Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
“…Os salteadores foram roubando as pessoas que viviam na freguesia do Chamiço. Que iam ficando sem nada. Devido a essa situação foram abalando, abandonando a povoação com medo dos assaltos. Deslocaram-se para as terras mais próximas: Monte da Pedra, Vale do Peso, Aldeia da Mata, Gáfete… Até que, a dada altura, só lá vivia a Trisavó Rosa com algumas pessoas que para ela trabalhavam enquanto lavradora. Já não havia ninguém na povoação. Já haviam retirado gado, tudo o que pudessem.
Até que um dia, também os ladrões a assaltaram na sua própria casa. Deitaram-na num cadeirão, foram buscar um alguidar, de aparar o sangue dos porcos, e uma faca, ameaçando-a de morte, caso ela não lhes desse o ouro que tinha. “Tem que nos dizer onde tem o ouro, sabemos que tem ouro. Tem que nos dar, se não nos der, matamo-la”. Intimidavam-na.
A Trisavó perante essas ameaças, e nessa aflição, viu-se na contingência de lhes dar o que tinha. Face à situação também ela acabou por abalar da aldeia do “Monte Chamiço”, despovoando-se assim a terra na totalidade. Foi a última a sair da “aldeia”.
A Casa da Trisavó ainda lá existe, na parte central do que resta da antiga localidade, a cerca de oitenta / cem metros da igreja e relativamente à mesma distância das habitações e construções ainda existentes, a sudoeste, junto à ribeira. …”
*******
Esta é a versão que escrevi a partir do relato oral que me foi descrito pelo Primo António Carita, no dia 12/02/23. A sua Mãe, Tia Maria Carita (1918 – 1997) viveu em jovem, em casa de Tia Maria de Sousa e de Tio Francisco Carita, filho da “célebre” Trisavó Rosa de Matos. A última habitante da antiga povoação do “Monte Chamiço”, juntamente com os seus criados / trabalhadores mais fiéis.
Em todas estas narrativas há algo que nunca foi referido até aqui. Infere-se que esta Trisavó, à data destas ocorrências, já seria viúva do Trisavô João Carita, de quem ela herdou o apelido.
Volto a mencionar que os filhos deste casal foram: Maria Conceição Carita, minha bisavó e de todos as minhas primas em 1º grau, do lado paterno e primo António Carita; Manuel Carita, bisavô de Prima Arlete Carita - e respetivas irmãs e irmão - que me disponibilizou fotocópia do artigo de Prof. Manuel Subtil. E o já várias vezes referido Francisco Carita, pai de Drº João Carita de Sousa, falecido cerca dos trinta anos e sem descendência.
Neste 2º episódio há que constatar que, nas informações sobre a mini série já corrigiram o nome errado "O Roubo do Cálice”, atribuindo-lhe o nome verdadeiro: “CÓDICE”.
Quanto ao conteúdo da série, como já referi, ela aborda uma situação verdadeira, a do roubo do “Códice Calistinus”, em 2011, tendo sido recuperado só passado um ano.
A ação decorre em Santiago de Compostela e situa-se maioritariamente nos espaços da Catedral; nos gabinetes da Polícia de investigação, não sei se é designada Judiciária; na sede do jornal, no café, casas particulares dos envolvidos; casa de Manolo, o eletricista, desempenhado pelo “nosso Alcaide Mendonza” e nalguns espaços de ar livre, ruas e jardins da cidade.
O tempo cronológico situa-se, inicialmente, nos finais de setenta do século XX e já no século XXI, 2006 e 2011, pelo menos lembro-me destas datas.
Os contextos e a narrativa centram-se na investigação, inicialmente do desaparecimento do Codex, mas logo se aperceberam que fora roubo. Equacionadas hipóteses de possíveis ladrões, face às pessoas que poderiam ter acesso ao Arquivo onde se guardava o Códice, e que eram muito poucas.
O organista da Catedral foi uma delas, mas após inquéritos preliminares foi descartado.
O próprio deão, diácono, Dom José Maria, “o nosso Drº Devesa”, estudioso e guardião do livro manuscrito, foi outra das pessoas inicial e possivelmente suspeitas, mas logo foi também descartado pelos investigadores. Embora ele seja uma das peças chave em todo o processo, mas não como criminoso!
Dom José Maria, deão, diácono da Catedral, esteve sujeito a chantagem e extorsão de um Fernando Miranda, que inicialmente os jornalistas e os investigadores supunham pudesse ser o recetador do Livro. E que foi o motivo da cena rocambolesca, despoletada pelo “nosso boticário, Cristobal”, agora investigador policial, no seu afã de apanhar o suposto recetador do livro manuscrito roubado, ocorrida no final do 1º episódio.
