco, do Porto a Régua, com regresso de comboio, na mencionada Linha. Oportunidade de perspetivar a beleza da Região Duriense sob dois prismas complementares.
Não conheço o trajeto de Barca de Alva até Salamanca. Mas pelo que se mostrou no documentário e se pode pesquisar na net é igualmente pujante de força e beleza.
Trajeto esse que o conceituado “Jacinto”, do romance “A Cidade e as Serras”, de Eça de Queirós, percorreu, quando de Paris regressou à sua Tormes ancestral, certamente nos anos noventa do século XIX. Nessa altura especialmente preocupado com o extravio das malas…
E, de regresso ao passado e à Escola, ainda alguém se lembra do nome das Linhas de Caminho de Ferro, que aprendíamos nos anos sessenta?! E as Linhas de Trás-os-Montes…!
E ainda nas memórias… e de memória. Foi também numa Linha de Trás-os-Montes que ainda fiz uma viagem em comboio a vapor. Da Régua até Chaves. Linha do Corgo. Em 1974, ou por aí.
Voltando à Linha do Douro e aos comboios. Durante muitos anos viajei de comboio, já falei neste blogue várias vezes sobre comboios e sou um aficionado de comboios!
E, como muita gente mais sabedora do assunto que eu, também acho que foi um erro grave que neste, como em outros países, se tenha desinvestido, (propositadamente!) neste meio de transporte, que podia ser todo eletrificado e, portanto, usando energia mais limpa. (Em Portugal esse desinvestimento ocorreu principalmente a partir das décadas de setenta/oitenta do século XX.)
Os interesses das petrolíferas, e de todas as empresas a montante e jusante, assim determinaram!
E vejam-se as Guerras que continuam a ser travadas nos países nevrálgicos na extração petrolífera! Atente-se nessa situação!
Mas voltando à Linha do Douro.
Será ou não possível reativar a totalidade da Linha?! Nem que seja fundamentalmente para fins turísticos. Mas também há quem defenda para outros fins…
Desejável e imprescindível, é!
E com o potencial que tem toda aquela Região, que inclui não só Portugal, mas também Espanha. Abrangendo desde ao Porto, pelo menos até Salamanca. E por essas Espanhas e Europa.
Se em finais do século XIX, com os meios e tecnologia da época, com dois países independentes e separados politicamente, foi possível construir-se aquela obra de engenharia, não será atualmente, hoje, friso, possível recuperá-la?!
Haja Vontade de o fazer.
Que há todo um potencial enorme naquele espaço geográfico e cultural!
Entidades públicas e privadas; portuguesas e espanholas e europeias; nacionais, regionais e transnacionais, dos poderes centrais e locais, que se unam face a um Projeto Global.
Buscando financiamentos, inclusive através dos cidadãos. Uma mobilização, publicitação, marketing, merchandising, nacional, transnacional, global, desde que devidamente fundamentados e cimentados na “Confiança”, despertaria muitos apoios.
Bem sei que o “confiar” nas instituições e grandes projetos anda muito em baixo…
Mas que é urgente, imperioso, indispensável, fundamental, que se recupere aquela e outras Linhas, lá isso é!
Neste Post nº 267, divulgamos uma Poesia de Manuel Faria Bento, de Gomes Aires (Almodôvar).
“Eu Vivi Abril (Abril de 1974)”
“Eu vivi Abril
Abril em revolução,
Estava na flor da minha idade,
Vivi abril com grande emoção,
Abril foi uma festa…
Uma passagem p’ra liberdade,
Abril foi uma festa…
Com muita responsabilidade,
Abril em Portugal…
Foi uma grande oferta
Dos militares em geral,
Abril por todos criado,
Ainda hoje é estimado
Por derrubar a ditadura…
Abril foi uma alegria
Que há muito se esperava
Para acabar a amargura,
Que há muito se vivia.
Com Abril Portugal evoluiu
Num modo diferente,
De um modo que nunca se viu,
Que faz confusão a certa gente.
Mas é próprio da vida,
Porque o homem se habituou
A viver no seu cantinho
Que com tanto gosto criou
Ali perto do seu vasinho.”
