Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Perto de Monte da Pedra. Junto à estrada para a Cunheira.
(A visita à “aldeia” do Chamiço "deu pano para mangas".)
De regresso, já quase sol-posto, o Amigo Casimiro achou por bem irmos visitar a “Laje de Santo Estevão”.
Saindo de Monte da Pedra para a Cunheira, passado o entroncamento com a estrada do Monte para o Crato, onde se localizam as antigas Escolas Primárias – tristeza, tanto abandono! – e dois “palacetes”, que também já tiveram melhores dias, talvez nem um quilómetro, logo vemos uma placa em madeira, assinalando o local rústico.
Mais uma distância curta, em caminho vicinal, logo estamos perante este sítio geológico. Não é um espaço que dê muito nas vistas. É uma laja. Logo rasteira. Mas de uma extensão deveras considerável. As fotos não são suficientemente elucidativas, face à dimensão do local. Uma foto através de drone mostrar-nos-ia muito melhor a dimensão, ou através do google maps. Não sei. Dou o que tenho e sou capaz! (Não tenho drone, nem sei usar e através do google não seria foto minha.)
Junto ao lajedo está uma antiga casa em ruínas, toda construída em pedra.
Uma questão que me surge sobre a lajem. Será que nos tempos das debulhas e descamisadas esta lájea seria utilizada para tal fim?! Quem sabe?!
Volto a escrever sobre esta atividade agrícola tão peculiar.
Ao observarmos estes trabalhadores a desenvolverem esta labuta, há algo que se releva de imediato.Para além do esforço físico exigido, a maestria do desempenho, o empenhamento e cuidados que se observam, esta tarefa é puramente humana, com recurso a um instrumento elementar: a machadinha.Basicamente temos: a Árvore, o Homem e a Ferramenta! Uma interação entre três elementos, numa luta desigual, em que o sobreiro, numa postura aparentemente passiva, premeia a capacidade do profissional que o enfrenta neste combate. Ofertando-lhe, como prémio, a preciosidade da sua casca, da sua couraça protetora: a cortiça!
A tecnologia é por demais rudimentar. Apenas a machada. Ela mesma também tão original e tão adaptada à função a exercer e à dimensão do seu possuidor e dono. A lâmina de corte é em forma de meia-lua. Para, ao cortar, ao vincar os cortes longitudinais ou transversais, ao descascar, permitir o descasque, sem ferir, sem magoar a planta. É uma ação de luta, mas também se vislumbram sentimentos de carinho, de consideração, ousaria dizer até de amor pela árvore, que resiste, mas também se entrega a quem a abraça, sim, para medir o tronco, conhecer as possibilidades de agir ou não, também se abraçam as árvores! E sempre, sempre, o ser humano - o trabalhador; o ser vegetal e o utensílio humano aliado à sabedoria, à técnica, ao fazer, ao saber fazer. Ancestral! Medieval! Centenário! Milenar?!
O cabo de madeira, de azinho(?), termina não cilindricamente, mas num espigão, para penetrar a casca, para a descascar, retirar a cortiça do tronco, sem o ferir. Com a machadinha, tanto se usa a lâmina, quanto o espigão, numa alternância funcional, para se obter o resultado final: o sobreiro descascado, descortiçado. Descortiçamento!
Finalizando este postal: num mundo em que a tecnologia invadiu todos os modos de produção, seja na agricultura, na pecuária, agropecuária, agroindústria, em todas as indústrias, em todos os setores económicos: secundário, terciário; esta função, labuta, faina agrícola, mantém-se artesanal. Artística, até!
Até quando?! Até quando haverá Homens capazes de exercer este mister ancestral?!
(Esta pergunta, dúvida, inquietação, foi-me transmitida, de certo modo, pelas vozes de alguns dos intervenientes neste processo, quando fomos conversando.)
(Apresento mais uma foto documental, em que se observam dois dos intervenientes diretos: o Eng. Nuno, da Sertã e outro senhor, da Cunheira, de que ainda não consegui saber o nome. E as respetivas machadinhas em funcionamento, labutando com o sobreiro. Também se repara noutro senhor, do Crato, que se encarregava de acarretar as pranchas da preciosa cortiça para a camioneta. Aqui, sim, já as modernidades são usadas, há décadas. Não os antigos carros de bois, até aos anos cinquenta, quiçá inícios de sessenta, do século XX, mas as furgonetas.)
Ainda apresentarei foto global com todos os participantes, interventores diretos ou não.
Obrigado e Saúde!
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Hoje, terceiro dia de Verão, este vem envergonhadíssimo! Que até no Alentejo chove! Mais parece uma Primavera retardada. Um mês de Março ludibriado!
O Topónimo “Aldeia da Mata” define a localidade na sua essência, aldeia: pequena localidade, geralmente com poucos habitantes, núcleo populacional feito de casas contíguas, tipo alentejano. “Nos começos da Nacionalidade designava não uma povoação mas um casal ou herdade existente num sítio ermo.”(1)
Quanto ao primeiro termo do topónimo, Aldeia, entende-se facilmente o seu significado.
No referente aos outros, da Mata, já se nos levantam interrogações, dado que na atualidade não existe nenhuma mata significativa, justificativa do topónimo.
Mas se o nome consagra esses termos é porque terá existido alguma mata importante, para que a povoação tenha incorporado essa nomenclatura. Que mata terá sido essa, suficientemente importante para daí derivar o nome de Aldeia da Mata?!
Nas Memórias Paroquiais consultadas, séc. XVIII, já não há qualquer referência a essa Mata.
Mas, segundo diversos autores, essa mata existiu e dela deriva o topónimo.
