Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Filme documental: “Simonal – Ninguém sabe o duro que dei.”
Fórum Municipal Romeu Correia
Auditório Fernando Lopes Graça
ALMADA
As “Mostras de Cinema Brasileiro” habitualmente contemplam filmes e documentários interessantes que nos reportam para a realidade do Brasil, perspetivando uma montra da filmografia mais ou menos atual daquele país.
Temos a oportunidade de apreciar enredos que focam um pouco do que se passa, tanto no aspeto social como político do país irmão, apresentados por artistas que muitos conhecemos das novelas e assim temos oportunidade de apreciar noutro registo artístico.
A 11 ª Mostra trazia-nos um leque variado desse cinema realizado no Brasil.
Fiquei aquém das visualizações previstas, houve alguns filmes que planeara ver, mas que não tive oportunidade.
“Em Nome Da Lei”, “Sorria, Você Está Sendo Filmado” e “Trinta” eram filmes que gostaria de ter visto, não só pelas temáticas e registos abordados, como pelo leque de atores e atrizes presentes.
Ainda assim vi o documentário “Simonal – Ninguém sabe o duro que dei”.
É natural. Foi um cantor brasileiro, (1938 – 2000), que alcançou grande popularidade no Brasil e América Latina, na segunda metade da década de sessenta e ainda nos inícios da de setenta, mas que, mercê da má fama que se lhe colou à pele nessa época, foi praticamente banido da cultura musical brasileira, tanto da parte dos media, como pelos seus pares e pela classe sócio profissional ligada à música. Sendo ostracizado por muitos, por mais de vinte anos, meados de setenta a inícios de noventa, como se praticamente não tivesse existido.
Também não tenho propriamente memória do artista, mas há êxitos musicais de que me lembro, não sei se cantados na sua versão dos mesmos, se por outros comparsas.
Lembra-se de “País Tropical”, “Alegria, Alegria”, “A Tonga da Mironga do Kabuletê”?
Se quiser entender melhor sobre o artista consulte aqui, S.F.F.
Mas que “má fama” foi essa?
Na época, inícios de setenta, o Brasil vivia numa ditadura militar, (1964 – 1985), altamente repressiva e Wilson Simonal, na sequência de um processo mal esclarecido contra o contabilista da sua firma “Simonal Produções Artísticas”, haveria de ser acusado de informante do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social, instrumento da ditadura na repressão aos opositores do regime.
Esse processo com o contabilista e a sequente acusação de delator destruiram quase completamente a sua carreira, que estava no auge.
E retornando ao documentário, de Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal.
Este documento fílmico, de 2009, perspetiva a vida artística do cantor, dando-nos uma visão da sua qualidade musical e performativa, dos seus sucessos, da sua ascensão e queda e também da injustiça da acusação que lhe foi feita, atribuindo-lhe uma “nódoa comportamental” que praticamente nunca conseguiu limpar em vida e que o levou à destruição, enquanto artista e como ser humano, tendo morrido relativamente novo, sessenta e dois anos, vítima de depressão e alcoolismo.
Esse documentário apresenta a visão de diferentes personalidades que lidaram de muito perto com o cantor, privaram ou trabalharam com ele, em contextos diversos e ao longo da sua vida. Casos de Chico Anysio, Pelé, Nelson Motta, Luís Carlos Miele…
Também da segunda mulher e dos filhos do primeiro casamento, também ambos artistas.
Jornalistas do “Pasquim”, que tanto humorizaram sobre a hipotética delação, também testemunharam.
Bem como um depoimento do próprio Raphael Viviani, protagonista do célebre episódio do contabilista / “contador”.
Globalmente o documentário pretende resgatar a memória do artista e do homem, considerando-o injustamente “condenado” pelos media, pela opinião pública e pelos fazedores dessa mesma “opinião”.
É muitíssimo interessante de rever. E tem momentos sublimes de que destacaria o dueto com Sara Vaughan. A atuação no Maracanã. A canção dedicada a Martin Luther King.
Iniciou-se, anteontem, dia 27 de Julho, 4ª feira, e vai continuar até 31 de Julho, a "11ª Mostra do Cinema Brasileiro”, no Fórum Municipal Romeu Correia, em Almada.
O filme de abertura: “Chatô – O Rei do Brasil”, de Guilherme Fontes, com Marco Ricca como protagonista, desempenhando o personagem de Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, “homem público” de grande influência no Brasil, nos anos quarenta a sessenta, do século XX.
“Personagem ” controverso, tal como o próprio filme e igualmente cruzando-se com outro homem político brasileiro, também suscetível de múltiplas controvérsias e contradições, sobre quem também já falei no blogue, de igual modo através de filme, da “ 10ª Mostra”: “Getúlio” Vargas.