“Abril foi uma grande vontade
Que tanta força criou,
Ao longo de tantos anos,
A um povo vivendo sob crueldade,
De uma ditadura que os obrigou
A sofrer golpes tiranos,
Daqueles que viviam da repressão,
Recebendo dinheiro
Para aos outros arrancar o coração,
Destruindo vidas inteiras
Durante cinquenta
Cometendo tantas asneiras,
Perseguindo trabalhadores,
Gente pobre e carenciada,
Que ganhava fracos valores
Que não dava para nada,
E ainda lhe chamavam… traidores.”
“Abril nasceu em Portugal
Filho de toda a gente,
O estudante p’ra isso lutou,
O trabalhador por isso sofreu,
O militar nisso pensou,
O adolescente isso vivia,
Qualquer pessoa por isso era presa,
Mesmo que nada fizesse,
Era isso que toda a gente sentia,
Já nada era surpresa,
Na amargura que um povo vivia,
O pai era preso sem saber porquê,
A mãe era mal tratada,
O filho que fugia,
Para o estrangeiro emigrava,
A pide o perseguia,
Em qualquer lugar o matava,
Foi por isso que Abril nasceu!...
E que todo o povo aceitou,
Foi por isso que Abril nos deu.
A liberdade de viver,
A liberdade de trabalhar,
A liberdade de amanhecer,
A liberdade de ser português,
A liberdade de todos amar,
A liberdade de falar e ver,
A liberdade de aqui estar.
Isto é…
Vinte e cinco de Abril!..”
Manuel Faria Bento, de Gomes Aires (Almodôvar)
Retomámos a divulgação de Poemas da 13ª Antologia de Poesia do CNAP, de 2015, agora já em 2016.
Estamos ainda em Janeiro, é certo, mas sabe sempre bem antecipar Abril, que virá… e relembrar, a data marcante de Abril de setenta e quatro!
Na ilustração da poesia resolvi fugir ao mais óbvio, que seria ilustrá-la com o célebre “cravo vermelho”, optando por “papoilas”, numa pintura original de Marthinus Pretorius, pintada com a boca, em reprodução digitalizada de um cartão de A.P.B.P. – Associação de Pintores com a Boca e o Pé, Caldas da Rainha.
Noutro post sobre esta série, que vi de forma errática nesta sétima temporada, referi que haveria de abordar dois acontecimentos verídicos ocorridos na segunda metade da década de setenta, relacionados com computadores e informática.
Num dos primeiros episódios desta 7ª temporada, na firma “Sterling Cooper” procederam à instalação de computadores da IBM, nos respetivos escritórios.
Decorria a ação em 1969.
Eram, os computadores da época, uns caixotões enormes, ocupando bastante espaço nos escritórios. Esses aparelhos, bem como os técnicos que com eles trabalhavam e o conhecimento a eles inerente, a informática, eram detentores de uma áurea especial, simultaneamente associada à sua inevitável necessidade e ao desconhecimento da sua funcionalidade, pela maioria dos empregados, leigos no assunto. Funcionários que os viam como imprescindíveis, num contexto de progresso e de futuro, mas simultaneamente lhes suscitavam algum receio e incompreensão, pelo desconhecimento que deles tinham e medo inconsciente de anulação/substituição de postos de trabalho. E também a perplexidade inerente a algo desconhecido e de contornos funcionais apenas acessíveis a iniciáticos dessa sabedoria e especialistas nesse modus operandi.
Não havia nada do que hoje dispomos, nem sei se o modo de agir, de fazer, de pensar, de lidar com os computadores e a informática, como se processa atualmente, seria na época, 1969, imaginável! E ainda não se passaram cinquenta anos!
Mas as alterações e mudanças foram imensas! Nalguns campos, nomeadamente os tecnológicos. Porque, no plano das mentalidades, a evolução parece ser mais lenta…
Os acontecimentos que quero abordar ocorreram em Portugal um pouco mais tarde, já na década de setenta, especificamente em 1975 e 1976/77.
Em 1974 e 1975, enquanto estudante, trabalhei em várias atividades temporárias para duas firmas que não sei se ainda existem: a “NORMA” e o “IPOPE”.
Consistiram essas atividades na realização de inquéritos à opinião pública sobre os mais variados temas e assuntos, desde hábitos alimentares, consumo de bebidas, lançamento de novos produtos ou aparelhos, até sobre opiniões políticas, muito frequentes e recorrentes, após Abril de 74, em sondagens sobre partidos, líderes partidários e medidas a implementar.
