Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
"A LARANJA MECÂNICA (1962) - Autor: Anthony Burgess
Realizador: Stanley Kubrick (1971)"
(…) (…) (…)
Comentário que deixei no postal em 24 de Fevereiro
Vi o filme, quando foi estreado em Portugal, após o 25 de Abril. Não li o livro. Mas a primeira vez que ouvi falar do livro e do autor, Anthony Burgess, foi em 1973, ao Professor Adriano Moreira, no antigo ISCSPU!
Stanley Kubrick foi um dos meus cineastas preferidos, quando ia ao cinema, nos anos 70 e 80. O filme referido, “Laranja Mecânica”, “2001 – Odisseia no Espaço”, “Spartacus”, “Shining”, “Lolita”, Barry Lyndon”, são filmes que me lembro de ter visto e todos e cada um a seu modo, me “disseram algo”.
Não será talvez o melhor filme de Kubrick, ou até talvez seja, mas “Barry Lyndon” foi, dos que visualizei, o filme que mais me impressionou, pelo sentido estético incomparável. (Talvez só os de Visconti o ultrapassem!)
Achei interessante referir Aquilino, pela riqueza incomensurável da linguagem. Sem dúvida. Ando a ler um livro baseado em excertos de obras de Aquilino em que ele fala de aves. Uma preciosidade: o saber, o conhecimento, a variedade de vocabulário… Hei-de “trazer” o livro ao blogue.
Hoje vimos o filme “O Meu Pé de Laranja Lima”, de 2012, realização Marcos Bernstein, também co - autor do argumento com Melanie Dimantas.
Elenco principal: João Guilherme Ávila (Zézé), José de Abreu (Portuga), Caco Cioler (o Escritor).
Baseado no célebre livro homónimo, de José Mauro de Vasconcelos (1920 – 1984), publicado em 1968.
Tenho um exemplar do livro, 31ª edição – 1980, de Comp. Melhoramentos de São Paulo, Indústrias de Papel – Caixa Postal 8120, São Paulo.
Tê – lo -ei adquirido pelos anos oitenta e li-o nessa mesma data. Não anotei, como por vezes costumo, quando e onde comprei, quanto custou e quando li. Será o próximo livro que irei (re)ler.
Tanto o filme, como o livro, relatam uma história muito ternurenta, mas também muito dramática de uma criança, Zézé, de seis anos.
Da sua família mais pobre que pobre, mãe trabalhando na grande cidade, pai desempregado, irmãos cuidando uns dos outros. Zézé, de tão sensível e inteligente, desadaptado ao mundo real, criava seu próprio mundo imaginário com a sua “Minguinho” – o Pé de Laranja Lima, corcel correndo pelo sertão. Traquinas, era saco de pancada do pai e da irmã mais velha.
Da sua amizade com seu Manuel, “Portuga”, imigrante, desesperançando da vida, que encontrou na criança um filho que terá desejado e nunca tido, nas lonjuras do seu Portugal.
Zézé achou no “Portuga” a ternura que uma criança precisa para dar rumo ao seu crescer de menino.
(…)
O Autor termina a sua narrativa, “ - "Último Capítulo” – “A Confissão Final”
“OS ANOS SE PASSARAM, meu caro Manuel Valadares. Hoje tenho quarenta e oito anos e às vezes na minha saudade eu tenho impressão que continuo criança. Que você a qualquer momento vai me aparecer me trazendo figurinhas de artista de cinema ou mais bolas de gude. Foi você, quem me ensinou a ternura da vida, meu Portuga querido. (…)”
No dia 23 de Julho, comemorou-se o centenário do nascimento de Amália Rodrigues. As redes sociais, como é hábito nestas situações, foram inundadas de notícias, reportagens, postais, sobre a Artista. Eu, como quase sempre, “atrasado, fora de modas”, só hoje vou abordar o “meu momento com Amália”.
Começo por referir que nunca assisti a nenhum concerto ao vivo de Amália. Também nunca fui a uma casa de fados ouvi-la. Assistir a fado, em casa típica, lembro-me de ter ido algumas vezes a uma casa de “fado vadio” que havia no Bairro Alto, em meados dos anos oitenta, que julgo se chamava “Arroz Doce”. Não tenho a certeza se era esse o nome ou se ainda existirá.
Então como aconteceu esse “momento Amália”?!
Também nessa segunda metade da década de oitenta, a Cinemateca Portuguesa passava vários ciclos de cinema temáticos. Centrados em géneros fílmicos, em atores / atrizes, realizadores, cinematografias por países, etc.
