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Aquém Tejo

Há quem do Tejo só veja o além porque é distância. Mas quem de Além Tejo almeja um sabor, uma fragrância, estando aquém ou além verseja, do Alentejo a substância.

Há quem do Tejo só veja o além porque é distância. Mas quem de Além Tejo almeja um sabor, uma fragrância, estando aquém ou além verseja, do Alentejo a substância.

28º ENCONTRO de CANTARES ALENTEJANOS do Concelho de ALMADA

cartaz 28º encontro - 13-6-2015. Cortesia da Organização PNG

Conforme previsto, realizou-se no passado sábado, dia 13 de Junho, a partir do início da noite, o supracitado Encontro de Cantares Alentejanos, no Concelho de Almada, organizado pelo “Grupo Coral Etnográfico Amigos do Alentejo do Feijó”.

Grupo Coral Amigos do Alentejo do Feijó .jpg

 "Amigos do Alentejo do Feijó"

 

Com a realização estruturada para um palco montado junto ao Complexo Municipal de Desportos da Cidade de Almada, a chuva que Santo António resolveu enviar para as milharadas e hortas espalhadas pelo concelho, levou à mudança de local do evento, para o mítico pavilhão do Clube Recreativo do Feijó, uma verdadeira “Catedral do Cante” na Margem Sul.

E este é, desde logo, um ponto a realçar, a capacidade de reestruturação duma orgânica já delineada, mudando o respetivo espaço de realização; bem como a disponibilidade do Clube anfitrião. A organização destes eventos, com todo o muito trabalho que as sustenta e não é imediatamente visível, é sempre de realçar.

 

Digamos, sem sombra de dúvidas, que a sala, na sua arquitetura e design simples e popular, direciona o evento para a sua função principal: ouvir cantar e vivenciar as emoções que aquelas vozes telúricas proporcionam, transportando-nos a um Alentejo mítico, distante espacial e temporalmente, mas ali bem presente.

Quem vai a estes eventos é porque gosta, é realmente fã do Cante, das evocações que as modas nos trazem, mesmo que a realidade por nós vivida já tenha sido bem diversa do evocado pelas canções.

Experienciam-se, aí, momentos emocionalmente únicos, de facto! Lembranças que, para além de nossas, nos pertencem ou as sentimos com mais afeto, pelo que nos foi transmitido e pelo que, através delas, evocamos de Pais e Avós.

CamponesdePias. www.vozdaplanicie.pt.jpg

"Camponeses de Pias - Foto original de António Cunha. In: www.vozdaplanicie.pt"

 

O Cante é uma foice de vento a cortar o silêncio.”

Com este verso de um poema de Vitor Encarnação, lido na apresentação do Grupo “Os Ganhões de Castro Verde” poderia sintetizar o sentido e o sentir do Cante e do que se ouviu nessa noite.

ganhoes de castro verde www.seminario-natural.pt.j

 

"Ganhões de Castro Verde"

 

Participaram sete grupos.

O grupo organizador e anfitrião, “Grupo Coral Etnográfico Amigos do Alentejo do Feijó” integra-se no contexto da “Diáspora Alentejana”, enquadrada nos movimentos migratórios de Portugal, particularmente relevantes nas décadas de sessenta e setenta do século XX, com destino à Grande Lisboa, neste caso Margem Sul do Tejo.

Os restantes seis grupos todos eram provenientes do Baixo Alentejo, indefectivelmente o “Berço do Cante”.

Disseram presente os “Camponeses de Pias”, os “Ganhões de Castro Verde” e os “Cubenses Amigos do Cante” que, tal como o Grupo anfitrião, têm também cariz etnográfico.

Apresentam-se trajados a rigor, evocando profissões e padrões sócio-culturais da primeira metade do século XX, em uso no Alentejo, segundo as especificidades locais e regionais.

cuba-cubenses amigos do cante 2.jpg

 "Cubenses Amigos do Cante"

 

Os dois últimos grupos trajam de uma forma mais homogénea, sendo que os primeiros diversificam o trajar numa evocação sócio profissional variada: pastor, vaqueiro, almocreve, feitor, moço de fretes, ceifeiro, porqueiro, … trajo domingueiro, trajos de trabalho…

Neste Encontro só estiveram grupos masculinos, sendo que estes quatro mencionados são constituídos maioritariamente por indivíduos acima dos sessenta anos.

