Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Li, logo pela manhã, em “Ana D.”, em “Sardinhasemlata”, que hoje era o “Dia Internacional da Tolerância”. (Suscitou-me o comentário escrito no respetivo postal.)
Ainda bem que há um dia de Tolerância. Porque o que mais abunda, por aí, é a Intolerância.
Desde logo nas redes sociais, nomeadamente na que conheço e que uso, esta dos blogues. É só nós olharmos e vermos. E lermos!
Há dois temas em que a intolerância é rainha: no futebol e na política. Há pessoas enfeudadas a determinados clubes e partidos, que estão completamente encasteladas, entrincheiradas. É só o clube delas! Só conta o partido em que militam ou simpatizam!
A tolerância precisa ser cultivada, trabalhada, nas relações interpessoais.
Desde logo na Família! (…)
Na Escola! (O bullying!) (…)
Nas Empresas / Instituições…, locais de trabalho! (O assédio! Nas suas múltiplas vertentes) (…)
Entre os Partidos: Saberem respeitar as ideias uns dos outros, dialogar, chegar a consensos, fazerem acordos, negociar medidas de conjunto, globais. Em função dos Cidadãos que dizem defender…
No Desporto! (Fair-play). (…)
E, fundamentalmente, entre os Estados, Nações, Povos…
Entre Religiões, credos religiosos! (Espírito Ecuménico!) (…)
Tantas guerras absurdas, sem sentido, que grassam por esse mundo fora, provocadas por chefias despóticas, sanguinárias que, para se manterem no poder, destroem, matam indiscriminadamente povos que subjugam.
Isto está tudo ligado: É pescadinha de rabo na boca! / Conversa é como cerejas!
Neste fim de semana, de sábado para domingo, terminou o “Estado de Emergência”. Mas entrou em vigor o “Estado de Calamidade Pública”. Também no final de domingo, 3 de Maio, terminou a proibição de circular entre concelhos.
Mas 2ª e 3ª feira e hoje, quarta, parece que o pessoal, praticamente desconfinou de todo. Grupinhos nas bombas de gasolina, no Mac’s, nos bairros, nas tabernas... Os passeios com os caniches são prolongados, as cavaqueiras…
A modos que a interpretação do assunto se ficou pelo levantamento do “Estado de Emergência”.
Mas a “Emergência Sanitária” mantém-se. A Covid continua ativa!
(Mas “anda tudo de pata alçada!” para o passeio: Isto é, o pessoal e os caniches.)
A pressa de descomprimir é natural. Tantos dias confinados…
Algumas das mensagens implícitas também contribuíram para tal.
Oficialmente, a comemoração do 25 de Abril, da forma como foi feita não foi correta. A celebração do 1º de Maio, idem. (Não concordei! E que importa a minha opinião?!)
Curiosa, nestas sequências, a atitude da Senhora Ministra da Saúde praticamente a autorizar, até a incentivar, a celebração de Fátima, com pessoas: fiéis, peregrinos, remetendo essa decisão para as autoridades eclesiásticas. Surpreendente, no mínimo, não acha?!
Presente envenenado, achei eu!
As autoridades eclesiásticas, que já andam nestas lides há milénios, não aceitaram o presente. E fizeram muito bem!
Portugal tem tido uma atuação exemplar, no contexto da gestão da pandemia. Da parte das Autoridades, consonância entre os vários poderes, entre oposições. E a postura do Povo Português que aceitou confinar-se, sem grandes alardes.
Atualmente é necessário, de facto, começar a reativar a Vida, económica, social, etc. Mas nos setores económicos realmente importantes e fundamentais em termos da Vida das Pessoas. Com cautelas! “Cautelas e caldos de galinha não fazem mal a ninguém!”
Nalguns setores não vejo qualquer sentido. No futebol! Bem sei que anda ali muito dinheiro em jogo. Aliás, é precisamente aí que reside o busílis da questão. O “Money” que os clubes, os “Grandes”, querem auferir, para pagarem as despesas milionárias, as dívidas que contraíram. Houvesse um pouco de bom senso e pura e simplesmente o campeonato era dado como terminado. Sem subidas nem descidas, sem vencedores nem vencidos! Mas anda ali muita ganância… Porque se terminaram várias modalidades, outros escalões, porque persistir em recomeçar o futebol?
No jogo vão manter a distância social de dois metros? Quem não cumprir, é autuado?