Nesses trabalhos que eram remunerados, um valor X por cada inquérito, e cujo pecúlio dava imenso jeito, percorri Lisboa nos mais variados bairros, desde Alfama a Alvalade, de São Bento ao Poço do Bispo, Campolide e Campo de Ourique... Até fiz inquéritos no Casal Ventoso, bairro de casas degradadíssimas, mas de pessoas muito humildes e simpáticas e, na altura, 1974, cheias de esperanças e expectativas face a um futuro melhor, como aliás nesse Portugal recentemente saído da Ditadura de quase meio século.
Mal saberiam no que se tornaria o Bairro nos anos oitenta e noventa, e que levaria à sua demolição mais tarde.
Também fiz inquéritos em localidades da Grande Lisboa: Cascais, Porto Salvo (Carcavelos), Pragal (Almada), Amora… Que me lembre, de momento.
Em 1975 continuei na feitura desses inquéritos para a NORMA.
Já depois do célebre “Golpe de 11 de Março”, em Maio ou Junho, não sei precisar, calhou-me ir fazer um conjunto de inquéritos sobre questões políticas, para o Bairro de Alcântara, mais concretamente para a Rua Feliciano de Sousa.
A Empresa atribuía-nos um conjunto de inquéritos para realizarmos em determinada zona, com início em determinada Rua e num específico número de porta.
A orgânica estrutural de sequência dos inquéritos a realizar, onde os realizar, em que ruas, números de porta, número de andar, esquerdo ou direito e em cada casa selecionada, quem iria ser inquirido, tudo esse esquema sequencial estava previamente definido a partir do ponto de partida que era o nome da Rua e o nº do Prédio. Depois seguíamos essa estrutura sequencial, de que não me lembro agora de todos os pormenores. Mas tinha que se seguir esse esquema estrutural, de modo a que a pessoa a ser selecionada para ser inquirida o fosse da forma mais aleatória possível.
Por vezes seguir esse esquema tornava-se muito aborrecido, porque a pessoa que era selecionada no agregado familiar, não estava presente no momento. E então lá tínhamos que voltar novamente ao local, à rua, ao prédio, ao andar, numa hora em que a pessoa a inquirir pudesse estar presente e responder às perguntas.
Para evitar os contratempos resultantes da ausência das pessoas, procurávamos fazer os inquéritos ao final da tarde, início da noite, quando os trabalhadores já haviam regressado das suas empresas ou então nos fins-de-semana, de preferência aos sábados, em que havia mais disponibilidade.
Para aplicarmos esses inquéritos as empresas mencionadas proporcionaram-nos formação adequada ao fim em vista, ensinando-nos as regras gerais fundamentais de aplicação dos questionários e, sobre cada um deles, o conteúdo e a metodologia específica.
Para além das regras deontológicas gerais e especiais da função.
Um regra geral indispensável era levarmos o cartão identificativo que nos forneceram, colocado à vista no peito e, caso nos fosse pedido, o BI. E fazermos sempre a nossa apresentação pessoal e funcional e o objetivo da visita, agradecendo a amabilidade da pessoa em receber-nos.
Na aplicação desses inquéritos escolhi ir num sábado à tarde, pelas razões apontadas. Até porque durante os dias de semana havia aulas e este era um part-time, um dos que tive enquanto estudante. Deste, dos inquéritos, gostei muito especialmente, por andar de lado para lado e por contactar com muitas pessoas de todas as condições sociais e culturais, dos mais variados níveis de vida e idades, desde que adultas, e com as mais variadas opiniões. Foi um trabalho muito enriquecedor em termos humanos e possibilitou-me conhecer Lisboa, os vários bairros e localidades dos arredores.
Para quem se lembre, a NORMA ficava na Avenida Cinco de Outubro, num prédio de esquina com outra Avenida de que não me lembro o nome, que já não passo há algum tempo por aí, nem sei se a firma ainda existe, conforme já referi.
A nível do rés-do-chão tinha um relevante mostruário de computadores, esses “monstros enormes”, como os que vimos na série. Que estavam aí expostos, o prédio tinha grandes e rasgadas janelas que serviam de montra, pois esses computadores eram para venda. E, claro, made in U.S.A. e da I.B.M.!