Em 1986, projetaram um conjunto de filmes enquadrados no tema “Encontro com o Cinema Português” - Ciclo “O Musical”. Para além da visualização do filme, proporcionavam sempre umas pagelas informativas sobre o mesmo, assinadas por especialistas, que procurava obter e colecionar, para aprender com quem sabia da poda.
Sobre esta temática, visualizei :
“A Severa” - 1931, de J. Leitão de Barros, com Dina Teresa, no papel de Severa. (Foi o 99º encontro – 9 Jan. 1986.)
“Capas Negras” - 1947, de Armando de Miranda, com Amália Rodrigues, no papel de Maria de Lisboa; contracenando, entre outros, com Alberto Ribeiro. (106º encontro – 6 de Março 1986.)
“Fado – História de uma cantadeira” – 1947, de Perdigão Queiroga, com Amália, no papel de Ana Maria; contracenando com Virgílio Teixeira, entre outros atores de renome. (107º encontro – 13 de Março de 1986.)
Foi na sequência da projeção desse filme que ocorreu “o meu momento Amália”.
Como?!
Passarei a explicar…
(Mas primeiro quero mencionar que, também na Cinemateca, ainda assisti a outro filme de Amália como protagonista:
“Fado Corrido” – 1964, de Jorge Brum do Canto. Amália Rodrigues, no papel de Maria do Amparo, cantando alguns dos seus melhores trabalhos, “Gaivota”, “Madrugada de Alfama”, “Estranha forma de vida”, … Também Carlos Ramos, cantando fado titulando o filme. Direção musical de Shegundo Galarza; solos de piano, Carlos Paredes. (…)
Contracenando com Jorge Brum do Canto e muitos outros atores e atrizes de nomeada e gabarito.
A projeção deste filme ocorreu em 30 de Abril de 1990, e frise-se, num outro Ciclo de Cinema, este dedicado a “Isabel de Castro e os Cinemas Portugueses”, desempenhando esta atriz de renome, um papel secundário: “Mira”.)
Retorno a "Fado – História de uma cantadeira" e ao “meu momento Amália”.
Após a projeção, a visualização do genérico e audição das derradeiras sonoridades, e ao sair, tendo já debandado a maioria da assistência, reparo duas ou três filas atrás, uma senhora, ainda sentada, tentando passar despercebida. Não terá passado sem ser notada, certamente para a maioria dos espetadores, embora mais ninguém tivesse tido a minha lata. Era a protagonista do filme, acabado de transmitir: Amália.
Ultrapassando a minha proverbial timidez, dirigi-me à senhora, cumprimentei, dei os parabéns, elogiei o filme e a respetiva participação e, perdendo ainda mais a vergonha, atrevi-me a pedir-lhe um autógrafo, a que prontamente acedeu, e que ficou registado na pagela elucidativa sobre o filme. Pagela que ainda guardo como recordação, juntamente com a metade do bilhete de ingresso, que colei na primeira página do texto. (A propósito, o preço fora de 50$00 – 13 / 03 / 86.)
E este foi “o meu momento Amália”! Ao vivo!
Tenho o LP “Cantigas numa Língua Antiga”, Edição Círculo de Leitores, Lda. – 1979. Que ouço, quando tenho oportunidade. Hei - de falar nisso.
Agora, aos sábados, após a hora do almoço, em vez da sesta, que é inverno, pode ver ou rever esta notável série. (Não sei ainda a hora exata, mas haverei de saber, e contar.)
No sábado passado ainda ocorreu apenas o Episódio nº 5 – quinto episódio.
Não é uma série de grandes recursos técnicos, nem de grandes efeitos especiais. Também não terá um orçamento por aí além, digo eu, que não fui visto nem achado no assunto.
Mas consegue captar-nos a atenção. E muito!
E, pelos vistos, não apenas a mim, pois se a RTP2 já vai na terceira apresentação da série é porque ela está a ser vista e apreciada. O que eu também noto nas visualizações dos posts respetivos no blogue.
E porquê?! Porque terá este seriado tanto sucesso?!
Falo por mim, evidentemente que revi este último episódio, lembrava-me muito bem do enredo, mas visualizei-o com o maior dos interesses.
Indubitavelmente, pela sua qualidade.
O facto de ser um seriado histórico, sobre uma época conturbada, o dealbar do século XVIII, 1793, o ocaso do Antigo Regime, o prenúncio de uma nova sociedade, a ascensão da burguesia como nova classe a tornar-se dominante, o declínio e perda de importância da nobreza e do clero.
Fundamentalmente as mudanças sociais e políticas que se sentem e pressentem na vida, no Hospital, um microcosmos da sociedade mais geral.
