Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Voltamos às perguntas do Rei, Dom Dinis, a Dona Isabel, a Rainha.
E às respostas.
Face à primeira, “- Onde ides…?”, a Rainha foi lesta, expedita.
- Pois saiba, meu Senhor e Rei que eu e minhas damas de companhia e de corte vamos a um “passeio higiénico”, aspirar uns ares puros da serra e brisas do mar. (Isto supondo que estaria em Óbidos). Não queremos saber de confinamentos, aliás, ninguém quer saber.
E que levais no regaço? Repetiu Sua Alteza Real, Dom Dinis.
Esta é que era a questão fulcral, pois toda a gente sabia que a Rainha era uma esmoler, que dava a pobres e necessitados e o Rei um sovina, que achava que ela delapidava o tesouro real, com uns papo secos que ia distribuindo aqui e ali, pelas terras onde se deslocava a corte.
E essa fora a razão pela qual Dinis antecipara a sua vinda das javalinas.
E qual a resposta de Dona Isabel? (…)
Um murmúrio de vozes foi ecoando…
São rosas, senhor, são rosas… São rosas, senhor, são rosas… São rosas, senhor, são rosas…
O povoléu, incomodado com a interpelação do rei e querendo defender e ajudar a rainha, que estimavam e também sabedor da necessidade dos pãezinhos que lhes matavam a fome, recitava esta cantilena ancestral, pois também todos conheciam a estória do milagre.
“São rosas, senhor, são rosas…”
O Rei - o homem, Dinis, estava atónito, com aquele vozear em surdina pela barbacã, ecoando nas muralhas do castelo palaciano.
E a Rainha, continuava segurando o avental carregado e arrebanhado no regaço.
(E, agora, Caro/a Leitor/a, façamos um pequeno interregno, para nos questionarmos.
Acha que a Rainha, Dona Isabel, a Rainha Santa, trazia pãezinhos ou eram realmente rosas?!)
Isabel de Aragão, Rainha de Portugal, saía, com suas damas de companhia, do castelo, palácio onde vivia e estava estabelecida a corte. No séquito de mulheres que seguiam a rainha, nas suas visitas pela cidade, iam todas vestidas de burel penitencial, dada a época do ano, Semana Santa e o propósito da saída precária do confinamento: dar de comer aos pobres.
Aproveitavam a ausência do Rei que teria ido para as suas caçadas noturnas, não sabemos se de javalis, se também de javalinas.
Mal se haviam deslocado da antecâmara do paço para o exterior, logo se ouve o tropel de vários cavaleiros, comandados pelo Rei.
Estancaram as montadas, na entrada do alcácer, frente às damas, que estremeceram num frémito de temor e prazer, face aos mancebos e homens de montaria do Rei. O próprio: Dom Dinis, Rei de Portugal e dos Algarves!
Só Isabel permaneceu impávida e serena, perante o marido, senhor e rei. O avental arrebanhado no regaço, onde levaria pães, carcaças, pães alentejanos, ou de rio maior, para distribuir pela pobreza das ruelas e becos que rodeavam o castelo, um emaranhado e intrincado labirinto de habitações, mal acabadas, aonde pensavam dirigir-se.
Aliás, todos os que pediam de ofício, pobres, mais ou menos necessitados, também aleijados ou doentes, de qualquer maleita ou defeito de fabrico ou de vida, já deambulavam nas redondezas da barbacã, onde abancavam, mal sabiam da presença da Rainha no paço. Sempre esperando a sua possível saída. A fama de santidade já a aureolava, circulando nas redes sociais da época. Boca a boca, o diz que disse, e assim por diante. Alguns pregões nas tabernas, beatas nas igrejas e capelas.
Como e porquê o Rei chegou antecipadamente, sem ser previsto, vai lá saber-se…
Como, já sabemos. Veio a cavalo.
Porquê?! Talvez algum mensageiro, desejoso de lhe agradar, tivesse comunicado com Dinis, avisando-o da saída do confinamento da Rainha. SMS também havia na época: pombos correios. Não sei se outros meios.
Certo, certo, é que ainda o sol mal despontara para as bandas de Espanha, e a Rainha se ausentava…e, Dinis, o Rei, a interpelava:
- Onde ides, Isabel, tão fresca e airosa, ainda o sol mal nasceu?!
- E que levais no regaço, tão atafulhado?!
Logo, não apenas uma, mas duas perguntas, a exigirem resposta.
(Na localização da ação, deste micro conto, imagino o castelo de Estremoz ou o de Óbidos, ambos locais onde Dona Isabel esteve, quase de certeza. Óbidos foi prenda do Rei, como dote e em Estremoz foi onde morreu. Como não tenho nenhuma foto do Castelo de Estremoz e várias do de Óbidos, vai mais uma fotografia do Castelo de Óbidos, a ilustrar o postal.)