Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Antes de escrevinhar alguns comentários sobre o nono episódio, devo, antes de tudo o mais, enquadrar algumas palavras neste breve prólogo.
Prologuemos então.
Estimado/a leitor/a,
Quero agradecer-lhe a amabilidade em visitar este blogue, a gentileza em percorrer os posts que nele vou colocando. As suas leituras muito têm contribuído para que as visitas e visualizações deste “canal de comunicação” tenham crescido substancialmente. Relativamente ao contexto em que se insere, claro!
Espero que aprecie os textos, que se divirta e que tire algum proveito dos mesmos.
Não tenho qualquer pretensão com o que escrevo. Apenas transmitir algumas opiniões, tecer uns breves comentários. E, sinceramente, desenvolvo esta atividade com gosto e por gosto! Sabendo que há quem leia, ainda me dá maior satisfação.
Pois continue lendo. Desejo que ganhe gosto a estas leituras. E que continue vendo a série.
E o meu sincero muito obrigado!
Desenvolvimento
E prossigamos, então, para alguns comentários sobre a Série e o Episódio 9, de 5ª feira.
O desenrolar desta série não deixa de nos surpreender. Quando julgamos que vai terminar e o enredo se vai desenrolar, lá aparece outro nó na trama.
Ontem equivoquei-me, pois na 4ª feira vira mal a programação e supusera que na 5ª feira, ontem, haveria dois episódios e deste modo finalizariam a série. Erro meu… e o meu pedido de desculpas.
Que eu já estou ansioso não que ela termine, que as temáticas nos prendem ao enredo, mas por saber o final.
Se fosse livro, já o tinha lido todo. Como quando leio determinados romances, como já referi em post anterior, no respeitante a Jorge Amado.
Mas esta pequena novela tem algumas características que no-la tornam muito apelativa.
À partida é uma série histórica, pelo que se me torna desde logo e, à priori, apetecível. E, neste aspeto, é impecável, reconstituição exemplar do tempo histórico a que se reporta. Inclusive com o cuidado de nos ir situando nos momentos cruciais. Ontem, soubemos que a Espanha já estava em guerra com a França. Guerra de que já falámos em post anterior. Logo, a ação que ocorria nos primeiros meses de 1793, já foi também precisado o mês de Fevereiro, agora estará a processar-se na 2ª quinzena de Abril de 1793.
Num cenário de Guerra, o que altera completamente as vivências e o quotidiano das personagens. O Hospital já reuniu o respetivo Conselho, na sequência do conhecimento que o Administrador teve dessa declaração de Guerra, por meio de carta enviada diretamente do Rei, através de um emissário militar.
Militares que agora passam a ter um papel mais importante na narrativa, para além do que já desempenhava o nosso célebre Capitão, mas o desempenho deste, até agora, resumira-se apenas a outras lutas, que não as militares, nomeadamente o ferimento que o levara ao Hospital, nada teve a ver com Guerras. Só as de alcova.
E abrimos já duas vias neste pequeno excerto: falámos do Conselho e do papel dos Militares na narrativa…
No concernente ao Conselho, presenciámos a respetiva constituição: além do Administrador, o Cirurgião Mor, o Capelão Mor, Dona Irene e o Inquisidor e a Enfermeira Mor.
Surpreendeu-me não ter visto o Alcaide. Não pertencerá? A sua função será outra? Ou terá ido buscar o dinheiro do desfalque que fez?! Pois, sinceramente não sei!
Os jogos de Poder decorreram em cenas de momentos seguintes, nos corredores e meandros do Hospital.
O Inquisidor pressiona o Capelão, situando-o na sua verdadeira missão ali: agir no sentido de que o Inquisidor venha a ser o Administrador!
Por sua vez, faz um jogo tático com Dona Úrsula… é um verdadeiro jogador de xadrez, cerebral, no xadrez e campo de luta da política hospitalar.
E tomando o rumo dos Militares… Quem foi para o xadrez, por enquanto apenas no Hospital, foi um soldado, cuja arma se disparou ou que ele fez disparar na mão esquerda. Em tempo de Guerra, tal procedimento, quando propositado, tem sentença de morte: a forca.
Que será, provavelmente o destino do imprudente soldado, que na ânsia de perder dois dedos com o disparo, com medo a perder a vida com os disparos na Guerra, acabará, provavelmente, por se finar, mas numa morte considerada desonrosa para si e família.