Cada grupo cantou e encantou nas quatro modas apresentadas, maioritariamente tradicionais. Hinos ao Alentejo, aos profissionais e atividades campestres; ao pão sagrado, ao tempo e aos tempos nas diversas estações; ao sol e lua, à água, elementos tão presentes e marcantes nas lides da lavoura; ao dia, ao raiar do dia e à noite; à Mulher, enquanto amada e trabalhadora…

 

Estiveram também presentes, e, aliás, com forte presença, dois Grupos constituídos por jovens: os “Bafos de Baco de Cuba” e os “Mainantes de Pias”.

Portadores de uma postura muito leve e descontraída, como os próprios nomes sugerem, têm uma fortíssima prestação em palco, fruto da sua garra de juventude e da genica com que agarram as modas.

Cantam modas tradicionais, mas aparentemente vestem-nas com outras roupas mais leves, bem de acordo com o seu trajar: calças de ganga, camisas claras. E bonés, sempre necessários para as saudações da praxe.

A uniformidade e simplicidade no traje reporta-nos para o fundamental neste cantar: o sentido e indispensabilidade do coletivo. E aí medem meças com qualquer outro grupo, mesmo de outros contextos musicais.

Com o nascimento destes grupos e a sua desejável persistência no futuro, estará assegurado o futuro destes cantares, destas modas e deste modo alentejano de estar, agora também com um cariz cultural bem mais vasto, dada a categorização a que ascendeu.

A manutenção das modas antigas é indispensável, a evocação do trajar e do modo de estar idem, mas também imperiosa será a criação de novas modas e canções, adaptadas e refletoras dos novos tempos. Ainda que o nosso Alentejo mítico permaneça sempre na nossa memória e no nosso coração!

Parafraseando a canção, soubera eu cantar e quem cantava era eu…

moda mãe cuba.jpg

E para terminar, o mestre-de-cerimónias apresentou o último grupo e deu-nos a provar o último vinho. E que vinho! O Grupo “Moda Mãe Cuba”.

Cinco elementos, cinco vozes e uma Viola Campaniça, que aqui merece uma substantivização própria.

viola campaniça in correiodoalentejo.jpg

 

Face à Solenidade do Cante, canto chão alentejano, mais marcante ainda nos Grupos Etnográficos, este grupo, ainda que inspirado no Cancioneiro tradicional, desconstrói as modas, dando-lhes um cariz completamente diverso, não as desvalorizando, apesar da brejeirice, humor e ironia com que, pelo menos aparentemente, as canta e apresenta.

A sua interação com o público, torna-os mais participantes da comunhão que se concretiza entre palco e plateia, comungar que noutro contexto de festa, levaria ao partilhar de pão e vinho tão peculiar no convívio de que foi também o nascer do Cante.

 

E vou terminar, porque esta crónica também tem que ter um findar, tal como “Moda Mãe Cuba” também teve que abalar do palco, pois impunha-se um término do Encontro, que, por eles e pelo público, a festa continuava.

Mas já era quase meia-noite e o Clube situa-se num bairro residencial, com vizinhos que têm o seu direito ao descanso e a serem também respeitados.

Assim igualmente se exprime o conceito de Cidadania!

O Cante, em Almada, voltará num outro dia.

Por agora, façam favor de consultar!

Bafos de Baco de Cuba

Mainantes de Pias

Almada será a Capital do Cante?!

SESSÃO de CANTE

C.I.R.L. – Clube de Instrução e Recreio do Laranjeiro

Sábado, 15/11/14

Cante Laranjeiro. Foto de F.M.C.L.

Não sei responder, pois ignoro o que se passa noutras regiões, nomeadamente no Alentejo do Sul onde certamente existirão regularmente sessões de cante, pois há muitos grupos nessa região.

 

Havendo ou não noutros lugares certo é que, em Almada, frequentemente acontecem eventos desta natureza com a participação de vários grupos de outras zonas. E foi também aqui, mais precisamente na Biblioteca José Saramago, que pela primeira vez ouvi, com ouvidos de ouvir, um grupo no seu exercício e arte de cantar, o “Grupo Coral Etnográfico Amigos do Alentejo do Feijó”. Grupo a que, aliás, se deve a organização de vários destes acontecimentos artísticos.

