Pastor em part - time
Introdução:
Tenho hesitado na divulgação deste texto. Poético?! Não sei, embora tenha essa pretensão.
“Inspirado” na leitura de Alberto Caeiro e na minha própria experiência pessoal, parafraseando precisamente o “Guardador de Rebanhos”. Simples pretensão!
Escrito nos finais da década de setenta, inédito, atrevo-me a divulgá-lo, cumprindo um dos propósitos por que abri este blog. Dar a conhecer textos por mim escritos, originais, na sua maior parte já publicados noutros contextos e agora também alguns que ainda não o foram, até ao momento, em suportes de papel.
Este texto, em versos sem rima e de métrica não estruturada, é a primeira versão deste tema.
Já na década de oitenta escrevi uma versão rimada, dada a conhecer no blog em 03/12/2014.
Segue-se o texto.
“Eu nunca guardei rebanhos
Mas é como se os guardasse.”
Alberto Caeiro
PASTOR em part-time
‘ Guardei muita vez ovelhas
Mas é como se as não guardasse. ’
Estando junto a elas, no meio delas
Poucas vezes aí estava...
Com elas falava, falando sozinho
Gritava-lhes, estando calado
Ouvia-as, não as escutando.
Batia-lhes, fazendo festas
Acariciava-as, magoando.
Mandava-lhes o cão, que não ia
Ou ia sem o mandar.
Se lhes vedava o trigal
Era certo que lá estavam
E teimosamente insistiam.
Se um muro as separava do fruto
Quantas vezes não o galgavam!
Mal cheiravam uma figueira
Ei-las, em louca correria,
Na disputa do cobiçado troféu.
E fugia o rebanho todo…
Só os pequenos e fracos se atrasavam.
Pela água era a mesma coisa.
E muitas vezes morriam
Após barrigadas de figo ou embudo.
(São assim as ovelhas.
Sempre em rebanho!)
Por vezes lutavam à cabeçada,
Duas a duas,
Os carneiros principalmente…
Troque, troque… troque
Embatiam os crâneos um contra o outro.
E recuavam…
Para ganharem impacto para novo combate.
Troque, troque, troque…
Até fazer sangue
Por entre os cornos.
E um se dar por vencido.
No Verão, mal o sol começa a aquecer
Pelas nove, dez horas
Lá vão elas, cabeça baixa…
Badalum, badalum, badalum…
Em fila indiana,
Pelo carreiro de todos os dias,
Para o acarro.
O sobreiro ou a azinheira de sempre.
Na Primavera, os campos cheios de erva
Dá gosto vê-las espalhadas pelas abrigadas
Pastando ao sol.
É um mar de ondas brancas, calmas
Por entre o verde da relva.
Os filhos dormitam,
Manchas mais brancas ainda,
Reflexos de luz em mar de palha.
Nesta época não há quem as tire da pastagem.
Era então…
Que o sol
O fascínio da luz e da cor
A sinfonia das rãs, dos grilos e aves
O perfume das mil e uma ervas
A confusão dos sentidos
Me afastavam do rebanho
Estando no meio dele.
O silvo dos comboios era o convite
À viagem.
O esvoaçar duma águia
O passaporte assinado.
O oriente e a serra
A miragem do azul e do mar
Eram o meu Destino.
E então, partia…
Escrito em 1979.