Foi submetido a julgamento, no próprio Hospital, que é autónomo jurisdicionalmente no respetivo espaço e contexto institucional. O Administrador considerou não haver provas suficientes de que o jovem militar agira propositadamente, mas o Oficial Militar, presente como membro do Júri, teve opinião contrária.
Pelo que o rapaz será condenado à forca, após estar curado.
“Então vamos mandá-lo para a morte depois de o termos curado?!” Interrogou a nossa mocinha, enfermeira ingénua, Olalla.
E fica esta questão como ponto de reflexão sobre a Guerra, sobre o sentido de todas as Guerras.
E pegando na deixa, Olalla… esta e o seu amado já avançaram bastante, no seu próprio quarto, no que de Amor se trata, mas por enquanto ainda se ficaram apenas por preliminares, valeu-lhe a sua própria sensatez! Que ela é uma verdadeira mocinha!
Já o seu amado, Daniel, o herói, resolveu armar-se em cow-boy e teve honras de abertura deste nono episódio, numa cena de pugilato, numa taberna dos subterrâneos de Santiago, para onde fora levado por Duarte, para afogar o desgosto pela morte da, agora, sua esposa, Clara. Enraivecido pela sua impotência enquanto médico, na incapacidade de salvar uma vida, quase matou, de raiva, o seu opositor. Valeu-lhe Duarte!
“… na nossa profissão, temos que nos habituar a conviver com a Morte…”, já o alertara o Cirurgião Mor, seu mentor, quase Pai espiritual. Que também lhe lembrou a importância das suas mãos, na profissão que exerce.
E a narrativa direciona-nos para o assunto com que queremos finalizar… mas aguardemos ainda.
Voltemos ao quarto de Ollala e da sua colega Rosália, enfermeira Castelo.
O quarto agora transformado em alcova…
Pois a enfermeira Rosália, mais expedita, não se ficou apenas pelos preliminares com o seu boticário…
E se ela já andava sempre meio na lua, agora ficou totalmente de olhar vagueando no espaço sideral.
O boticário tem também outras evasões, quem as não tem (?), mas tenta libertar-se da sua dependência do ópio.
Dona Irene descobre, sim, ela tomou consciência disso a pós a consulta com Doutor Daniel, apercebe-se que está grávida.
E, imagine-se, naqueles tempos de tantos preconceitos, uma senhora da sua condição, viúva, ficar grávida…
E cumulativamente resultante de uma violação, de que apenas ela tem conhecimento e também o seu bom amigo, Dom Andrés, para além de Dona Elvira, que presenciou a cena, que ocorreu no seu palácio e na sua mesa da sala!
Imagine-se a bomba, quando se souber… Numa sociedade tão recheada de tabus, falsidades e aparências.
Aguardemos como este assunto irá ser abordado.
Que outro aspeto enriquecedor nesta série é a forma como vai apresentando várias temáticas, sempre num contexto de época. Há certamente um trabalho de pesquisa prévio muito relevante.
Veja-se como nos apresenta os problemas do exercício da Medicina, agora a problemática da Guerra nos seus reflexos na Sociedade…
E ainda sobre personagens, Dona Elvira de Santamaria e Dona Úrsula.
Já foram episodicamente aliadas, agora definitivamente inimigas. Que Dona Úrsula já avisara que sempre cobra as dívidas. Mas não sabemos quem deve mais a quem, ou quem tem mais a temer.
Duas mulheres, no mesmo tempo e espaço ficcional, pertencentes a duas Classes Sociais distintas, mas poderosas na altura, uma da Nobreza, ainda que falida, a outra do Clero Regular, cada uma usando as armas de que dispõe, sempre tecendo e enredando a narrativa, pelo lado da malvadez. Harpias, que não se limitam a profetizar, mas agem condicionando e dirigindo a narração, no sentido que pretendem: o seu benefício pessoal, o seu egoísmo, os seus apetites, a sua fome de poder e influência, a fome que se avizinha com as guerras que se aproximam. Recorrendo a táticas e estratégias diversas, mas sempre com uma metodologia comum: pisar os outros, especialmente os mais fracos e indefesos; bajular os ricos e poderosos, mas apunhalando-os pelas costas, sempre que possível.
E, julgo que, agora, finalmente, vamos ao cerne do episódio.
Enquanto todos estes acontecimentos decorriam e os que eu não relatei, porque de todo não me é possível, Clara, a jovem que padecia de doença psíquica, incurável, que sofrera um ataque de epilepsia, provavelmente provocado pela bebida de estramónio que a “Dragão”, bruxa má e malvada, lhe dera, Clara, dizia, jazia no esquife, na Capela do Hospital.