O Bairro referido é um bairro popular, ainda hoje o será, sem certezas, que não passo por lá há anos! Quarenta anos atrás, com grande predominância, no plano sócio profissional, de operariado.
A zona que me fora destinada para realização dos inquéritos fica a norte do Bairro e num espaço relativamente confinado e, de certo modo, isolado, pela orografia e pelos acessos à Ponte Vinte e Cinco de Abril e pela Avenida de Ceuta. Espaço geográfico onde, pelas diversas tipologias e características, os habitantes praticamente se conheciam ou estavam ligados por laços, fossem familiares, de vizinhança, sócio profissionais e também ideológicos. E, quiçá, partidários!
Eu fora um estranho que ali entrara. Além do mais, numa tarde de sábado em que muitos dos habitantes estavam “sem fazer nada”, nas cavaqueiras e convívios de bairros populares, nas ruas, nos cafés, nas tascas…
Cumulativamente, vinha questionar, inquirir, interrogar, “vasculhar?”, opiniões, conceitos, ideias, sobre questões políticas e partidárias. Numa época quente da nossa recente Democracia! E que ainda “aqueceria” muito mais!
Na seleção aleatória que fazia, segundo a metodologia técnico-científica pré-determinada, ia calhando selecionar inquiridos que não estavam em casa, mas na rua ou em local de convívio público.
Fiz um ou dois inquéritos normalmente. A partir do terceiro ou quarto, passei a dispor de assistência, que não só ouvia o que o entrevistado dizia, mas também comentava. E também me interpelavam. E questionavam. De entrevistador também passei a entrevistado.
Quem era, quem não era, o que fazia ou não fazia, o que queria ou não queria, o que pretendia ou não pretendia…
Ao longo da rua foram-se formando grupinhos de vizinhos e vizinhas que cochichavam, comentavam, quiçá, formulariam conjeturas sobre o meu papel ali, naquele momento e naquela época.
E tudo isto, Como?! e Porquê?!
Porque apresentando-me, como era de praxe e obrigatório deontologicamente, o fazia como trabalhando na NORMA, com cartão identificador. O que era um facto intrinsecamente verdadeiro.
Algumas das pessoas que por ali estavam conheciam a NORMA, como a Empresa que “vendia” ou “tinha” aqueles Computadores todos nas montras!
E os computadores eram fabricados por que empresa?! Onde? Por quem? Pois, pela IBM – International Business Machines.
E que tipo de Empresa era essa?! Pois, uma Empresa Multinacional dos E.U.A. – Estados Unidos da América.
E o que significava, qual a meta significação da sigla EUA/USA?! Pois os Estados Unidos da América e os Americanos eram a essência e personificação do Imperialismo. O Imperialismo Americano, que para algumas mentes, nessa época, era o único existente. (Só nessa época?!)
Ali, naquele contexto, naquele local, naquela época, naquele momento quente que vivíamos, para aquelas “cabeças pensantes” o raciocínio linear e silogístico que delinearam foi o seguinte:
- Eu trabalhava para a NORMA, que vendia Computadores, que eram fabricados pela IBM, que era uma Empresa Multinacional, uma Empresa Americana dos Estados Unidos, Americanos que eram o supra sumo lapidar e único do IMPERIALISMO!
Logo, eu, ali, naquele espaço e tempo, para "aquelas cabeças pensantes" era… um Agente do Imperialismo Americano.
E, logo a fazer perguntas às pessoas sobre questões de natureza política e partidária!...
Bem, dará para imaginar a cena?!
Talvez só para quem tenha vivido esses tempos…
Os hipotéticos inquiridos começaram a não querer responder; se procedia a outra seleção, obtinha idêntico procedimento, uma recusa de resposta; avançava na pesquisa e outro não; respostas negativas, maus modos, olhares de soslaio e algumas pessoas manifestavam alguma agressividade; grupinhos aqui e ali pela rua, sinais de mal-estar, desconforto; ameaças veladas e algumas mais explicitadas.
A situação tornou-se intolerável. Era impossível dar continuidade à feitura dos inquéritos. Porque, obtida a primeira recusa ninguém mais me quis responder. Para além dos sinais evidentes e explícitos de contrariedade e alguma agressividade.