Nos jogos, mesmo sem público, como evitar as concentrações e os atropelos dos fanáticos? Vão destacar forças de segurança para acompanhar esse pessoal pelo país? Vão decretar proibição de circulação nos dias dos jogos?!
E as equipas das Ilhas?! (…)
Senhores Decisores, tenham coragem e terminem o Campeonato e a Taça! Já!
E, futuramente, haja a moralidade de não pagar salários astronómicos, de dividir prémios entre todas as equipas do campeonato. Sim, porque os que ganham, por serem mais ricos, fazem-no à custa dos mais pobres, em quem “andam a bater” todo o campeonato.
E, meus Caros Senhores e Senhoras, sabem o que é andar nos comboios e metros da Grande Lisboa, atulhados de gente?!?!?!
E mantenham as fronteiras fechadas ao “turistame”. Senão, espanholadas, inglesadas e francesadas invadem isto tudo, à procura da tranquilidade. Trazem euros, sim, mas se fosse só isso que trouxessem!
E os corredores de camiões e camiões, continuamente, Lisboa e porto seco de Badajoz?!Vias férreas indispensáveis. Reativação funcional de linhas por esse País, nomeadamente a de Leste e Ramal de Cáceres!
E tenho dito! Que já vai longo o texto… Qu’isto é tudo “pescadinha…” ou então como as cerejas…
Ontem, sábado, dia 2 de Janeiro, a RTP2 brindou-nos com mais um dos seus excelentes documentários, no cumprimento da sua função de “serviço público”.
Não sei porque este conceito não deveria ser aplicado a todas as televisões, mesmo às “designadas privadas”, que maioritariamente só produzem esterco das “quintas” e “caixas de segredos”… Adelante… que se faz tarde!
Este documentário com o título de “O Caminho de Ferro Impossível”, centrando-se na designada “Linha do Douro”, que do Porto seguia a Barca de Alva, em território português e, posteriormente, através de La Fregeneda, seguia para Salamanca e por essas “Espanhas” até à Europa. Analisando o assunto em diferentes perspetivas, com múltiplos e esclarecidos interlocutores, abordando e mostrando dificuldades, mas sugerindo, quiçá equacionando, também possíveis aberturas e soluções…
Uma parte desse trajeto está desativada, desde finais dos anos oitenta, nomeadamente do Pocinho até Barca de Alva. Bem como desativada está a parcela que percorre paralela ao Rio Águeda, na margem direita, já em Espanha e que seguiria para a Cidade Salamantina.
Muitos agentes sociais, de natureza pública e privada, almejam a reabertura da totalidade da linha, pelo menos para fins turísticos, embora alguns dos intervenientes também vislumbrem outras possibilidades de exploração rentável.
Toda a Linha do Douro é um trajeto espetacular, especialmente quando serpenteia paralela ao Rio ou o atravessa nas suas majestosas pontes do século XIX.
Nos finais de setenta, julgo que em 1979, fiz todo percurso até Barca de Alva, ainda de comboio, para ver as amendoeiras floridas. É um passeio extraordinário! Foi da estação de Barca de Alva que trouxe a primeira amoreira que plantei no “Vale”, de uns ramos que cortei de uma árvore existente no cais da estação, enquanto esperava o comboio de regresso novamente ao Porto.
Mais tarde, já neste milénio, fizemos o trajeto do Douro, mas de barco, do Porto a Régua, com regresso de comboio, na mencionada Linha. Oportunidade de perspetivar a beleza da Região Duriense sob dois prismas complementares.
Não conheço o trajeto de Barca de Alva até Salamanca. Mas pelo que se mostrou no documentário e se pode pesquisar na net é igualmente pujante de força e beleza.
Trajeto esse que o conceituado “Jacinto”, do romance “A Cidade e as Serras”, de Eça de Queirós, percorreu, quando de Paris regressou à sua Tormes ancestral, certamente nos anos noventa do século XIX. Nessa altura especialmente preocupado com o extravio das malas…
E, de regresso ao passado e à Escola, ainda alguém se lembra do nome das Linhas de Caminho de Ferro, que aprendíamos nos anos sessenta?! E as Linhas de Trás-os-Montes…!
E ainda nas memórias… e de memória. Foi também numa Linha de Trás-os-Montes que ainda fiz uma viagem em comboio a vapor. Da Régua até Chaves. Linha do Corgo. Em 1974, ou por aí.
Voltando à Linha do Douro e aos comboios. Durante muitos anos viajei de comboio, já falei neste blogue várias vezes sobre comboios e sou um aficionado de comboios!