Este Fernando Miranda, não cheguei a perceber muito bem qual a sua função social, mas na narrativa figurava como extorsionista, chantagista. E foi nesse enquadramento que acabou por ser preso em flagrante, neste 2º episódio, quando se reunia com o Deão, num café, após tê-lo chantageado, exigindo vinte e cinco mil euros pelo seu silêncio. Cena que os jornalistas também documentavam fotograficamente, contrariamente às ordens do Juiz e às ameaças do próprio Fernandito.
Neste 2º episódio, o papel dos jornalistas resumiu-se fundamentalmente à ação do famigerado “Inquisidor, Somoza”, que era jornalista fotógrafo, free lancer, e da jornalista loura, de cabelos compridos, cujo nome não fixei na narrativa e por isso assim a designo na narração.
Se futuramente a RTP2 continuar a transmitir séries galegas, que acho que valem bem a pena, irei fixar os nomes verdadeiros dos atores, pois revelam-nos excelentes desempenhos e merecem que os nomeie. Desta vez passa, pois nem chega a ser propriamente uma série.
Depois da trapalhada de “Cristobal” a investigação regressou à estaca zero.
A equipa ficou um pouco desorientada, mas a argúcia e serenidade da inspetora, a nossa conhecida “Dona Irene”, cujo nome de personagem não consegui reter, foi direcionando a investigação e os investigadores para os locais e pessoa certa: a Catedral, atenção aos pormenores que foram escapando na 1ª investigação, nomeadamente visualizando, de novo, todas as fitas de anos atrás; vistoriando novamente nos locais certos do templo. E foram sendo descobertos elementos aparentemente acessórios, provas documentais não valorizadas na 1ª investigação, mas que acabaram por tornar-se primordiais. Um resto de fita mal gravada em que o eletricista aparecia de costas, no arquivo. Uma caixa de chás, em que encontraram uma chave do arquivo, escondida num fundo falso e na etiqueta a letra manuscrita era também de Manolo.
E estes elementos foram conduzindo a investigação para o “nosso ex – Alcaide Mendonza”, cuja personagem se chamava, Manuel Carvalheiro, conhecido por Manolo.
A inquirição com a inspetora, “rei preto e rainha branca” frente a frente, foi um portento de jogo de xadrez tático estratégico entre dois adversários inteligentes, que às perguntas sábias da investigadora, Manolo respondia sempre capciosa e evasiva, mas certeiramente. Respostas que sendo respostas, acabavam por ser não respostas. O “rei”fugia como uma enguia entre as mãos da “rainha”. “Muchas gracias, senhor Carvalheiro!”, se despediu a dama, do rei!
Que uma das características mais valorizadoras destas séries galegas são os diálogos entre as personagens.
A investigação prosseguiu em diferentes contextos e enquadramentos, mas já com uma certeza confirmada de que o autor do roubo fora o ex eletricista da Catedral, Manolo, que passara a vida a roubar, não só no Templo, mas inclusive até de contas bancárias de um suposto amigo(?). E que muito recentemente comprara dois apartamentos, a pronto pagamento, nas Rias Galegas.
Envolvendo também outros personagens, em que o Deão era uma peça chave, porque durante as dezenas de anos em que Manolo trabalhara na Catedral, tivera oportunidade de ir conhecendo o seu mau caráter, apesar de o ir protegendo, por que acreditava na sua redenção. Até que em 2006, tantas foram as falcatruas, desde os anos setenta do século XX, que resolveram despedi-lo, através do administrador, um leigo, Dom Pedro, que ao comunicar-lhe o despedimento nunca o olhou de frente! Tal seria o “medo” que este homem inspirava. Talvez resquícios de quando fora “Alcaide Mendonza”!
Mesmo depois de despedido, ele continuava a ir frequentemente à Catedral, a diferentes pretextos, nomeadamente enquanto fiel, mas também a massacrar o Deão para este o admitir no seu trabalho de eletricista na Catedral.
Entretanto foi preparando o golpe. E um dia, já em 2011, lhe aparecerá no próprio Arquivo onde não podia estar, nem era suposto ter chave para o fazer, continuou a insistir na sua readmissão e, com veemência, exigiu que, mesmo ali, o Deão o ouvisse em confissão, que foi uma forma de o silenciar sobre o que lhe contou, que terá sido sobre as falcatruas que fizera e o dinheiro que desviara.
E como Dom José Maria não o quisesse readmitir, ameaçou-o que ele, Manolo, perdia o seu lugar, mas o Deão também perderia o seu.