 

Este Grupo, como o próprio nome indica, tem também a preocupação de evocar, através dos trajes, algumas das profissões em voga no Alentejo até aos anos sessenta, quiçá setenta, algumas ainda terão persistido. Feitor, almocreve, pastor, moço de fretes… são mais de uma dezena, as profissões evocadas através dos trajes.

 

Numa altura em que está em execução a proposta de candidatura do Cante a Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO, cuja decisão se espera no final deste mês, o Cante ganha cada vez mais foros de Cultura e Cidadania Nacionais, merecendo inclusive direito a ser tema de estudo na Universidade, como comprovado por alunas do Curso de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa que neste dia se encontravam, in loco, a realizar uma investigação sobre o assunto, através do Grupo Coral mencionado.

 

Fui a esta sessão para ouvir os vários Grupos, com especial curiosidade para com os grupos femininos, pois nunca ouvira senhoras a cantar e atuar neste contexto do Cante.

 

Após os entremezes habituais, apresentações das entidades organizadoras, oficiais e participantes, os discursos da praxe, iniciou a sessão o “Grupo Coral Alentejano Recordar a Mocidade”, grupo anfitrião e organizador, que atua e canta há dezasseis anos. As senhoras, de fato completo, saia e colete, azul-escuro, camisa amarela e laço.

De braço dado, ondulando em evocação das searas e conforme manda a tradição, cantaram modas tradicionais: “vai correr a silva…”, “O Alentejo canta”, “Ceifeira linda ceifeira”…

 

Seguidamente interveio Dr. Teixeira, pessoa envolvida na questão da Candidatura do Cante, que, entre outros aspetos relevantes, frisou a importância dos Grupos para a persistência do Cante, para a sua não extinção, para a sua capacidade de resistência ao desinteresse pelo assunto, que houve até mais ou menos há quinze/vinte anos. E que foi essa resistência que permitiu que o Cante se mantivesse vivo e não se tenha extinguido. 

Realçou o papel das coletividades onde normalmente estão sediados, bem como das entidades e autarquias que os apoiam.

E acentuou, algo que concordo absolutamente, isto é, a necessidade de transmissão às novas gerações, ação que tem que ser prioritária, nomeadamente ensinando-o nas Escolas.

Tomaria a liberdade de acrescentar, apesar de leigo no assunto, que também é preciso renovar no conteúdo e também na forma. Mantendo embora a ligação ao tradicional, ensaiar modas novas e apresentar-se com sinais de atualidade. Algo que me encantou no Grupo de jovens que atuou no dia 4/10/14, no Clube Recreativo do Feijó, “Os Bubedanas”, que mantendo o modelo tradicional, como matriz de referência, na estrutura, na forma, no conteúdo, no espírito e na sua essência, agem de forma moderna e atual, tanto nas modas como nos figurinos. Desde grupo só acho que pecam pelo nome que, à priori, nos remete para estereótipos que não têm nada a ver com a qualidade que ostentam. Mas essa é outra estória.

 

Em seguida, atuou o “Grupo Feminino e Etnográfico As Margaridas”, de Peroguarda, Ferreira do Alentejo, trajadas com fatos à moda antiga, de trabalhadoras das lides no campo. Dez senhoras, queixando-se a ensaiadora de que são cada vez menos. Cantaram modas tradicionais: “Não quero que vás à monda”, “Os lírios são lírios”, “Oh, vizinha dê lá lume” e “É tão grande o Alentejo”.

 

O terceiro grupo a atuar foi o “Grupo Coral Amigos do Independente”, de Setúbal. O ensaiador e apresentador do Grupo teve sempre o cuidado de, antes de cada moda, referir os respetivos solistas: o “ponto” e o “alto”. Frisou o conceito de “Catedral do Cante”, reportando-se ao local em que e quando Grupos de Cante estão a atuar.

E fez muito bem pois algo aborrecido em praticamente toda esta sessão de Cante foi o barulho que persistiu em quase todo o evento…

Cantaram, sem microfone, “Ceifeiros do Alentejo”, “Ao romper da bela aurora”, “Na planície alentejana” e “Alentejo é nossa terra”.