Velada pelo pai, por Dona Irene, pelo marido, Dom Daniel, não sei se por mais alguém, que não vi e nem sempre foi possível estar gente a velar o seu corpo defunto.
Enquanto todos estes acontecimentos aconteciam, se desenrolavam intrigas e conluios nos corredores, nas enfermarias os doentes padeciam, os amantes se enrolavam nos quartos e escadarias do Hospital, e nas respetivas salas se discutiam assuntos nobres e se sabia de Guerras que aconteceriam nos Pirinéus, lá para a França e na taberna galega se guerreavam dois homens enraivecidos pelo Destino, e Dona Irene desmaiava e vomitava; enquanto tudo isto acontecia, Clara Osório, permanecia imóvel no seu esquife, uma quase santa, na Capela Real do Hospital de Santiago de Compostela, na Galiza, uma das Pátrias de Espanha e irmã de Portugal, aguardando que a Morte chegasse e a viesse buscar.
Só que a Morte tardou… Não chegou. E não a veio buscar!
E a jovem doente e que fora prometida e agora já não era, porque sendo noiva se casou… a jovem Clara, não morreu!
“Deixaremos de desviar dinheiro do Hospital Real. Concentrar-nos-emos na produção do linho, cultura em expansão…” (…) “Temos de eliminar o nosso homem no Hospital.” Palavras do Alcaide, Dom Mendonza, para os seus apaniguados.
E Duarte foi vítima de tentativa de assassinato. Mas defendeu-se muito bem e saiu ileso, tendo o pretenso assassino sido ele próprio assassinado.
Mas como disse D.Úrsula, de parvo não tem ele nada. Automutilou-se com o estilete que utilizou nas mortes que cometeu, fingindo ser vítima do assassino à solta, o que não deixa de ser verdade.
Já antes engendrara um plano de defesa, pois não queimara todo o livro de contabilidade, tendo guardado folhas incriminatórias de Alcaide e Tesoureiro, que guardou numa carta como se tivesse sido enviada via postal. Simultaneamente escreveu outra carta, anónima, acusando o Alcaide sobre os crimes por ele mesmo cometidos.
Ferido, dirigiu-se ao Hospital para ser socorrido e, já no leito, após tratado, deu conhecimento do suposto correio que trazia para o Hospital.
Uma bomba!
A equipa de investigação tomou conhecimento e o Administrador deu andamento ao processo de averiguações, confrontando o alcaide com os factos.
Este, inicialmente negou, escudado na sua pretensa superioridade, com base nas suas funções, de Alcaide e Regedor do Conselho do Hospital, e no apoio que tem do Conde de Altamira. Num debate e confronto direto, Dom Andrés só conseguiu fazê-lo ceder, e assumir o ato do desvio de dinheiro, quando o ameaçou com a Santa Inquisição, para quem as suspeitas bastam…
“Em primeiro lugar, o que tem a fazer é devolver o dinheiro roubado…”
Veremos o que vai acontecer hoje, em que julgo a série irá terminar…
Simultaneamente, com o regresso da mulher à Cidade, apesar de encerrada num palácio, à guarda de uma empregada, Flora, o sossego de Dom Andrés, é ainda menor.
Tendo ido visitá-la, foi seguido pela Enfermeira-Mor, que não desiste em descobrir o seu segredo e tramá-lo.
E, por artes do Diabo, na sequência desta situação houve um pequeno incêndio na cozinha do palácio e a esposa de Dom Andrés desapareceu.
E, também por artes do Demo, apareceria, de facto, no Hospital e à própria filha, Clara, a quem a freira dera o tónico adulterado e que ficou perturbadíssima, tendo piorado da sua doença psíquica, para a qual os médicos, apesar de todos os cuidados, não conseguem encontrar uma cura. Teve um ataque de epilepsia e ficou à beira da morte…
Na presença do cirurgião-mor, do médico auxiliar e do próprio pai, inconsolável junto dela, sentindo aproximar-se a hora fatídica, fez um último pedido, casar-se com Daniel, seu noivo prometido.
Este, após consultar a sua verdadeira amada, Olalla, como verdadeiro cavalheiro que é, anuiu. Celebrou-se o casamento, sendo celebrante o novo Capelão-Mor. Que de seguida logo lhe administrou a Santa Unção.
E assim tivemos uma cena quase de Romeu e Julieta!