E, como muita gente mais sabedora do assunto que eu, também acho que foi um erro grave que neste, como em outros países, se tenha desinvestido, (propositadamente!) neste meio de transporte, que podia ser todo eletrificado e, portanto, usando energia mais limpa. (Em Portugal esse desinvestimento ocorreu principalmente a partir das décadas de setenta/oitenta do século XX.)
Os interesses das petrolíferas, e de todas as empresas a montante e jusante, assim determinaram!
E vejam-se as Guerras que continuam a ser travadas nos países nevrálgicos na extração petrolífera! Atente-se nessa situação!
Mas voltando à Linha do Douro.
Será ou não possível reativar a totalidade da Linha?! Nem que seja fundamentalmente para fins turísticos. Mas também há quem defenda para outros fins…
Desejável e imprescindível, é!
E com o potencial que tem toda aquela Região, que inclui não só Portugal, mas também Espanha. Abrangendo desde ao Porto, pelo menos até Salamanca. E por essas Espanhas e Europa.
Se em finais do século XIX, com os meios e tecnologia da época, com dois países independentes e separados politicamente, foi possível construir-se aquela obra de engenharia, não será atualmente, hoje, friso, possível recuperá-la?!
Haja Vontade de o fazer.
Que há todo um potencial enorme naquele espaço geográfico e cultural!
Entidades públicas e privadas; portuguesas e espanholas e europeias; nacionais, regionais e transnacionais, dos poderes centrais e locais, que se unam face a um Projeto Global.
Buscando financiamentos, inclusive através dos cidadãos. Uma mobilização, publicitação, marketing, merchandising, nacional, transnacional, global, desde que devidamente fundamentados e cimentados na “Confiança”, despertaria muitos apoios.
Bem sei que o “confiar” nas instituições e grandes projetos anda muito em baixo…
Mas que é urgente, imperioso, indispensável, fundamental, que se recupere aquela e outras Linhas, lá isso é!
E também passaram moços e moças, uns mais novos, outros mais velhos, de mochila ou sem mochila, sozinhos e sozinhas ou esperando amigos e amigas, mas sempre acompanhados dos inseparáveis tele instrumentos, sejam móveis ou fones, com f ou ph, não sei se serão tabletes, conheço melhor as de chocolate… que não sei, e não sei distinguir, toda esta novel e sempre renovável instrumentália, em constante atualização, que por mais atualizado se esteja, nunca se está!
Mas fica sempre bem chegar à Escola, que sendo Escola, mas se outrora foi Liceu, ainda e apesar de há mais de quarenta anos já não ser, ainda o é. Digo, e repito, fica bem chegar à Escola ou ao Liceu, provido dessa up-date, modernidade tele comunicacional e ainda vestir o último grito da moda, nem que sejam umas calças todas rasgadas e umas sapatorras com sola de palmo!
E, muitos, a maioria (?), dependendo da zona onde se mora, chegará de carro, que para isso os papás e as mamãs também servem. Porque os meninos e meninas já muito independentes e autónomos em muitas coisas e loisas, que nem os papás e as mamãs sonham, ou nem querem sonhar, nisso de se deslocarem para a Escola são terrivelmente dependentes!
E também levando Sonhos e Esperanças, esperançadamente apenas à distância de um simples clique de polegar ou de um arrastar digital sobre um pequeno écran!
E, eu, na minha varanda, a vê-los ir!
E também terão partido, que eu sei que partiram, e até vi partir e me despedi, quando estava no jardim… Partiram outras e outros mais velhos, mas ainda jovens, também cheios de Sonhos e de Esperanças, para mais longe e para outras Escolas, para outras terras, cidades e até países, para outros níveis de ensino, que nestes contextos, nestas classificações e comparações, se consideram de Superior. E também deixaram os Pais, também cheios de Sonhos e Esperanças também!
E, eu, na minha varanda, a vê-los ir?!
E direi que não tive Saudades?!
Pois o que direi, tão só e apenas, é que desejo que a Esperança e os Sonhos se tornem Realidades!
(Publicado em XX Antologia da APP - "A Nossa Antologia" - 2016.)
Partindo ainda do pressuposto da questão formulada ontem, isto é, que Sua Excelência o Senhor Ministro da Educação, o atual ou o que provavelmente se seguirá numa próxima legislatura, nunca irá ler a pergunta que coloco hoje…
Assente nessa premissa, e apesar disso, não deixo de questionar novamente.
