Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
E como, apesar de termos hoje mais um dia de chuva, um copo de água sabe sempre bem e refresca as ideias. E também não vamos colocar a rapariga, pois que de uma rapariga se trata, não a vamos colocar a pedir um copo de vinho!
Lembramos ainda que a ação decorrente da narrativa se situa num outro tempo, tanto cronológico como meteorológico. Por tudo isso segue:
Capítulo II
Saiu então ela, Odete, da Livraria, agitando a nota de cinco mil escudos, ainda por destrocar. Mas precisava urgentemente de dinheiro mais miúdo.
Pensou ir ao Café, tomar uma bebida, entregar a nota e assim eram obrigados a dar-lhe troco. Acabou por entrar na primeira Tasca da Esquina e dirigiu-se ao balcão, pedindo uma garrafa de agá, dois, ó, do Luso.
- Menina, não sabe que o H não se lê?! E andam vocês a estudar, não sei para quê…
Não obtendo resposta, o taberneiro continuou:
- Então, porque o pronunciou?! Além do mais não percebo por que razão o Acordo Ortográfico não baniu completamente essa letra. Não faz falta nenhuma, só dá mais trabalho e gasta mais carga de esferográfica e tinta e ocupa espaço na folha. A menina quererá certamente… dois. Oh, tu que és do Luso, traz aí… Mas, menina, quer dois de quê?? Dois maços de tabaco, já se vê. Já fuma?! Tão novinha! Não sabe que o tabaco mata?! Mas, enfim, aqui tem dois maços de tabaco SG, já se vê, mais uns pregos para o seu caixão. Pagamento no ato de compra, do tabaco, não do caixão, que esse pode ser pago a prestações.
- Pagar com cinco mil escudos? Isto aqui não é nenhum antiquário. Parece que regressou você da Guerra dos Cem Anos, com tantos escudos. Cinco mil!!! Bem podia ter trazido uns euros, se vem lá dessas Europas… Além do mais, hoje em dia, na era das bombas e dos mísseis não há escudos que nos protejam, tal o arsenal de destruição que se acumula por esse mundo fora. E já ninguém quer os escudos, nem os espanhóis desde a Batalha de Aljubarrota, só mesmo Dom Quixote… agora é tudo em euros, ou dólares.
- Olhe, menina, não lhe vendo o tabaco, pois não tenho troco para tanto escudo. Ainda mal comecei o dia, não tenho quase nada na caixa.
Ela que assistira, impávida e serena, a todo este arrazoado de conversa, explodiu.
- Não, não tem nada na caixa, não! Nem na caixa nem no caixote. Tem a caixa dos pirolitos desregulada e o caixote todo desaparafusado. Seu caixote despregado!
E preparava-se para sair.
- Espere aí, menina, que também leva troco.
Voltou-se a rapariga, admirada por, de repente, o taberneiro já ter dinheiro na caixa para lhe dar troco, quando este lhe devolve o impropério figurado, atirando-lhe a água dum copo que enchia para um cliente que lhe pedira uma água sem gás.
- Toma lá um refresco para essas ideias tontas. Imagine-se pronunciar o agá. Onde já se viu?! Só mesmo para quem quer ofender um quase analfabeto como eu.
Com os cabelos escorrendo, realçando o cheiro a camomila do shampoo, xampô, sem h, ultra suave, que costumava usar, quedou-se um pouco, meditando sobre algumas questões de Química que a preocupavam. Se tivesse boa nota, nesta disciplina, melhorariam as hipóteses de entrar na Universidade. Oxalá saíssem muitos problemas, porque na Matemática estava ela bem. Ou não, H2O?!
Mais uma Nota!
Uma versão deste texto foi publicada no Boletim Cultural Nº 71, do Círculo Nacional D'Arte e Poesia, Ano XVI, Fev. 2005.
Odete entrou na “Livraria Portugal” e, dirigindo-se ao empregado, perguntou:
- Pode destrocar-me cinco contos, se faz favor?!.…
- Depende dos contos que quiser, respondeu-lhe o empregado da Livraria.
- Ora, destroque-me cinco contos, mas como lhe der mais jeito. Podem ser de quinhentos ou de mil…
- Já que quer de Mil, ainda tenho das “Mil e uma Noites”, em banda desenhada… Bom! De Quinhentos não há. Ah! Talvez se arranje… Ali Babá e os Quinhentos Ladrões. Como quer cinco, aconselho o da “Carochinha” o do “Tourinho Azul” e… porque não?! O do “Capuchinho Vermelho”. Sempre é bom prevenir, não é?! Nunca se sabe os maus encontros que se podem ter.