Curioso que neste mesmo episódio já houvera outra cena algo perturbante. A mulher de um peregrino russo, adoecera e ao ser hospitalizada, à beira da morte, descobriram que estava grávida, mas a criança estava viva, apesar de ainda muito prematura. Morta a mãe e a criança viva, coloca-se o dilema de deixá-la morrer no ventre da progenitora ou tentar tirá-la do ventre da mãe, sabendo que também iria morrer logo a seguir…
Dilema moral, científico, técnico-medicinal e teológico-religioso, numa época em que todos estes aspetos eram altamente problemáticos.
Apesar de Dom Devesa achar que era contra natura, pois iam salvar a criança para ela morrer em seguida, prevaleceu a decisão de se fazer uma cesariana, por Doutor Daniel, defensor destas novas práticas. Simultaneamente logo a nascer seria batizado, Yakov, e administrada a Santa Unção, pelo Capelão-Mor.
Assim, o menino tinha direito ao Céu!
E assim, por contingências altamente improváveis e espúrias, se conciliou simultaneamente a modernidade científica e técnico-medicinal e os princípios tradicionais da Igreja.
E outros aspetos do enredo?
Vamos sintetizar, que se faz tarde.
Dom Andrés pretende para membro do Conselho do Hospital, alguém que seja de confiança e em quem se possa depositar essa mesma confiança.
E contra todas as probabilidades e hipóteses irá propor Dona Irene, que aceitou, após ele lhe ter pedido muitas desculpas pela suposição absurda de que ela pudesse ser a assassina do fidalgo. E para quem já começou a obter a concordância de outros elementos.
Dona Elvira de Santamaria está nas ruas da amargura, falida, sem dinheiro, que nas lojas já nem fiam às criadas…
Num ato de desespero tenta matar Ulloa… num encontro supostamente de amor, mas que foi perturbado pela presença de Rebeca, fidalga-filha e verdadeira amante do Capitão, a quem este chamara também para esse encontro e que, após trocas e baldrocas, próprias destas situações rocambolescas, o verdadeiro Amor prevalece sempre e lá ficaram os verdadeiros amantes, Ulloa e Rebeca, enroscados e encostados ao sobreiro!
E, por agora, ficamos por aqui, que a narrativa começa a tomar conta do narrador e é preciso “postar” este texto, antes que se inicie o 9º Episódio! Último?!
Pelos vistos esta série é, afinal, mais demorada do que previra. Sempre pensei, dado o tempo de cada episódio, que fosse para concluir numa semana.
O enredo também é muito mais complexo do que parecia e as conclusões vão-se demorando.
A qualidade da peça fílmica, o rigor do trabalho desenvolvido, sob variados aspetos, assim o exige!
Situemo-nos…
O espaço da ação decorre na cidade de Santiago de Compostela, maioritariamente no Hospital Real. Depreende-se que filmado em espaços naturalistas, provavelmente não no espaço original, uma vez que o antigo Hospital é agora um parador de luxo, pousada, como se designa em Portugal. Pareceu-me ter lido qualquer coisa sobre Pontevedra…
O tempo, a que se reporta este exercício de reconstituição cuidadosa, situa-se no final do século XVIII, na última década, poderíamos precisar 1793.
Menciono esta data, porque já várias vezes e, a propósito de França, em que o novo médico estudou, um “afrancesado”, a propósito da França revolucionária, foi citado que haviam cortado a cabeça ao Rei. Facto que ocorreu em 21/Janeiro/1793, data em que Luís XVI foi decapitado.
Também já se ouviu sobre o perigo de guerra com a França. Deduzimos que a Espanha ainda não estaria a participar na designada “Campanha do Rossilhão”, em que Portugal também viria a envolver-se.
Também designada “Guerra dos Pirenéus” ocorreu de 7/03/1793 a 22/07/1795, sendo que a Espanha declarou guerra à França em 17 de Abril de 1793.
A decapitação do rei francês e a declaração de guerra da Espanha à França estão relacionadas na realidade e também na série.
Pelo que poderemos deduzir que o tempo em que se desenrola a ação da série apresentada tem decorrido neste intervalo de tempo: primeiros meses do ano de 1793.
Voltemos ao enredo.
Pouco a pouco ele vai-se desvendando.
No que respeita aos crimes em série, “a investigação está num ponto morto”, palavras de Dom Daniel. E o assassino literalmente debaixo das respetivas barbas.