Mas o cerco foi-se apertando, como se uma caçada se realizasse, o criminoso foi sendo direcionado para o local onde poderia ser capturado, como se de animal acossado se tratasse. Que o receio era que ele pudesse destruir o “Codex”, peça de valor incalculável, no seu valor material, mas muito especialmente no plano imaterial, pelo seu valor documental, histórico, formativo e informativo, que ainda continua a ser estudado.
E que melhor local para apanhar o criminoso e presa, senão o local do crime?!
Conhecidas as suas rotinas, já cartografadas há muito, a Polícia foi apanhá-lo precisamente na Catedral de Santiago, local mítico na cultura ocidental cristã e quase berço, lar e casulo de Manolo, onde se movia como peixe na água, mas também onde estaria mais fragilizado emocionalmente.
Para esta estratégia psicológica, de o ir enredando nas teias da investigação e direcionando-o para ser capturado, muito contribuiu o papel da inspetora, a seu perspicácia, a sua intuição, o seu saber e conhecimento da alma humana.
E foi precisamente na Catedral e na missa celebrada por Dom José Maria que ele confessou à inspetora, que ao lado dele se juntara na bancada do Templo, a autoria do roubo e que não destruíra o livro, que não era um destruidor.
Na entrada da majestosa Igreja de Santiago, estavam os restantes policiais, nossos conhecidos, talvez com receio que ele fugisse.
E, à hora da comunhão ele saiu da bancada, mas dizendo a “Dona Irene”, desculpem-me voltar a este nome, mas continuamos nos mesmos espaços míticos de Compostela, dizendo à inspetora que não se ia embora.
E não foi! Foi simplesmente comungar, que Dom José Maria distribuía a comunhão e, com hesitação, dúvida, lhe deu o sacramento.
E a série terminaria, paralelamente com a prisão dos familiares de Manolo, que também estavam envolvidos, em maior ou menor grau, nos roubos efetuados.
E a localização do Códice resguardado e embrulhado, numa garagem, com as múltiplas tralhas que se guardam nas garagens e alguns objetos, de menor valor, que ele também trouxera do local de trabalho.
E, como é uma série que trata de casos reais, informaram-nos do prosseguimento da vida das pessoas, aqui representadas neste filme de dois episódios.
Os criminosos, após julgados, foram condenados, com diferentes condenações, que também a gravidade dos crimes praticados foi diversa.
Os investigadores continuaram a investigar; o Juiz, a julgar; os jornalistas terão continuado a pesquisar e informar; o diácono/deão retirou-se da Catedral e da Cidade de Compostela, que já atingira a idade de se reformar.
E nós também vamos terminar.
Só nos faltou sabermos e fora uma boa oportunidade de perguntar, se vão apresentar mais alguma temporada de “Hospital Real”, que ficou tanto por concluir.
E reforço o que já referi. Se voltarem a apresentar mais alguma série galega, com estes atores, vou tentar saber os respetivos nomes, ainda que possa sempre reportar-me ao “Hospital”, como referência e também com um pouco de fantasia! Que, no fundo, é sempre o que são as séries.
A legendagem final deveria ser mais nítida, as letras muito pequeninas eram totalmente ilegíveis. Que eu gosto de ler o que posso, enquanto ouço a música.
Terminou recentemente, 6ª feira passada, esta excelente Série de “Television de Galicia” que a RTP2, em boa hora, resolveu adquirir. Aliás, na sequência de outras séries europeias que vem transmitindo, desde 2014 e com as quais me comecei a “prender”, a partir de “BORGEN”.
Sobre estas obras fui escrevendo alguns posts, sobre que fui notando o agrado crescente das Pessoas que têm a amabilidade de visitar o blogue. Assim também me fui entusiasmando na escrita e, após Agosto, em que apenas coloquei dois posts, em Setembro procurei responder ao crescente interesse constatado, colocando textos maioritariamente sobre a Série supra citada, mas também diversificando outros temas.
Obrigado a todos os Visitantes e Visualizadores, pelo estímulo e desafio a que me incentivaram.
E, agora e sob a forma de síntese, registaria alguns aspetos relevantes desta série, que me fizeram ficar “pegado” ao écran durante estas três semanas e ainda escrever textos comentando os episódios.
A saber:
- O facto de ser uma série histórica.
- No respeitante a História, enquadrar-se numa época de grandes mudanças na sociedade europeia. O final do Antigo Regime, a eclosão da Revolução Francesa e o mais que virá, caso a série continue.