Optei pela atitude mais sensata. Dei por terminada a minha função, saí da zona, vim-me embora sem concluir o conjunto dos inquéritos, que mal os tinha começado… e entreguei-os na Empresa. Propuseram-me ir fazê-los noutra zona da cidade com perfil semelhante, mas optei por não continuar a fazer esse tipo de inquéritos.
Ainda fiz mais inquéritos, mas de outras tipologias.
Passaram-se quarenta anos!
Lembrei-me de escrever no blogue sobre este acontecimento caricato, mas verídico, quando na série “Mad Men” passaram o episódio da instalação dos “monstros” dos computadores da IBM, na fictícia “Sterling Cooper”.
Terá a ficção alguma coisa a ver com a realidade?!
E terá esse peculiar acontecimento alguma coisa a ver com a atualidade?!
Terá? Não terá?!
Talvez ainda falemos alguma coisa sobre isso…
E qual foi o 2º acontecimento relacionado com computadores e referente a 1976/77?!
Esta semana decorreram cinco episódios desta 7ª Temporada da série, de um total previsto de catorze. Várias fontes referem ser esta a derradeira temporada.
Nesta fase, a ação decorreu, temporalmente, até agora, em 1969.
No contexto de espaço, ocorre maioritariamente na Costa Leste, em Nova Iorque, onde está sediada a empresa fictícia de publicidade “Sterling Cooper”, nos respetivos escritórios, na Madison Avenue. Também na Costa Oeste, Los Angeles ou Hollywood, não sei com precisão, onde trabalha como atriz, a segunda mulher de Don Draper, Megan Draper. Noutros locais dos States não facilmente identificáveis por mim. Decorre fundamentalmente em espaços interiores, cenários fictícios, portanto.
Alguns aspetos que se realçam nesta série.
Em primeiro lugar, pensando especificamente em 1969, e, genericamente, na década de sessenta, o que nos ocorre?!
Para quem tenha nascido nos anos quarenta ou cinquenta do século passado, muitas das vivências retratadas ou sugeridas ou mencionadas ou visualizadas nesta série, lembram-nos situações por nós vividas direta ou indiretamente ou que delas tivemos conhecimento, através dos meios de comunicação, na altura quase exclusivamente em suporte de papel, jornais, algumas revistas; através da rádio, que era um veículo comunicacional de certo alcance, e embora de muito menos projeção, mas em constante crescimento, a televisão. E do cinema, que foi um dos meios marcantes da transmissão dos valores, atitudes, comportamentos e hábitos dos norte americanos.
Porque apesar de na década de sessenta ainda estar vivo o célebre "Senhor de Santa Comba", de estarmos em Guerra, de haver censura, exame prévio, e outras coisas mais e de pior gabarito, como a polícia política, a ameaça de prisão arbitrária... foi havendo gradualmente alguma abertura, até porque o dito senhor “caiu da cadeira” em 1968 e morreria em 1970.
De que nos lembramos em 1969 que de algum modo a série aborda?
A nível de acontecimentos, a Guerra do Vietname, a chegada à Lua, que teve direito a transmissão na RTP e sobre o que a maioria do País (Portugal) ficou relativamente incrédulo.
Sobre a Guerra já falaram, era um assunto problemático, porque já havia movimentos contrários à mesma, especialmente no seio das camadas mais jovens e que eram mal vistos nos meios mais conservadores. Mas também se referiu que Nixon, o presidente da altura, também já equacionava o fim da Guerra. Mas o que só aconteceria em 1975.
Sobre a chegada à Lua, ainda não acontecera nesta fase da narrativa, mas previa-se a sua efetivação para breve.
E a nível de hábitos, costumes, atitudes e comportamentos?!
Ressalta à vista o que de algum modo, atualmente, impressiona. O uso e abuso do tabaco e do álcool, de uma forma tão indiscriminada, no local de trabalho e no quotidiano da vida pessoal dos protagonistas. Fuma-se e bebe-se em todo o lado e local, a qualquer hora e momento, em qualquer circunstância. São atos e comportamentos rotineiros, socialmente bem aceites por todos. Ou não fossem esses homens promotores e encorajadores desses mesmos hábitos, enquanto publicitários dos respetivos consumos, através dos produtos específicos que vendem publicitariamente.