Em pano de fundo, a Revolução Francesa e seus efeitos…
A reconstituição histórica, nomeadamente no trajar dos personagens. Apesar da teatralização representativa com aqueles fatos sempre tão impecáveis. Sente-se muito esse sentido de palco que, se por um lado, nos afasta do conceito mais real, associado a filme, por outro nos aproxima mais do conceito de teatro.
E que falta faz o bom Teatro na televisão!
Talvez o facto de esta série, de algum modo, tão “próxima” do teatro, ter agradado tanto, talvez, digo eu que sou leigo no assunto, talvez seja sinal de que o público anda ávido de bom Teatro e de boas representações.
Deixo esta dica à consideração de quem gere a programação das RTPs.
Talvez, precisamente essa representação tão teatralizada funcione como um chamariz para o público.
Na verdade, temos que reconhecer que o Teatro é um tipo de espetáculo que anda praticamente ausente das nossas televisões, assoberbadas com outros processos narrativos.
Há quanto tempo não passa um bom Teatro na televisão?
Os diálogos, estruturando um enredo, em que com o que dizem é mais o que escondem do que o que demonstram abertamente, sempre em jogos táticos, definidores do poder e posição social de cada um.
Os olhares dizendo-nos tanto ou mais do que o que foi verbalizado oralmente.
O trabalho dos atores e das atrizes, com excelentes desempenhos, praticamente sustentados nas falas de cada um, nas réplicas, tréplicas e subentendidos.
Representação quase apenas centrada nos rostos, na expressão facial, traduzindo-nos ideias, pensamentos e sentimentos. Que com aqueles trajares pouco se observa dos corpos, nem assim vestidos pouco podem transmitir de expressivo.
Mas os trajes, per si, são definidores de cada personagem, do seu papel a desempenhar.
E, nestes aspetos, acentuamos novamente o lado da teatralização.
O jogo do poder pela conquista da gestão do Hospital, como se de um jogo de xadrez se tratasse, cada personagem, uma peça, no xadrez dessa batalha pela conquista do almejado lugar de administrador.
Estruturante também os assassínios em série(?).
A questão da Medicina. Dos conhecimentos, da respetiva prática, da deontologia médica, dos valores de cada um e dos “progressos” que se sentem. Os instrumentos cirúrgicos. Os meios disponíveis, se tal se pode assim mencionar.
Este é também, indubitavelmente, um dos campos de interesse na narrativa.
O enredo, o guião, os atores e atrizes, já o disse, mas não é demais repetir.
E o(s) romance(s), claro!
Todos estes aspetos e mais alguns, que não disse, ou a minha perspicácia não observou e aqueles que fui abordando nas minhas narrações sobre a série, que fará o favor de ir lendo, todos estes aspetos nos prendem ao seriado.
Veja, se faz favor.
Reveja, caso já tenha visto. Ou até reveja o revisto, que até está a ser o meu caso!
“As coisa boas da vida, os sonhos, o que desejavam ser quando fossem grandes...”
Algumas das proposições colocadas a crianças a entrarem na puberdade, num estudo feito em bairros pobres da cidade de Nápoles, em finais dos anos noventa: 1999(?).
Feita essa observação inicial voltaram as mesmas pessoas a serem estudadas, passados mais de dez anos, já na segunda década do terceiro milénio, (2013?), personagens – atores da vida real, agora no início da idade adulta.
De entre os vários entrevistados, escolheram os realizadores deste filme documental, Agostino Ferrante e Giovanni Piperno, quatro, para testificarem o estudo efetuado para este documentário, definindo-os como protagonistas: Fábio, Adele, Silvana e Enzo.
Dizem os especalistas das problemáticas da “mobilidade social” que o “grupo social de origem” de um indivíduo condiciona o seu estatuto social futuro e marca a sua trajetória. Que normalmente indivíduos com baixos níveis de rendimento e de escolaridade têm as suas possibilidades de ascensão social diminuídas.
E é precisamente também o que se verifica na trajetória social e no percurso destes quatro “personagens” reais.
Nos finais da meninice, os sonhos e projetos, passavam por ser: cantor, futebolista, modelo, dançarina. E não passaram disso, de sonhos.
A escola arredia para todos.
A realidade mostrou-se cruel e a vida continuou madrasta.
Nascendo e vivendo em meios pobres, bairros desencantados, vidas desestruturadas, a rejeição da Escola, alguns no limiar ou no meio da pequena criminalidade, a idade adulta não se manifestou mais redentora.
E ainda que a “Crise” possa ser sempre considerada causadora da desgraça, da falta de perspetivas e de futuro, certo é que o estigma já lá estava, no meio social de nascença.
Os pobres tendem a continuar a ser pobres, ainda que nos custe e doa termos de admitir isso.