E lecionar numa Escola de uma Zona Suburbana, maioritariamente enquadrada em Bairros Sociais, turmas de início de 2º Ciclo, 5º ano, com alunos provenientes de diferentes Escolas do 1º Ciclo, maioritariamente habitantes desses bairros, de famílias com bastantes dificuldades das mais diversas ordens: económicas, sociais, de integração. Alunos carenciados inclusive na alimentação básica, para além das carências afetivas e relacionais, tão comuns nessas idades e meios; provenientes de famílias disfuncionais, muitas monoparentais, progenitores ausentes física e psicologicamente; pertencentes a etnias, raças diversas; de diferentes nacionalidades e língua materna de base também diferente; de religiões também diferentes.
E com todas as dificuldades acrescidas nestes tempos de Crise: Progenitores desempregados, falta de meios de subsistência…
E, acrescente-se, integrar um naipe assim diversificado e constituir uma turma de 30 alunos!
Terá, Sua Excelência, o Senhor Ministro de Educação, ideia do que é ser Professor e ser Aluno numa Turma assim constituída?!
E ser Pai e ter Filhos numa Turma assim de 30 alunos?
Neste post nº 170, volto aos contos, ou estórias, como gosto de lhes chamar...
Estórias do arco-da-velha, assim eram nomeadas. Gostaria de as designar, agora, como "Estórias do Arco da Dona Augusta", parafraseando uma série de situações...
Esta é uma "estória" sobre aspetos de como era a Escola, antigamente.
Não há aqui qualquer saudosismo, nem qualquer constrangimento sobre essa "Escola de Outros Tempos".
São apenas vagas lembranças desses mesmos tempos.
Ocorreu-me divulgar este texto, também já escrito há alguns anos, hei-de ver quando, e que também ainda não fora publicado, inédito, portanto!
Trazê-lo a lume, agora, que em breve irá começar novo ano letivo. Neste dia sete, de Setembro, que na época era também a sete, mas de Outubro, que o ano letivo se iniciava. E, digamos, sem quaisquer artificialismos, chegava muito bem!
E tenho dito neste intróito. Faça favor de ler a estória e espero que goste.
Uma questão de orelhas
O Zé entrou na escola primária na década de sessenta, a sete de Outubro, data fixa da altura.
No primeiro dia de aulas a mãe foi levá-lo e, ao despedir-se, disse à professora:
- Senhora Professora, dele só quero uma orelha no final do ano!
Esta expressão fez-lhe muita confusão e ficou a matutar nela.
No dia anterior fora o pai que lhe dissera, à noite, após o jantar:
- Amanhã vais para a Escola. Olha que não quero aqui orelhas de burro em casa!
Para burros, aqui na rua, basta o burro do Mestre Paulo.
O dito burro conhecia ele. Toda a gente conhecia. Era tema do anedotário local.
Mas orelhas de burro?! Já ouvira contar, mas não sabia bem o que era.
Quanto a ficar só com uma orelha no final do ano, não se conformaria com tal.
Também nunca percebera muito bem o que isso significava: se, no final do ano, voltaria para casa só com uma orelha, mas mantendo tudo o resto, ou se dele restaria, no final do ano, apenas uma orelha, ficando o restante na escola.
Não tardou muito até saber o significado dessas expressões.
Mal começava a escola, também se iniciavam os famigerados trabalhos de casa.
No dia seguinte a serem marcados, logo no início da aula, a professora pedia os trabalhos de casa e todos colocavam os cadernos em cima da carteira.
A professora foi chamando os alunos um a um...
Após observar as contas, dar uma vista de olhos à cópia, punha um visto, guardando os cadernos, para ler as cópias mais tarde. Também prestava atenção ao asseio dos cadernos, alguns tão cheios de nódoas, de quem fazia os deveres na mesma mesa onde comia e enquanto comia... Também reparava para a limpeza da roupa.
Chegou a vez do Oliveira, da 2ª classe, mas já um corpanzil. Corpo grande alma de pau, dizia a avó. Anda cá, Oliveira! Oliveeera! Gritava-lhe, quando ia para o campo da bola, um naco de pão, surripiado sem que a avó o visse escapulir para a brincadeira...
O Oliveira pegou no caderno, com aquela cara meio apalermada, sempre meio ausente das realidades... Andas sempre com a cabeça na bola! Parecia ouvir a avó.
Ao mostrar o caderno amarrotado, a professora torceu logo o nariz.