 

O quarto grupo a atuar foram “As Madrugadeiras de Alvito”, cujo nome evoca a moda “Ao romper da madrugada”. O ensaiador é o senhor Manuel Cansado, sendo o porta-estandarte também um senhor. Estão integradas no Grupo Cultural de Alvito, pois como já foi referido são as sedes destes grupos culturais ou recreativos que permitem manter a logística dos Grupos de Cante. Também atuam de braço dado e no tradicional movimento ondulatório, evocativo do vento ondulando as searas. Fizeram sete anos.

Cantaram: “Já lá vem o romper da aurora”, “Alentejo és lindo”, uma terceira moda dedicada a Alvito e “No Alentejo ganho o pão”.

 

Alguns gestos são também marcantes e identitários da cultura do Cante: no final, as senhoras agitam lenços e os homens tiram o chapéu, sinais de estima, consideração e respeito, como era tradição no ALENTEJO!

 

O quinto e último grupo foi o “Grupo Coral Etnográfico Amigos do Alentejo do Feijó”, que apresenta os trajares tradicionais, identificativos de profissões de uma certa época da vida alentejana. Também atuam segundo o padrão tradicional e sempre, antes de cada moda, o apresentador identificou o “ponto” e o “alto”.

Cantaram, também sem microfone, as seguintes modas: “Quando eu fui ao jardim”, “Ai que noite tão serena”, “O grande lago”, moda criada por um elemento do Grupo e encerraram com “chave de ouro”, com a moda “Há lobos sem ser na serra”!

Haverá melhor metáfora para o que o Cante sempre representou no “Alentejo profundo”?!

 

Quero dar os meus sinceros Parabéns a todos os Grupos participantes, sem exceção, a todos os elementos dos grupos, a todas as pessoas envolvidas para que estes acontecimentos possam ocorrer. Muito trabalho, muita dedicação, muito amor, muitos aborrecimentos também, por vezes, para que se possam operacionalizar estes eventos, que merecem toda a nossa consideração.

Nesta tarde, a sala, objetivamente, nunca encheu e praticamente só “aqueceu” no final, só aí se pressentiu o calor humano sempre tão presente nas sessões de CANTE e que as tornam tão mágicas e extraordinárias.

Lamentavelmente, houve sempre barulho, algumas pessoas a falarem, outras a mandarem calar e outros barulhos de desatenção e desconsideração. Como foi referido, é fundamental “uma plateia que respeite o cante, o silêncio de quem ouve”!

Ao assistir-se a uma Sessão de Cante é preciso, antes de tudo o mais, qualquer pessoa ter a consciência de que os protagonistas são os cantores e que há que saber ouvir, escutar com os ouvidos, mas também com o coração. Que quem vai cantar são pessoas que desenvolvem esta atividade como Amadores, no sentido de que amam o que estão a fazer, que não recebem qualquer cachet, que fazem muitos sacrifícios, muitos deslocando-se de longe para ali estarem, que há muito trabalho realizado antes e depois do evento, que passa despercebido. Que há muita “carolice” em toda a execução de um evento destes! E que é preciso respeitar o trabalho de quem está ali, como deve ser feito em qualquer espetáculo a que se vá assistir, ou então não se vai. Paradoxalmente, observei que, por vezes, são elementos de outros grupos que não se aquietam antes ou depois das respetivas atuações, talvez por nervosismo ou inquietação, não sei…

 

Interessante nestes eventos é sempre a “troca de galhardetes”, as prendas oferecidas entre os grupos e neste caso, ou não estivéssemos entre alentejanos, houve as suas cenas com piada e o humor que nos é próprio!

 

Termino, parafraseando, mais uma vez, o senhor Afonso, como encerramento da sessão: “as melhores prendas são a Amizade, a Colaboração, o Préstimo…”

 

E que a CANDIDATURA seja aceite!

 

 P. S. - Digamos que estes foram alguns apontamentos de quem assistiu ao espetáculo com atenção, com interesse e “devoção”, mas que está numa fase de iniciação ao conhecimento do CANTE! Por isso e provavelmente haverão falhas na perceção do que foi observado e aqui escrito e descrito!

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