E quando não cumprem a Escola, que sendo um direito é também um dever, mais portas se fecham.
Por vezes e para alguns abrem-se portas de libertação, de que o futebol é um escaparate.
(Mas, para um Ronaldo, um Ricardo Quaresma, um Renato, quantos ronaldos, quantos quaresmas, quantos renatos ficam pelo caminho, nas margens transgressoras e cruéis da vida?)
É este desencanto, este desalento, esta falta de esperança, que o documentário nos mostra.
Tão mais difícil é essa desejada ascensão social, quando a construção do futuro e a idealização de projetos passam pela rejeição da Escola, pela ausência, pela fuga da mesma.
E dizem também os especialistas que a progressão nos níveis de escolaridade é também um meio e uma possibilidade de melhorar a sua condição social.
E o futuro daqueles jovens pouco progride face ao passado.
Melhoram materialmente as condições de vida, (melhoram?), pelo menos nalguns sinais. O acesso às novas tecnologias é já uma corriqueirice, ter um telemóvel topo de gama quem não tem? Nem gente é, se o não tiver!
Aliás esse é um dos modos de vida corriqueiros: calcorrear bairros e ruelas sujas, a vender pacotes redentores de acesso telefónico: Tele 2, Vodafone. As mesmas multinacionais, vendendo os mesmos pretensos sonhos ou soporíferos para sonhar. Os mesmos produtos, idênticos serviços, angariadores semelhantes, jovens desalentados, tocando campainhas e ouvindo negas, quando não más criações. Igual por todo o lado: globalização na sua pior faceta.
Este era o trabalho de Enzo, a criança púbere que cantava com o pai nos restaurantes à procura de umas liras ou de uns dólares, de algum americano transviado de Pompeia. (Ou de uns euros, não sei se em 99 já havia o euro!)
Em adulto recusava-se a cantar. Perdera a confiança em si mesmo.
Finalmente, e já após as filmagens terminadas, os realizadores tê-lo-ão convencido a aventurar-se novamente na cantoria e foi gratificante ouvi-lo e vê-lo interpretar uma das suas cançonetas tradicionais, enquanto o genérico do filme nos era apresentado.
Verdadeiramente esse foi o único momento redentor do filme documental. O único sinal de Esperança!
(E é interessante constatar que o público, que já se havia levantado para sair, a grande maioria dos espetadores nunca fica para ver o genérico dos filmes; algum público, perante a audição de Enzo, reteve-se na coxia e aí, de pé, concluiu a visualização do filme, ouvindo o jovem a cantar!)
E os outros três protagonistas?!
Das raparigas não as consigo distinguir pelo nome.
Uma delas, já mãe, com o companheiro mais uma vez na prisão. E agora também um irmão.
Cumpria os rituais de mãe, dona de casa e mulher em visita a familiares presos.
A outra rapariga, a que em miúda já ensaiava a dança no varão, pois é disso que agora faz profissão em part-time.
O outro rapaz vive ainda com a mãe, arredio da vida; e do trabalho, a fugir como diabo da cruz. Marcado pela ausência do irmão, morto, (colateralmente?), numa rixa de gangues controladores do mundo do crime napolitano e mundial.
Enzo tenta convencê-lo a trabalhar na venda dos pacotes telefónicos, ainda andou algum tempo nesse bate porta, janela e varanda, a angariar subscritores, mas acaba por enfastiar-se, que é “trabalho de escravo”.
Cenários reais, fachadas, corredores e casas dos bairros sociais, uns velhos, outros mais recentes, mas a mesma imagem de degradação e miséria. A célebre autoestrada, megalómana e prepotente, sobrevoando e espezinhando, em viaduto, por cima da cidade, dos bairros da pobreza e exclusão, lembrando também as cenas marcantes da série “Gomorra”.
Por vezes, imagens da baía, evasão e entretenimento (?) e do porto e os seus “negócios” portuários.
Marcante a imagem dos vulcões.
Em pano de fundo, sempre, o Vesúvio, a lembrar o passado, Pompeia, e a eventualidade e iminência de uma futura tragédia. Não sabemos é quando ocorrerá!
E é disto que trata o filme documentário: pobreza, exclusão social, desalento, desesperança, iminência de tragédia, conformismo e aceitação do destino, sem Destino!
Um realizador de cinema em crise de identidade artística e pessoal vai passar umas férias para umas termas.
Aí, é permanentemente “assaltado/atormentado” pelos seus fantasmas e fantasias profissionais e da sua vida privada. De tal modo que o previsto descanso se tornou num pesadelo.
A obsessão por criar um filme atormentava-o, na pessoa de todos os intervenientes em filmografias anteriores.