Então isto é caderno que se apresente?! E os trabalhos?
O Oliveira tentou abrir a boca, deglutiu a voz, fez-se vermelho e embatucou!...
No caderno estava iniciada uma cópia que não fora terminada, porque teve que ir marcar um golo na equipa do Saco, o bairro a que pertencia, contra a equipa do Terreiro, o outro bairro em que se dividia a aldeia: Terreiro – Saco, os dois rivais locais.
E os trabalhos?! Gritou a professora, atordoando os ouvidos do Oliveira...
Das contas apresentava apenas uma salganhada sem nexo, porque para a aritmética é que ele não dava mesmo nada e a tabuada ficara enredada nos passes mágicos dos adversários e nos gritos de gooollooo!!... do Sporting, que o Artur Agostinho ecoava na Emissora Nacional, aos domingos à tarde.
O grito da professora chamou-o à realidade. Oliveira!!! O-li-vei-ra!... Sílabas e letras bem pronunciadas e sublinhadas. Queres ficar novamente de burro?! Ficas de castigo no intervalo, a fazer os trabalhos e agora vou mostrar-vos o que é ficar só com uma orelha!
Enfim, o Zé iria saber o que era isso. Ainda bem que não era a sua orelha!
A professora mandou o Oliveira sentar-se, começando a puxar-lhe uma das orelhas, sem deixar que ele se levantasse, pois com o braço esquerdo segurava-o na carteira, enquanto com a mão direita lhe puxava a respectiva orelha, que esticava, esticava... Era agora que ele ficava sem uma orelha, pensava o Zé e lá se cumpria a profecia da mãe, se calhar de todas as mães. Dele, só quero uma orelha no final!
Ainda bem que era o Oliveira, também a oliveira tem tantos ramos e folhas que, mais ramo menos folha, tanto faz. Ficava o Oliveira sem orelha e a oliveira sem folha.
Mas a professora acalmou e a orelha do Oliveira ficou a ganhar e, por enquanto ainda, no respectivo lugar, apesar de muito vermelha, cheio de dores o miúdo.
Quanto à segunda expressão orelhas de burro, só mais tarde, já próximo ao final do ano, haveria de saber o seu significado.
O Joaquim da Corneta andava na 4ª classe, sendo o mais velho da escola. Já repetira vários anos. Tinha este anexim, já de família, todos os irmãos o herdaram do pai, o ti Xico da Corneta, sendo que esta alcunha era quase um sobrenome.
À medida que se aproximavam os exames da quarta classe havia revisões de preparação, testando com provas escritas e orais os conhecimentos de cada um.
Quando chegou a vez do Joaquim a professora foi desesperando gradualmente.
Na leitura e interpretação do texto trocou alhos com bugalhos, nos problemas de Aritmética e Geometria derrapou ao comprimento e largura, estatelou-se na prova dos noves, porque já era velho, na História e Geografia trocou rios com serras, astros e linhas de caminho-de-ferro. Foi um desastre. O comboio descarrilou de vez.
Pensar em bater-lhe a professora pensou, mas achou que não valia a pena, não só por ser mais velho, como para tanta asneira não havia porrada que chegasse. Mas tinha que castigar, para dar o exemplo, para haver respeito. Vai daí usou a estratégia mais radical.
Enfiou-lhe na cabeça as ditas orelhas de burro, um círculo com duas grandes orelhas do dito animal e mandou-o colocar à janela, com a cabeça de fora, estando assim exposto todo o dia, sujeito aos ditos e dichotes dos passantes, que teciam comentários, uns divertidos, outros humilhantes ou toleirões, conforme quem lhos atirava à cara.
Notas Finais.
Imagem de livros antigos da Escola, in: ciberjornal.wordpress.com.
Do saudoso Artur Agostinho in: restos decolecçao.blogspot.com e tesouroverde.blogspot.com.
Sobre "Orelhas de burro", busquem aqui e encontrarão imagens engraçadíssimas!
(Posteriormente foi publicado em: Boletim Cultural do C. N. A. P. Nº 125 - Ano XXVII - Nov. 2016.)
Será que as Hortas Urbanas têm alguma importância num contexto sócio-económico e cultural?!
Ou será que elas são apenas um escape para um segmento populacional mais ou menos desenraízado no contexto urbano ou suburbano em que se insere?!
Será que este modelo de intervenção cultural, de raízes campestres, mas intervindo num espaço citadino e urbano, será apenas passageiro? Reflexo de um tempo de crise e como tal associado a estratos populacionais mais desfavorecidos?