- Não é desses contos que quero, mas em notas, retorquiu Odete.
- Alguns têm notas, há-os até bem anotados. Um deles, que é uma análise dos contos de fadas, está cheio de anotações. Já sei! Quer uma obra mais intelectual, com muita bibliografia e referências a outros livros de consulta… talvez, peut-être…
- Não quero dos seus contos ou notas. Nem talvezes ou pó d’éter. E não estou doente para ir à consulta… ao médico. Sugiro…
- Não me chame Sugiro, não sou nenhum japonês. Fui nascido e criado em Alfama, João Amaral, de meu nome.
- Dane-se! Vá dar uma curva, vá ver se chove. Vá ao outro lado! Respondeu-lhe, exaltada, Odete.
O empregado da “Livraria Portugal” deu meia volta, olhou para o outro lado, mas não viu nada de especial. Nem sequer estava a chover!
E Odete saiu, com a nota de cinco contos na mão, apressada em destrocá-la, antes da chegada do euro. Do Euro, dinheiro, não do Euro, futebol, duas entidades afinal tão interligadas, mas que aqui convém destrinçar.
Nota: Um versão deste texto foi publicada no Boletim Cultural Nº 69 do Círculo Nacional D'Arte e Poesia, Ano XV, Outubro 2004.
Esta é uma imagem extraída de "https://www.forum-numismatica.com."
Provavelmente seria uma nota idêntica a esta que a menina Odete andava a tentar destrocar.
Vamos iniciar un conjunto de seis "estórias", que serão publicadas diariamente em pequenos capítulos.
Hoje apresentamos uma pequena introdução.
Estas estórias, como todas as “estórias do arco-da-velha”, foram escritas num tempo já passado, embora não muito distante, mais concretamente nos anos oitenta do século XX, que agora já parece tão longínquo, tal a voracidade e velocidade com que cronos nos devora os dias e as noites, no suceder do nosso dia-a-dia.
Já foram publicadas, em pequenos capítulos, em Boletins Culturais do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, em 2002, 2004, 2005, 2006, 2007, já século XXI e agora, tempos modernos, vamos dá-las a conhecer neste blog.
Quando publicadas no Boletim já aí lhes déramos algum tempero deste século XXI. Uma pitadinha de sal aqui, um grãozinho de pimenta acolá…
Agora nesta republicação, embora mantendo a estrutura e narrativa originais, tentaremos dar-lhes algum novo e pequeno aconchego, para que fiquem ainda mais saborosas. Usaremos a ortografia atual, pese embora o desacordo relativamente ao Acordo, mas como já o vimos utilizando há algum tempo, não nos parece já tão obtuso, apesar das reticências que ainda possamos ter no referente ao mesmo.
Vieram estas historietas dum tempo em que ainda havia escudos e notas de quinhentos e de mil e assim por diante e para trás, sendo que cada nota de mil escudos era designada por “um conto de réis”. Corresponde ao valor atual de cinco euros.
Será que ainda nos lembramos das notas de escudos e de contos com a efígie de Homens Ilustres do nosso passado histórico?! Ou já as esquecemos na voragem do nosso quotidiano de euros e cêntimos, o porta-moedas sempre cheio de unidades centesimais: um, dois, cinco… cinquenta cêntimos, uns quantos euros. Pretendendo lembrar-nos o nosso Primeiro Afonso, mas de uma forma tão abstrata, que não sei se alguém lá chega. Em contrapartida, presenteiam-nos com a imagem de reis de outros países seja da Espanha, da Bélgica, da Holanda…
E notas de pontes e arcos e arcos e pontes e arcos e… em verdade se diga que, hoje em dia e cada vez mais, as pessoas o que mais usam é o cartão de crédito!
Pois estas histórias passaram-se ainda no tempo dos nossos velhinhos (!) escudos e contos, que provavelmente nós, os mais velhos, ainda não conseguimos esquecer completamente. Pelo menos quando calculamos mentalmente o preço de qualquer mercadoria, de valor mais avultado, e pretendemos comparar com outras compras que já tenhamos feito.
A personagem central destas estórias chama-se Odete, que já conhecemos de “Estória inverosímil”, historieta escrita já neste milénio e já publicada no blog.
Odete, nessa altura ainda não adquirira a condição de Dona, corria a Grande Cidade um pouco ao acaso, mas sempre com algum fim em vista. Finalidade nem a si mesma confessada, a maioria das vezes disfarçada por algum outro motivo plausível, razoável, que lhe permitia deambular pela urbe.