Produtores apresentando orçamentos, planos de produção, financiamentos.
Que dinheiro havia.
Atrizes exigindo atribuição de papéis e personagens pedindo textos, falas e noção do enredo. Críticos questionando as poucas ideias que iam saindo da mente do criador e, este, em crise criativa.
Sem roteiro, sem ideias para o filme, sem enredo, sem texto, sem definição de papéis, sem falas para as personagens, sem uma narrativa consistente, sem um guião orientador. Angústia suprema de um criador: a ausência de ideias!
O projetado descanso tornou-se num frenesim criativo, entre o real, dos utentes das termas, desfilando por um copo de água miraculosa, da chegada da amante, seguida da mulher e amiga; e o imaginário de todos os envolvidos no processo criativo na construção de um filme.
Neste, de Federico Fellini, um dos grandes mestres do Cinema, de quando a cinematografia europeia ombreava, sob todos os aspetos, com a americana; nesta película passam e perpassam as particularidades do Mestre, projetadas nas do realizador, ator no filme, personificado pelo ícone, Marcello Mastroianni, seu alter ego.
Filme a preto e branco, fantasiando e misturando a realidade e a ficção, na cabeça do ator/realizador, Guido Anselmi. Fantasmas imaginários (?) do subconsciente e pessoas reais.
A omnipresença das Mulheres: a mãe, a mulher, a amante, as atrizes dos filmes, a prostituta desencabelada do tugúrio da praia; a mulher ideal, personificada pela jovem, recatada e bela, Claudia Cardinali.
A relevância da censura, nomeadamente a religiosa, capaz de coartar a construção duma narrativa, da exposição de uma ideia, da apresentação de uma imagem, um corpo ou pose mais ousada de mulher, a presença e personificação do demónio.
A autocensura, fruto da educação de sotaina em instituição sacerdotal, (seminário? ou colégio de padres?). O castigo e suplício desmesurado, face ao desvirginar do olhar, perante a dança da prostituta, a troco de umas míseras moedas, arrebanhadas por crianças, à procura da sua iniciação sexual.
Todas estas imagens de um passado infantil, de uma educação castradora, recalcada no subconsciente, afloram na mente adulta do realizador Guido, constrangendo e tolhendo o ato criativo.
E todas estas dúvidas, perplexidades, hesitações, frustrações, reais e ficcionadas, constroem o próprio filme, na cabeça do realizador Guido e no projeto do Mestre Frederico.
E a cenografia sempre lá esteve à espera, os andaimes e as estruturas do derradeiro filme sempre lá estiveram, aguardando a redenção criadora de um guião, um roteiro, um enredo.
A construção megalómana e grandiosa do último filme ou de um próximo futuro (?), uma nave espacial em que no final desfilarão todos os personagens, atrizes, na maioria, que, durante o descanso ou devaneio (?) nas termas, foram atormentando o cineasta com as sua dúvidas, interrogações, formulação de desejos e pedidos.
E é vê-lo, o realizador Guido, projeção de Frederico, de megafone em punho, dirigindo todos aqueles atores e personagens reais, naquele desfile de loucos ou de crianças crescidas (?), nos passadiços da geringonça construída, ao som de uma mini orquestra de saltimbancos, tão ao gosto e saber de Fellini.
É um momento sublime e redentor! Verdadeiramente felliniano.
E a música de Nino Rota, outro ícone dos projetos fellinianos.
Filme datado?!
Não sei. Só sei que o filme tem que ser visualizado e usufruído atendendo ao seu aspeto formal e estético, contextualizado à época em que foi realizado. Ao enquadramento ideológico e político desses anos. Itália ainda do pós guerra, recuperando economicamente, com profundas assimetrias de desenvolvimento, em múltiplos fatores: sociais, regionais, económicos. Início dos anos sessenta do século XX, numa Itália governada pela Democracia Cristã, governos instáveis, com a oposição de um Partido Comunista forte e a omnipresença fortíssima da Igreja Católica.
Há situações que hoje nos parecerão talvez bizarrias. As discussões bizantinas com o intelectual hipercrítico, sobre a essência do filme, do papel do cineasta, da mensagem correta ou deturpada do texto, da função e móbil do cinema e da arte, talvez nos pareçam, atualmente, despropositadas e maçadoras, mas faziam parte da problemática ideológica, filosófica e estética, da época e do questionar do papel do Cinema enquanto Arte, ao serviço ou não de uma sociedade, e de uma classe social, ou não.
Há excertos do filme que se nos tornarão aborrecidos. Talvez.
Constatei que vários espetadores não regressaram do intervalo!
E esta análise não corresponde exatamente ao paradigma do que habitualmente é escrito sobre o filme?!