- Cuidado nessa reconstituição, embora não saiba muito sobre o assunto, mas o vestuário; os temas abordados tanto na medicina como na ciência; os objetos utilizados pelos médicos e enfermeiras, as plantas usadas na botica; o papel e transformações nas classes sociais; as problemáticas na Igreja e os vários posicionamentos relativos dos vários intervenientes, por vezes até contraditórios e contrários à própria essência do cristianismo; a Santa Inquisição.
A intencionalidade em ir-nos situando no tempo narrativo, referência à decapitação de Luís XVI, à declaração de guerra da Espanha a França. E, até no tempo meteorológico. Talvez nem sempre se reparasse, mas quando a narrativa foi avançando e já se estava na Primavera, após a declaração de guerra, quando apresentavam exteriores, tinham o cuidado de mostrar flores, aves a chilrear e saltitar nos arbustos.
- A ação decorrer em Santiago de Compostela.
- Os temas, o texto e os diálogos. Eram sugestivos e ricos.
Valores, atitudes e comportamentos da época e possibilidade de comparar com a atualidade, constatar mudanças ou verificar persistências.
Preconceitos e tabus, versus surgimento de novas ideias e problemáticas.
A estruturação classista da época, papéis sociais, funcionais e profissionais bem definidos. A estruturação sexista da sociedade.
- A representação. Os atores fizeram um ótimo trabalho individual e resultaram muito bem no plano coletivo.
- O enredo romanesco. Não posso de deixar de frisar o romance entre os protagonistas, Daniel e Olalha; o par engraçado que formaram Cristobal e Rosália. O Amor de Dom Andrés por Dona Irene.
- A intriga, a luta pelo Poder dos vários interessados. As alianças táticas que foram estruturando. Os conluios que foram congeminando.
- O mistério dos assassinatos que se vai desvendando, em termos de narrativa, embora não tenham chegado a conclusões finais, mas que para o espetador foi revelado mais cedo, quando Duarte retirou a máscara, após assassinar o Padre Damião.
Mas, e lá vou eu com opiniões, se só tivessem revelado quando ele matou o fidalgo, Dom Leopoldo, ter-se-ia ficado mais tempo na dúvida e consequente expetativa.
A estruturação da narração e desenrolar do enredo, como se de uma partida de xadrez se tratasse, sugestão que o narrador formula num diálogo entre Mendonza e Elvira.
- A caraterização das personagens através das ações que vão executando e como também vão evoluindo, mudando até na sequenciação temporal e também conforme o contexto e a contracenação.
Destaco mais especialmente Duarte, que foi ganhando protagonismo.
Dona Elvira que se foi afundando, tal qual a classe que simboliza.
… … …
- O enquadramento num perfil psicológico e de personalidade, personagens que nos vão revelando princípios, valores, atitudes caracterizadoras, agindo nos seus comportamentos em função desses princípios. Os seus conflitos interiores, os seus dilemas, ...
Contudo, acho que se esta série fosse produzida por outros canais televisivos com muitos mais recursos, teria sido tecnicamente muito mais enriquecida.
Veja-se que nos exteriores não há utilização de quaisquer outros meios que não os humanos.
Estando-se em guerra ou em vias disso, não há qualquer sinal, para além da presença de três atores, vestidos de soldados. Não há cavalos, coches, canhões… Não circula qualquer veículo de transporte. A explosão foi filmada como se estivesse a ver-se ao longe… …
Mas cada um faz o que pode, com o que tem e, nesse aspeto, o trabalho de Television de Galicia foi excecional, sob todos os pontos de vista.
E como não tenho a pretensão de esgotar o assunto, diga-nos também a sua opinião sobre o que reteve como síntese da Série. Se faz favor!
Ah! E por último: Seria de todo importante que a RTP2 pensasse numa reposição desta série, como está a fazer com Borgen!
“Já me pediu vários favores. E, antes ou depois, vou-lhos cobrar!”
Resposta da enfermeira-mor, irmã Úrsula, para a fidalga viúva, Dona Elvira de Santa Maria, na sequência de uma questão com que esta a interpelou.
Nem sei por que ponta pegue na estória, se pela enfermeira, se pela viúva.
Esta, a fidalga, cada vez mais enredada na história, como na sua própria vida, sempre mais nós por desatar e criando mais embaraços na sua caminhada, tropeçando, até descambar de vez. Talvez.
Mas também sem desistir, como náufraga à deriva, agarrando-se a qualquer tábua de salvação, desesperada, perdendo até a sua honra, que tanto dizia defender. Até cair nas mãos dos inimigos que ela mesma criou, caso do Capitão Ulloa. Ah! Se ela tivesse sabido que ele era homem de fortuna! Fortuna que não herdou do marido, que só lhe deixou dívidas e falsos amigos, agora cínicos e indiferentes, caso do Alcaide. Fortuna sua que ele desbaratou.