Também para esta equipa de investigação o conceito de “serial-killer” ainda não era conhecido, ainda não tinham chegado à era do cinema…
“O nosso objetivo é o Hospital Real”, repete-se e relembra-se esta frase, novamente proferida pelo Alcaide, para Duarte, o assassino, mudo que não é mudo, que cada vez se revela menos “pau-mandado”, apesar de ser “homem-de-mão” de outros poderosos.
Mas mostra-lhes também, e sempre mais, o seu próprio poder. A junção de um veneno (?) no vinho do Alcaide. A recusa em servir-lhe mais água… O sorriso cínico que entreabre para quem espera vingar-se…
E até que ponto vai o seu próprio poder ou estará ele ao serviço de outros ainda mais poderosos?! Até onde vai a sua própria autonomia?
Porque interessados em controlar o Hospital não faltam.
Para além dos que já conhecemos, outros se nos deparam.
A chegada do novo capelão-mor isso mesmo nos revela.
Ex jesuíta, tal como o fora o Padre Damião, tal como foi o atual Inquisidor, têm eles esse objetivo, enquanto membros do Clero. Como nos revelaram neste quinto episódio.
Recuperar para a Igreja um Poder que já fora desta Instituição.
Disfarçadamente, enquadrados noutras Ordens Religiosas, uma vez que os Jesuítas haviam sido expulsos de Espanha vinte anos antes, movem-se na sombra, disfarçadamente, para conseguirem tal desiderato.
Consegui-lo-ão? Num mundo e numa época em que se vislumbram grandes convulsões e mudanças tanto para Espanha como para toda a Europa e Américas, na sequência da Revolução Francesa, das Campanhas Napoleónicas que em breve se iniciarão e dos Movimentos Liberais, que na sequência destas eclodirão?!
Provavelmente não.
Entregue a direção do Hospital a um secular, Dom Andrés Osório, amigo do Rei, com poderes económicos de gestão e também jurisdicionais, no campo cível, reconhecia este a importância da nova classe social em ascensão, a Burguesia. Literalmente, o Rei ao entregar a gestão do Hospital a um burguês, retirava poderes tanto à nobreza como ao clero, e em seu próprio proveito, claro.
Porque o Hospital era imensamente rico!
Mas enveredemos por outro aspeto do enredo.
O “herói”, que continua apaixonado pela “mocinha”, frise-se, fez novamente das suas…
Enquanto jovem médico, o Doutor Alvarez de Castro, arrebatado, ainda inexperiente, mas imbuído de convicções e certezas próprias da idade, da sua experiência parisiense e ideais revolucionários, acha que deve fazer só o que “a sua consciência lhe dita” e novamente fez asneira.
Recusou-se a seguir ordens dos seus superiores hierárquicos, tanto no plano profissional como administrativo.
Não quis garrotar o pé gangrenado de um paciente, quis aplicar uma pretensamente nova metodologia e “a coisa deu para o torto”…
Foi expulso da Instituição e não fora a lucidez de Don Sebastian Devesa, cirurgião-mor, que o tem em grande estima, e nele reconhece qualidades e competências, apesar dos arroubos da juventude, e estaria no desemprego… E a Família falida, de que ele agora é o chefe.
E a propósito de Família…
A sua Mãe, Dona Elvira de Santa Maria, agora desamparada, mostra cada vez mais protagonismo em cena.
Para além de se humilhar perante Dom Andrés, uma nobre ajoelhar-se perante um burguês, a mendigar a readmissão do filho dileto, e a ouvir uma recusa, é ainda ameaçada de morte pelo amante da filha, Capitão Ulloa, militar e sobrinho do Intendente e um pinga-amor, que já se embeiçou pela iniciante de enfermeira, Olalla.
Aguardemos cenas dos próximos capítulos…
E a nossa freira chefe, enfermeira mor, irmã Úrsula, na sua postura seráfica e esfíngica, sempre sorrateira à espreita, “olhos e ouvidos” da Inquisição, sempre a delatar… “Limito-me a cumprir ordens da Santa Madre Igreja”! Ou dela própria? Qual o seu real papel em todo o desenrolar do enredo?
E não posso deixar de observar como eram as práticas médicas na época.
Com os conhecimentos possíveis, escassos e limitados; as restrições morais e religiosas à experimentação, base do conhecimento e desenvolvimento científico; a inexistência de antibióticos, desconhecimento dos micróbios; a não esterilização de instrumentos de uso clínico, as condições de higiene e alimentação precárias, apanhar uma doença era ser portador de sentença de morte.