Foge aos cânones do consagrado e consignado sobre ele?!
Não?
Alguma da essência do filme nela perpassará... Atrevo-me eu.
Um clássico, de há mais de meio século, “8 e ½”, do Mestre Frederico Fellini, de 1963, teve honras de abertura. E quatro filmes recentíssimos, deste milénio.
“Anime Nere” / “Almas Negras”, de Francesco Munzi, 2014; “Suburra”, de Steffano Sollima, 2015; “Le Cose Belle” / "As Coisas Boas", de Agostino Ferrante e Giovanni Piperno, de 2013; e “Lo Chiamavano Jeeg Robot” / “ They Call me Jeeg Robot”, de Gabriele Mainetti, de 2015.
Visualizei o “Clássico” e o filme – documentário “Le Cose Belle”.
E, no final do mês, irá decorrer a “11ª Mostra do Cinema Brasileiro”, com um cartaz sempre muito apelativo. A que apetece sempre voltar.
Vai iniciar-se a 27 de Julho, com "Chatô - O Rei do Brasil" e, a vinte e oito, passarão "Em Nome da Lei", nomeadamente com estes três emblemáticos atores, figurando no cartaz.
Não posso de deixar de tecer alguns comentários sobre o filme supra citado, que foi transmitido na RTP1, no passado sábado, dia 20 de Fevereiro.
Filme dramático, alemão - norueguês, de 2012, de Georg Maas e Judith Kaufmann; com Juliane kohler, Sven Nordin, Liv Ulman, Ken Duken, Julia Bache-Wiig...
Katrine, papel desempenhado por Juliane Kohler, alemã, fugida da ex-RDA – República Democrática Alemã, Alemanha de Leste, ao tempo da Cortina de Ferro, é, supostamente, uma “Lebensborn” - crianças nascidas do relacionamento entre soldados alemães e mulheres norueguesas, ao tempo da invasão e ocupação hitleriana da Noruega, 1940/1945.
Levada, como muitas outras destas crianças para a Alemanha ainda durante a II Grande Guerra, após o término da mesma, teria ficado na parte Leste, ocupada pelos soviéticos e que daria origem à designada R. D. A.
Aí teria sido criada num orfanato, destinado a essas crianças.
Teria fugido da Alemanha de Leste, já em adulta, já após a construção da Cortina de Ferro e do Muro de Berlim, portanto nos anos sessenta do século XX, à procura da mãe, na Noruega. Essa fuga foi encetada de barco, de uma ilha remota da Alemanha de Leste, para a Dinamarca.
Aí terá chegado e daí terá ido para a Noruega, onde terá encontrado a suposta mãe, que a recebeu como filha.
Na Noruega constituiu família com um oficial da marinha de guerra norueguesa, teve uma filha e inclusive sendo já avó, à data da narrativa: anos noventa do século XX. Já após a Queda do Muro de Berlim, da Cortina de Ferro e da Reunificação Alemã!
Toda a estrutura narrativa é condicionada pela suposição de que Katrine seria uma “Lebensborn”. E este é o pressuposto da história do filme, da história de vida daquela mulher, daquela família.
Mas tudo isto é uma suposição.
Um pressuposto que vai sendo questionado durante o filme, na sequência de um julgamento internacional contra o Estado Norueguês, sobre esta situação das “Lebensborn”.
E o que se vai descobrir sobre Katrine?!
Pois, por confissão da própria, perante os familiares, marido, filha e suposta mãe, todo esse passado foi forjado, sendo ela, de facto, uma alemã, cujos pais terão sido mortos durante um dos bombardeamentos da II Grande Guerra, efetivamente criada num orfanato, mas não uma “Lebensborn”.
Mas sim agente da “Stasi”, a temível e pérfida Polícia Secreta da ex-RDA!
Imagine-se a bomba entre os familiares!
Toda aquela vida daquela família, com base naquela mulher, fora estruturada em mentiras sucessivas que foram sendo pouco a pouco afloradas e reveladas, na sequência do julgamento.
Esta é uma sinopse muito sintética deste filme tão dramático. Excelente! Merece ser visto e revisto.
E até onde vai todo esse desenrolar de acontecimentos, em busca da Verdade? Esse “descascar de cebola” da vida daquela mulher, esse abrir da caixinha das matrioskas, em que dentro de uma boneca vai surgindo sempre uma outra boneca?! Vidas dentro de vidas, sete vidas! O abrir da “Caixa de Pandora”!
‘Como pudeste viver com estas mentiras todas ao longo de todos estes tempos?!’ Ter-lhe-á perguntado o marido.
‘Graças ao vosso Amor! Nunca ninguém me amou na vida, além de vós!’ Ter-lhe-á respondido Katrine.
