Pastor a Tempo Parcial
“Eu nunca guardei rebanhos
Mas é como se os guardasse.”
Alberto Caeiro
Pastor a Tempo Parcial
Ovelhas, andei a guardá-las
Como se as não guardasse
No meio delas, a olhá-las
Não tardava me ausentasse.
Com elas falava, só falando
Gritava-lhes, estando calado
Ouvia-as, não as escutando
Festas fazia com o cajado.
Acariciava-as, magoando
Mandava o cão que não ia
Ou ia não o mandando
E, ao chamá-lo, fugia.
Ao vedar-lhes o trigal
Era certo que lá estavam.
Onde quer que fosse mal
Insistindo elas teimavam.
Se do fruto as separava um muro
Quantas vezes o galgavam.
E por um figo maduro
Corriam mal o cheiravam.
Era louca a correria
Ao cobiçado troféu.
Todo o rebanho fugia
E atrás dele ia eu.
Pequenos e fracos ficavam
Coxeando mais atrás
Pouco a pouco se atrasavam
Andando o que eram capaz.
Pela água ia tudo
Se fartando de beber.
Comendo figo ou embudo
Acabavam por morrer.
Morriam ovelhas, tal e qual
A Mestre de Filosofia
Que embude a cicuta é igual
Só que, à data, eu não sabia.
As ovelhas são assim
Sempre em rebanho.
Muitos homens, outrossim
São iguais, de igual tamanho.
À cabeçada, por vezes,
Lutavam duas ou mais.
E entre os cornos soezes
Sangue escorria demais.
Nove, dez horas, aquece
O sol quente de verão
Cada chocalho estremece
Na corna amarrada ao chão.
Em fila indiana indo
Sempre no mesmo carreiro,
Ao acarro vão seguindo
Na mesma azinheira ou sobreiro.
Primavera, erva e cheiros tantos
Dá gosto vê-las espalhadas
Aquecendo lanudos mantos
Pastando nas abrigadas.
De brancas ondas um mar
Na verdejante relva dispersas
Nas lombas, filhos a dormitar
Manchas brancas mais diversas.
Espelham reflexos de luz
Num verde "Mar da Palha"
Na erva que tanto as seduz
Tirá-las daí…Deus nos valha!
Era então que o sol
O fascínio da luz e da cor
Sinfonia de rãs, grilos e rouxinol
Das mil e uma ervas o odor…
Me afastavam do rebanho
Sem sair do meio dele.
O caminho era tamanho…
Partia, deixando a pele.
O apitar do comboio, ao longe
Era um convite à viagem.
Naquele deserto de monge
Seguia a minha miragem.
Uma águia esvoaçando
Meu passaporte assinava.
Era então, quando
Eu, com ela, voava.
Este poema, de inícios dos anos oitenta, é versão rimada de outro escrito em finais de setenta.