Daí se compreende, apesar do aparente cinismo e desumanidade, da recusa de entrada da mulher prostituta no Hospital, que ocorreu no terceiro episódio e foi causa da primeira diatribe do jovem médico, Daniel.
A amputação de um membro a um doente, sem anestesia, com recurso a aguardente e uma rolha na boca, sem instrumentos cirúrgicos adequados, teria que ser um ato de grande coragem para todos os envolvidos.
E termino, que a crónica já vai longuíssima… com falas de Daniel e Ollala, ou não sejam eles os protagonistas principais da peça…
E desenrolou-se, ontem, 3ª feira, 1 de Setembro, o segundo episódio da supra citada nova série. Presumo que seja uma mini série, dado o tempo de duração de cada um dos episódios e a continuidade na narrativa, de modo a estruturar uma conclusão ao fim de alguns episódios.
Valeu a pena ter visto! A temática está a ser apelativa.
E quando aparece um crime para desvendar, no decurso do enredo, mais interessante se torna. Tornamo-nos um pouco “poirots”, pretensiosos, é certo!
Mas gosto da intriga que se processa, da incerteza, do jogo de probabilidades e conjeturas sobre as hipotéticas análises e descobertas.
Se são dois crimes, então!... Dose dupla de emoção policial!
Já se formou uma equipa de investigação, que se auto nomeou. O cirurgião-mor, Doutor Devesa e o herói, Dom Daniel, médico recentemente admitido noHospital Real e a mocinha, a aprendiz de enfermeira, Olalla! Segredo absoluto, que no Hospital as paredes têm ouvidos.
Se têm!...
Para já, descobriram, graças à perspicácia do cirurgião-mor, que houve crime e não apenas um, mas dois.
E que estão interrelacionados. O modus operandi nas mortes, do fornecedor de víveres do Hospital e do capelão-mor, foi idêntico.
Logo, é o mesmo criminoso. Quem?
Na sequência da morte do Padre Damião, o criminoso tirou a máscara e pareceu uma cara conhecida. Seria?! Ou enganei-me? Julguei ser o rapaz mudo que circula silencioso pelas galerias do edifício, que é pau mandado da enfermeira-chefe, Úrsula, de nome. Seria, ou vi mal? Seria o Duarte?!
A equipa de investigação não sabe … Pssst! O segredo é a alma do negócio.
Sim, porque tudo parece indicar que há negócios por trás. O Dinheiro, sempre o Dinheiro!
Também já deduziram, isso sim, que os crimes, porque disso se trata, têm algo em comum: o Hospital Real!
Dedução também do nosso cirurgião-mor. O verdadeiro Hercule Poirot!
Interessante a sua figura física, a sua personalidade, as suas ideias, num mundo obscurantista, ainda dominado pela Inquisição. Personagem com que facilmente se simpatiza, pela sua lucidez e modo de atuação, face às barreiras que tolhem a sua ação no exercício da prática médica, num ambiente tão castrador.
Goya, in Los Caprichos, retratou muito bem essa Espanha de finais do século XVIII!
E ficamos por aqui, não vou contar a história toda.
Visualizar a série proporciona momentos emocionantes. Que não quero que percais.
Mas não vou deixar de questionar.
E quem serão os mandantes?!
Porque, de facto, a forma como todo o enredo se desenrola aponta para mandantes.
O nobre falido, Castro, sempre à procura de esquemas de sobrevivência para ganhar dinheiro sem trabalhar?! À época, Antigo Regime, os nobres não trabalhavam.
Às mulheres, senhoras, mesmo que não fossem nobres, também estava vedado o exercício de determinadas atividades. Atividades comerciais, por ex., especialmente se fossem altamente lucrativas e houvesse outro interessado no negócio, para proveito próprio e de quem o favorecesse.
Ou a irmã Úrsula, o Dragão, enfermeira-chefe e eminência parda em toda aquela instituição, movendo-se prepotente por todo o seu espaço de ação, manipulando, exercendo com crueldade e despotismo a sua autoridade sobre os mais fracos e desvalidos; fazendo pretensos favores, especialmente a poderosos, cobrando e lembrando juros futuros. Invocando, em vão, o nome de Deus, a sua pertença a uma Irmandade e Igreja, atribuindo aos seus atos, mesmo que criminosos, uma orientação divina! Denunciando… portando-se com falsa humildade perante os seus superiores.
Ou ambos: o “representante” da Nobreza e uma das “representantes” do Clero?!