Mas será esse Amor suficiente e capaz de continuar a sustentar aqueles elos familiares, aquelas vidas? A sua Vida?!
Katrine decidiu ir-se denunciar, só, apresentando-se à Polícia Norueguesa.
E foi nesse trajeto na estrada, numa suposta paisagem típica norueguesa, que nunca fui à Noruega para saber, mas que imagino... Em plano de fundo, um fiorde, as faldas das montanhas graníticas, uma luz coalhada de cobres ensanguentados, uma estrada serpenteante e arrefecida de gelo... Nessa via sinuosa, uma falha nos travões, uma derrapagem no asfalto gelado, um guinar do carro, o sair do alcatrão e o embate nos rochedos! E, a breve trecho, o carro a incendiar-se.
Morte trágica, que a Vida fora uma tragédia. Fogo, incineração, cremação. Libertação e expiação.
Que não seria mais possível continuar a viver nem a sustentar tantas mentiras!
Tantas questões que a narração nos coloca. Inquietantes e perturbadoras!
Suscito mais uma interrogação: Terá havido uma derrapagem acidental ou foi ela propositada e perpetrada por Katrine?!
Também poderia subintitular este filme como “Estilhaços das Guerras”.
Que esta história, com um fundo verdadeiro, faz parte da História das Guerras: da II Grande Guerra e da Guerra Fria.
Para além do contexto de destruição que todas as Guerras promovem, enquanto decorrem: mortes de milhões de seres humanos e de outros seres vivos, destruição de bens, estruturas e serviços, de modos de vida... ainda continuam, mesmo após o seu término, a destruir, a problematizar as vidas dos inocentes, que querem viver em Paz!
Mas terá alguma vez, o Ser Humano, supostamente o Ser Mais Inteligente à face da Terra, alguma vez terá o bom senso para perceber que as Guerras não levam a lado nenhum?! Que as armas apenas destroem o que tanto custou a ser criado?!
Que não faz sentido continuar a produzir armamento apenas para destruir?!
Que as Guerras são cada vez mais destrutivas e de consequências cada vez mais globais e incontroláveis?!
Atente-se no que vivemos atualmente, nesta mesma nossa velha Europa!
A RTP1 tem estado a transmitir um Ciclo de Cinema Indiano, na sequência de outros Ciclos que já apresentou.
Mercê de algum preconceito relativamente ao Cinema de Bollywood, filmes realizados em Bombaim, atualmente Mumbai, não me interessei, “à priori”, pelos filmes. A imagem estereotipada dos filmes indianos que numa determinada época, julgo que nos anos setenta, enchiam a programação de muitas salas de cinema de Lisboa: danças muito coreografadas, música a jorros e um enredo em torno de uma jovem muito bela e pobre por quem um jovem rico e de casta superior se apaixona, as oposições familiares e, no final, casamento deslumbrante. Repito, este é, de algum modo o “cliché” associado a esta filmografia, quiçá injusto e reducionista. No programa, também da RTP1, julgo que “Agora Nós” não sei se patrocinado pela firma homónima de telecomunicações, o “boneco” criado por José Pedro de Vasconcelos, “o crítico de cinema indiano”, de algum modo também joga nessa estereotipia.
Pois, ontem, peguei-me a ver o filme que passou. Primeiro, de pé atrás, a ver no que dava. Depois fiquei “agarrado” e fascinado com a temática. Se o tema dos amores contrariados pela desigualdade social, cultural, religiosa, de castas, era fulcral no enredo... Acentue-se, que a sociedade indiana, apesar de ser a “maior Democracia do Mundo”, herança britânica; possuidora de uma cultura riquíssima e multimilenar, é estruturalmente uma sociedade profundissimamente desigual. Tremendamente desequilibrada, chocante nesse mesmo desequilíbrio!
Pois, se essa temática de amores frustrados enredava o enredo, a história era muito mais rica que apenas isso, e estava muito além disso. Diria antes que o filme é um filme de denúncia, é um filme verdade, que nos apresenta a realidade dura e cruel dos sofrimentos e humilhações, reforçaria este aspeto, humilhações, a que os seres humanos das castas mais baixas estão sujeitos, mais ainda os que não pertencem a nenhuma casta! Párias da Sociedade. Que era o caso da família e do jovem herói apaixonado do filme, Jabya. Cuja paixão era dirigida para Shalu.
Estava tão embebido na história, que na cena final, completamente inesperada, quando o jovem atira mais uma pedra ao opressor, qual David atirando-se a Golias, e o realizador direcionou a pedrada não ao agressor do filme, mas à câmara, ao cameraman e, consequentemente, ao espetador, a cada um de nós que víssemos o filme, pois, instintivamente, desviei rapidamente o rosto, como se a pedra me fosse dirigida. Magistral!