(Remeto para os links que na wikipedia abordam sobre o filme e sobre o magnata da comunicação social. Ajudam-nos a entender melhor o enquadramento do enredo.)
Supostamente o filme reporta-nos para a vida deste truculento jornalista e empresário, construtor de um império comunicacional no Brasil e na América do Sul, iniciado ainda nos anos vinte, a partir de jornais, continuado com a rádio, logo que este meio de comunicação ganhou relevância, “Rádio Tupi” e prosseguido com a televisão, mal ela despontou, “TV Tupi”.
Empresário, político, mecenas, advogado, professor de direito, escritor, homem de múltiplas facetas, que em 1960 sofreu uma trombose, sem ter deixado de trabalhar até à morte, ocorrida em 1968.
O filme, de uma forma original e divertida, remete-nos para essa vida “excessiva”, melhor, “bem preenchida”, como se ele estivesse a ser julgado num programa televisivo em direto, numa hora de maior audiência, ("atingiu" 98% de share), denominado “O Julgamento do Século”.
Como Júri de Tribunal estão as outras personagens da sua vida: a primeira mulher, Maria Eudóxia (Letícia Sabatella); a primeira sogra, Zezé Polessa; a segunda mulher, Lola (Leandra Leal); a segunda sogra, Consuelo, (Eliane Giardini); Getúlio (Paulo Betti), …
Nesse suposto julgamento, transmitido ao vivo e em direto na TV, perpassam as suas vivências, segundo as perspetivas dos outros personagens e segundo o seu próprio crivo pessoal meio alucinado, de homem, sofrendo de trombose e prestes a falecer.
Aliás, a sua morte ocorreria no próprio final do filme, ou do programa (?). (Também de forma peculiar e desvairada, segundo a sua visão pessoal e já, ou sempre (?) tresloucada.)
O seu relacionamento com as mulheres, as diferentes visões dos seus desempenhos contraditórios nas diversas funções exercidas; a relação ambivalente com Getúlio Vargas, ora apoiando-o, ora denegrindo-o; a sua ação no mundo empresarial e político, chantageando, sacaneando, ameaçando; usando os meios comunicacionais de que dispunha, lançando boatos, atoardas, ataques, calúnias, para atingir os seus objetivos, os seus fins, sem olhar a meios.
Agindo de uma forma divertida, modos galhofeiros, sempre na busca do prazer e do seu interesse pessoal e na realização dos seus projetos e objetivos, pelo menos aparentemente é esta a perspetiva do realizador.
Em suma, se havia princípios, valores, atitudes, comportamentos, que ele menosprezava, achincalhava, sempre debochando, eram os da Ética.
Daí a ironia do filme, sujeitando-o a esse hipotético julgamento ao vivo e em direto, “reality show”, no seu próprio ambiente e modo de vida, os "media", já após a trombose, expondo-o à análise e valoração das pessoas com quem se envolveu na vida real e outras ficcionadas, caso da personagem Vivi Sampaio (Andréa Beltrão), de algum modo, a construção do realizador de uma suposta “mulher ideal”, melhor, “musa inspiradora”!
O personagem Carlos Rosemberg, (Gabriel Braga Nunes), inicialmente colaborador e aliado no mundo da comunicação social e posteriormente rival, também é ficcionado.
Os restantes personagens fizeram suposta e realmente parte da vida do protagonista.
O filme procura transmitir-nos essas variadas faces do personagem, num registo irónico, sarcástico, cómico, mesmo no lado trágico da doença e subsequente tetraplegia.
Muitas vezes galhofeiro, que supostamente esse terá sido o registo dominante na sua vida pessoal e pública!
O filme e o respetivo realizador, eles mesmos também objeto e sujeito de polémicas.
Trabalho que merece ser revisto, como forma de análise não só da(s) vida(s) do personagem, mas do próprio objeto artístico e documental (o filme).
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Algumas notas finais não sei se propositadas, se despropositadas, mas certamente contextualizadas:
1ª – O ar condicionado não estava a funcionar.
No Auditório Fernando Lopes Graça, onde foi projetado o filme, não se esteve propriamente mal, embora com algum desconforto. Mas no hall do Fórum estava-se péssimo.
Para além do óbvio e imediato, arranjar o sistema de refrigeração, o mediato:
- Quando é que os “nossos” arquitetos, engenheiros e urbanistas estruturam as nossas cidades e edifícios, de modo a minimizarem os efeitos térmicos?!
2ª – Nesta 11ª Mostra não houve direito a “brinde”?!
(…) (???)
Na 10ª Mostra houvera um agradabilíssimo, refrescante e refinado beberete!
E com estas notas termino que o calor já aperta novamente.
E ainda gostaria de visualizar mais alguns filmes da “Mostra”.
Que, frise-se, tem o apoio da Embaixada do Brasil.