Alarcão, J., in Revista Portuguesa de Arqueologia, volume 15, 2012, menciona esse facto, a partir do documento de doação da herdade que D. Sancho II, em 1232, fez à Ordem dos Hospitalários, mais tarde designada por Ordem Militar de Malta, consultado a partir da respetiva publicação em 1800, por José Anastácio Figueiredo.
O documento refere que um dos limites dessa Herdade é a mata de Alfeijolas.
Curioso que o nome Alfeijolas persiste na região, no termo Alfeijós, designando a Ribeira de Alfeijós, com vários nomes, conforme os locais por onde corre.
Inicialmente designa-se Ribeira do Fraguil e tem origem em ribeiros que nascem a norte do Monte da Taipa. Corre a leste da Cunheira, dirige-se para sul, passa nos Pegos, adquirindo o respetivo nome: Ribeira dosPegos.
Correndo na direção norte-sul atravessa a Linha do caminho-de-ferro do Leste, e a sul desta Linha, adquire o nome de Ribeira de Alfeijós. Corre a oeste dos “Cabeços do Barreiro”, Altos Barreiros, cuja cota mais elevada, 194 metros de altitude, se situa no monte de ALFEIJÓS.
A jusante situam-se dois Montes de habitação, também designados de Alfeijós: a leste da Ribeira, o Monte de Alfeijós de Cima e a oeste, o Monte de Alfeijós de Baixo.
A mencionada Ribeira de Alfeijós desagua na Ribeira de Seda, a jusante da foz da Ribeira de Cujancas e a montante da ponte romana de Vila Formosa.
É pois interessante que ainda atualmente o nome de Alfeijós, corruptela de Alfeijólas, persista na região, embora não existam sinais da referida mata.
As Memórias Paroquiais de 1758 também referem a Ribeira de Alfeijolos, assim designada pelo pároco da “villa” de Seda, embora já não referenciem a mata.
Qual o espaço territorial ocupado por essa mata que em 1232 seria significativa e foi inclusive, nessa época, motivo de disputas pela sua posse?!
As matas eram uma fonte de sustento, de recursos energéticos, de matérias-primas, sendo muito relevantes para povos e localidades. Mas estiveram sempre sujeitas a delapidação constante: corte, desbaste, fogos, arroteamento para agricultura.
Seria certamente uma mata de árvores e arbustos próprios destas condições climáticas: azinheira, sobreiro, carvalho negral, carrasco, zambujeiro. Medronheiro, aroeira, sanguinho e, entre as plantas mais arbustivas, a giesta, a esteva, o trovisco, a silva, a madressilva, etc. Ao longo das linhas de água, a mata ribeirinha: freixos, salgueiros, choupos, sabugueiros...
E geograficamente, ocuparia apenas a região atualmente a sul da Linha do Leste, onde persiste o respetivo nome? Prolongar-se-ia para norte, pela bacia hidrográfica da Ribeira de Alfeijós/Pegos/Fraguil até à Ola e Taipa? Ocuparia o território entre esta Ribeira e a Ribeira de Cujancas, inclusive ultrapassando-a e aproximando-se do espaço da atual freguesia de Aldeia? Teria uma área ainda mais vasta, conforme alguma documentação faz supor?!
Segundo o documento de 1232, esta “Matam de Alfeigolas” fazia parte dos limites da referida herdade. Curioso que o limite sul/sudoeste do atual concelho de Crato também se situe precisamente a sul/sudoeste de Aldeia da Mata. Outros limites do atual concelho do Crato também coincidem ou se aproximam de limites dessa herdade, referidos no citado documento de doação por D. Sancho II, à Ordem dos Hospitalários ou de São João de Jerusalém, designada por Ordem Militar de Malta, a partir de 1530.
A oeste, o Sume; a norte/noroeste e nordeste, o Rio Sor em parte significativa do seu percurso; a leste, Almojanda e parte do troço da Ribeira de Seda, sendo que esta Ribeira também delimita a sul. Ainda a sul, o limite segue numa linha relativamente paralela entre as Ribeiras do Cornado e de Linhais, pelos Cabeços de S. Lourenço e de S. Martinho. Ainda nesta direção sul, Alter do Chão, também é referida no documento como um dos limites.
E, frise-se, a mencionada Mata de Alfeijolas como um dos limites da herdade.
A mata existente no século XIII (1232), já não existente no século XVIII, até quando terá persistido enquanto tal?
Teria sido o nome da aldeia alguma vez Aldeia da Mata de Alfeijolas? Haverá documentos comprovativos? Ou terá sido sempre Aldeia da Mata, dada a importância da própria mata?!
Nota final:
- Agradecimento ao Srº Carlos Eustáquio pela prestimosa colaboração na consulta das Cartas topográficas referentes aos concelhos do distrito de Portalegre.
Fontes de Consulta (algumas):
- ALARCÃO, Jorge; Notas de Arqueologia, Epigrafia e Toponímia; Revista Portuguesa de Arqueologia, volume 15; Direção Geral do Património Cultural, 2012.
- FIGUEIREDO, Jozé Anastasio; Nova História da Militar Ordem de Malta, e dos Senhores Grão-Priores della, em Portugal; Officina de Simão Thaddeo Ferreira, Lisboa, 1800.
- MACHADO, José Pedro; Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Livros Horizonte, 7ª edição, 1995.
- SAA, Mário; As Grandes Vias da Lusitânia, o Itinerário de Antonino Pio, Tomo II, MCMLIX.
- (1) Lexicoteca, Moderna Enciclopédia Universal, Círculo de Leitores, Tomo I, 1ª edição, 1984.
- Cartas Topográficas do Instituto Geográfico do Exército.