E esta cena final, inequivocamente, diz tudo. Além da revolta, justa, justíssima, do oprimido contra o opressor e contra séculos de opressão, ela é também uma pedrada arremessada à consciência dos espetadores.
E tenho dito! Imperdível, de visualização obrigatória. E uma prova que os estereótipos, que as ideias formatadas “à priori”, são muitas vezes completamente falaciosas.
Já tenho divulgado neste blogue várias iniciativas culturais realizadas no Concelho de Almada. Uma parcela pequena das que efetivamente se realizam. Das que tenho o grato prazer de assistir.
Uma parte efetivamente diminuta das possibilidades que esta Cidade nos oferece. Também nem de todas me debruço nos posts.
Nos mais variados e diversos contextos em que estes termos podem ser equacionados…
Um dos campos culturais que mais me motivam é o Cinema, a 7ª Arte, nos seus vários enquadramentos.
No Fórum Romeu Correia decorrem, ao longo do ano, vários Ciclos de Cinema.
Já aqui me debrucei sobre o 10º Ciclo de Cinema Brasileiro.
Outros decorreram entretanto, mas que não assisti.
Está a decorrer, conforme título em epígrafe, o 6º “Ciclo de Cinema Católico”.
Ontem, tive o grato prazer de assistir ao filme estoniano/georgiano, “Tangerines”, de Zaza Urushadze.
Já foram exibidos os filmes “Um Homem para a Eternidade”, de Fred Zinnemann e “Os Olhos da Ásia”, de João Mário Grilo.
Prevê-se, para hoje, sábado 12 de Dezembro, o filme “Timbuktu”, de Abderrahmane Sissako.
O filme de ontem, 6ª feira, e o de hoje, sábado, substituem o inicialmente previsto “Os Dez Mandamentos I e II”, de Roberto Benigni, que não pôde ser apresentado, segundo me esclareceram, porque tiveram um problema com a legendagem do original.
Amanhã, domingo dia 13 de Dezembro, está previsto o admirável filme soviético “Andrei Rublev”, de Andrei Tarkovsky.
Lembro-me de o ter visualizado, quando foi estreado em Portugal, na década de oitenta, 1983, no saudoso Cinema “Quarteto”.
Sobre este Ciclo de Cinema e a sua designação, gostaria de questionar.
Que sentido faz nomear este Ciclo de Cinema como “Católico”, apenas Católico?!
Tenho consciência que a organização pertence a pessoas e estruturas da Igreja Católica, ponto final. Presumo que de Almada. Mas esse aspeto, per si, justifica o nome?!
Não será reducionista “etiquetar” o Ciclo como “Católico”?!
A temática da filmografia é muitíssimo mais alargada, sob todos os aspetos, tanto num contexto espacial como temporal. Em todos os âmbitos culturais. E sociais. Religiosos até!
Num contexto de “Mundo Global”, o título do Ciclo limita muito e “à priori” restringe demasiado os assuntos, os temas, os problemas que posteriormente são abordados nos filmes que são riquíssimos e muito bem escolhidos.
Será que não faria mais sentido designar o “Ciclo” com um título mais abrangente e mais globalizante, tanto no que respeita às temáticas, como aos objetivos, salutares, frise-se, que este “Ciclo de Cinema” nos proporciona?!
Se fosse intitulado de “Cristão” seria mais abrangente tanto espacial como temporal e culturalmente. Ainda assim seria reducionista.
Se a designação fosse “Ecuménico”, o título aproximar-se-ia cada vez mais do conteúdo e móbil do Ciclo, mas ainda assim não abrangeria toda a riqueza ideativa da respetiva filmografia.
Talvez, e repito talvez, o termo “HUMANISTA” seja o mais adequado. Apesar de nos podermos também interrogar se com esta palavra, ao centrarmos o tema no “HOMEM”, não estarmos também, de algum modo, a restringir a ideia de “DEUS”.
E a “idealização divina” perpassa sempre explícita ou implícita nas temáticas abordadas.
Mas não terão os credos religiosos na sua base o “HOMEM” na sua elevação para “DEUS”?
E não é o Homem que importa “trabalhar”, para o fazer “alcançar” Deus?!
Um contraponto à crescente "desumanização" das Sociedades.
Deixo estas reflexões à consideração dos organizadores.
Ah! E Parabéns pelos belos e excelentes filmes que nos proporcionam!
Nota Final: Foto original de D.A.P.L. - Solar dos Zagallos, Sobreda, Almada, 2015.