A generalização da mini-saia, lançada nessa década, em 1964, pela inglesa Mary Quant. As secretárias e funcionárias da agência, bem como as mulheres jovens em geral, fizeram desse trajar um modo de ser e de estar. Peggy Olson usou-a também como forma de mostrar a sua ascensão hierárquica, o seu poder e sedução feminista.
Algumas eram bem ousadas, que como se dizia na altura, “o que é bom é para se ver”.
Em 1967, no Festival da Eurovisão em Viena, a inglesa Sandie Shaw fez furor por cantar descalça e pela mini mini-saia atrevida com que se trajou. Venceu com "Puppet on a String"! Esses "fait-divers" tinham bastante repercussão naquele mundo tão fechado e atrasado que era Portugal de sessenta!
O movimento hippie, surgido na Costa Oeste, São Francisco, cuja canção evocativa, de 1967 e de Scott Mackenzie, também cá chegou. ‘Se fores a São Francisco, não esqueças de levar flores no teu cabelo…”
Em 1969, realizou-se o festival de Woodstock, cujos ecos ainda que repercutidos também cá chegaram.
A rádio e muito particularmente alguns programas do antigo Rádio Clube Português e da Rádio Renascença foram veículos importantes do fazer chegar ecos da boa música que se produzia nos E.U.A. e na Grã-Bretanha. Alguns desses ecos ouviram-se já nos primórdios de setenta.
Na série, os efeitos deste movimento também se observam, nomeadamente no trajar colorido e florido de alguns personagens. E também na adesão da filha de Roger Sterling a esse movimento, indo viver para uma comunidade hippie, no campo, abandonando família, marido e filho.
Paradigmática a cena de pai e filha, cada um trajado ao seu modo de estar socialmente, ele, como executivo; ela, como rapariga hippie, a discutirem afetos e desafetos, no meio de um charco de lama, numa comunidade campestre, junto a uma camioneta de caixa aberta, a cair de podre.
Ainda no plano dos hábitos e também relacionado com consumos e o movimento hippie, o “consumo de erva”, e outros consumos psicotrópicos, que em Portugal explodiriam mais tarde, já após 1974/75.
As festas particulares, com muito álcool, música, drogas e sexo. “Sex, Drugs and Rock and Roll”
No plano económico - empresarial
Para além da importância crescente da publicidade como mais-valia no processo produtivo, o destaque de algumas empresas que se tornariam ícones nos respetivos ramos empresariais.
A IBM e a instalação dos computadores nas empresas. Uns “monstros” enormes, que inclusive “assustavam e atemorizavam” alguns dos empregados mais suscetíveis e atormentados mentalmente.
A relevância da fast-food, observada na alimentação dos diversos executivos que com os hambúrgueres se deliciavam às refeições. Referência à “Burger Chef”, que contratou ou entrou em negociações com os serviços da agência publicitária.
Não posso deixar de mencionar a utilização das velhinhas e saudosas (?) máquinas de escrever mecânicas. E do seu sonar tão peculiar.
E dos telefones fixos, o único meio de comunicar à distância. E a importância e solenidade de fazer e receber uma chamada. E de ter um telefone!
Tudo isto faz parte da nossa História recente, pessoal e social, individual e coletiva!
E a nível de Valores?
O papel crescente da Mulher no plano das funções empresariais, materializado, por ex., na assunção dum cargo de chefia criativa por Peggy Olson, tendo às suas ordens, ainda que muito relutante e obstinadamente contrariado, o célebre criativo publicitário e um dos fundadores da firma, o reputado, Don Draper, macho alfa da empresa.
A rebeldia dos filhos adolescentes…
As mudanças relativas à sexualidade para que, entre outros aspetos, contribuiu a generalização do uso da pílula.
Aslutas pelos Direitos Cívicos são um aspeto contextual que também emerge da trama.
E estes são alguns dos assuntos que, de uma forma genérica e despretensiosa, consigo realçar do conteúdo temático desta série, pelo menos do que me lembro e me ressalta numa abordagem simplificada.
Alguns destes acontecimentos ou situações repercutiram-se em Portugal um pouco mais tarde. Uns para o Bem, outros para o Mal!
Se houver mais algum aspeto que me tenha faltado, agradeço que mo comunique, S.F.F..