Mais questões poderão ser levantadas…
À partida, quero expressar que sou defensor da sua existência.
Mais, reforço que deverão ser incentivadas as pessoas interessadas nesta prática, apoiadas pelas instituições que o possam fazer, promovendo e definindo práticas de uso de terras camarárias para esta finalidade.
Nesta ação de cultivo de terrenos abandonados no espaço urbano, penso que ganham todos os intervenientes.
Ganham os agricultores urbanos, pois produzem alimentos para si próprios, para familiares e também amigos, pois normalmente quem amanha a terra tem esta característica de personalidade: o prazer de oferecer o que obteve da sua produção. O gosto da dádiva!
Em princípio, os produtos obtidos serão de melhor qualidade, dado que quem produz nestas situações gosta de ter algum cuidado no processo produtivo, evitando, ou pelo menos não exagerando, nos pesticidas.
Possibilita uma saudável ocupação dos tempos livres, de forma construtiva, em contacto com a natureza.
Promove também a interação, o convívio entre os vários participantes nestas tarefas, que muitas vezes se ajudam entre si e com as respetivas famílias.
Ganha a Sociedade globalmente.
Os terrenos são limpos de mato e sujidade, evitando o abandono, a negligência, sem que para isso as entidades autárquicas tenham que intervir.
Evitam-se e previnem-se hipotéticos fogos.
Favorece-se a infiltração das águas pluviais, retendo-as, deste modo não escorrendo tão repentinamente quando chove e infiltrando-se o líquido nos solos. Abastece os aquíferos e evita também a erosão.
Diminui-se o circuito de distribuição e todo o gasto energético inerente, pois produtor e consumidor estão no mesmo elo da cadeia produtiva.
Mas o comércio também ganha com esta prática, com esta moda, digamos.
Nas grandes cadeias de supermercados prolifera periodicamente toda a gama de artigos necessários a estas atividades. Desde as sementes e plantas até aos sistemas de rega e recolha da produção, numa parafernália imensa de objetos mais ou menos engenhosos, de modo a ajudar, facilitar e promover a ação do agro urbano.
E algo que normalmente não valorizamos devidamente. Com o plantio de árvores, arbustos e hortícolas, há uma permanente produção de oxigénio, que nos é indispensável à vida.
São um modelo de intervenção cívica, num contexto de urbes em que, muitas vezes, os laços de Cidadania se foram perdendo.
São uma forma de ocupar as pessoas construtivamente, sabendo nós que o trabalho é uma excelente forma de terapia. E que faz imensa falta a muito boa gente que vegeta por aí sem fazer nem querer fazer nada de construtivo!
E qual o papel que as entidades autárquicas ou outras podem desempenhar?
Como? Disponibilizando terrenos, água, conhecimentos, informação… E, porque não, também formação?!
Criando feiras e/ou locais de venda, facilitando o escoamento da produção, que poderá ser excedentária.
Uma outra forma de promover, divulgar e incentivar seria organizando uma espécie de Concurso entre produtores e respetivas hortas, como se faz noutros ramos de atividade. Algo que teria que ser bem estruturado, auscultando previamente os possíveis interessados.
E outras Entidades como poderão intervir?!
Por ex. Escolas.
As Hortas que visitámos situam-se a norte da Escola Secundária António Gedeão, confinando com a mesma.
Será que na Escola não poderiam ou não serão até já desenvolvidas atividades de intercâmbio?! Visitas de estudo, workshops, troca, partilha de conhecimentos e saberes. Estruturação de ações no âmbito de disciplinas ligadas à Natureza: Ciências Naturais, Geografia?! Ou integradas no contexto da Cidadania: Formação Cívica, Educação para a Cidadania?! Ou outras...
Ou atividades interdisciplinares. Trabalhos de Projeto, por ex.
Note-se que não sei se atualmente ainda existem as Disciplinas mencionadas!
Nas hortas visitadas criaram, nas “divisões/partilhas” de terrenos, um caminho entre sebes de canas entrançadas, que servem de divisórias. Pois esse caminho pedonal é utilizado diariamente por estudantes na ida e vinda das atividade escolares.
Mas e para finalizar.
Realce-se que, embora a intervenção de outras entidades possa ser importante, este movimento tem muito de espontâneo e autónomo! Pelo que convirá ter sempre essa característica em conta nas atitudes e intervenções hipoteticamente a serem feitas!