Mas não deixa de congeminar trapaças para atingir os seus fins, nomeadamente o hipotético dote que receberia se o filho casasse com Clara, filha de Dom Andrés, administrador do Hospital e prometida de Dom Daniel.
Nem que para isso tenha que levar uma inocente à perdição, diligenciando para que um livro de Martinho Lutero, proibido pela Inquisição, fosse encontrado entre os respetivos pertences.
Falamos da enfermeira Rosália, apaixonada do boticário, que perante a iminência da sua amada ir parar aos calabouços da Santa Inquisição, num ato de puro altruísmo, assumiu ele a propriedade do livro e assim foi bater com os costados nas referidas tarimbas e antros de tortura.
E neste papel de condutora do enredo, sempre pelo lado da malvadez, mulher algoz, temos a nossa famigerada enfermeira-chefe, o Dragão.
Sempre a manipular, a congeminar artimanhas, a atormentar inocentes e criminosos, a criar teias e tramas onde, mais cedo ou mais tarde, possa prender as suas vítimas.
Duarte, carrasco e vítima, assassino a mando, vai executando os golpes de mão, agora diretamente às ordens do Alcaide. Em obediência a este, roubou um “livro vermelho”, ah! Os livros vermelhos!, do escritório do Administrador. Depreende-se ser o livro da contabilidade do Hospital, função que era exercida, imagine-se, por Dom Leopoldo!
Leitura, decifração, que o administrador andava tentando e não conseguia. Tal seria a trapalhada que nele haveria…
E em que estaria incriminado o próprio fidalgo e o alcaide, que eram face e coroa da mesma moeda: a corrupção!
E, agora, o Hospital! Frisou novamente.
Enquanto estes imbróglios aconteciam no Hospital e outros que omiti ou ainda não falei, o nosso bom Andrés, Dom Andrés, acompanhava a nossa boa Dona Irene pelas praias da Galiza, na busca de peixe para o Hospital.
Quando chegou, o primeiro grande impacto foi por causa da filha. Clara, fora sujeita a um brutal tratamento de choque de água fria, em pleno Fevereiro. (Assim confirmamos com exatidão o tempo em que decorre a ação da narrativa!)
Um reputado médico, Doutor de La Cueva, assim prescrevera essa tentativa de cura através da hidroterapia, em pleno Inverno, para a doença que lhe diagnosticara: histeria nervosa.
O nosso jovem e bom médico discordou. Explicou que Doutor Pinet, afamado médico francês, propunha para estas doenças outro tipo de tratamentos: atenção e acompanhamento do paciente.
Nada da brutalidade de enfiar a rapariga numa tina, cheia de água gelada e, posteriormente, após tapar-lhe a cabeça com uma toalha de linho, despejar-lhe um balde de água gelada pela cabeça abaixo! É caso para dizer que “se não se morre do mal se morre da cura”!
Tão impressionado ficou o nosso herói, que já se ofereceu para apressar o casamento para poder dar mais atenção à sua prometida noiva! E fazer dela sua esposa e, assim, com maior probabilidade ajudá-la a curar-se! Como se pode constatar, Dom Daniel tinha grande fé no matrimónio e até já esquecia a outra sua amada, a mocinha Olalla!
Só que o pai da prometida Clara, Dom Andrés, respondeu-lhe que não.
Que o problema era o pai dele, isto é, Dom Leopoldo!
E assim deixamos este relato da história, esta estória muito lacunar, que temos que ir visualizar o 7º episódio!
Pelos vistos esta série é, afinal, mais demorada do que previra. Sempre pensei, dado o tempo de cada episódio, que fosse para concluir numa semana.
O enredo também é muito mais complexo do que parecia e as conclusões vão-se demorando.
A qualidade da peça fílmica, o rigor do trabalho desenvolvido, sob variados aspetos, assim o exige!
Situemo-nos…
O espaço da ação decorre na cidade de Santiago de Compostela, maioritariamente no Hospital Real. Depreende-se que filmado em espaços naturalistas, provavelmente não no espaço original, uma vez que o antigo Hospital é agora um parador de luxo, pousada, como se designa em Portugal. Pareceu-me ter lido qualquer coisa sobre Pontevedra…
O tempo, a que se reporta este exercício de reconstituição cuidadosa, situa-se no final do século XVIII, na última década, poderíamos precisar 1793.
Menciono esta data, porque já várias vezes e, a propósito de França, em que o novo médico estudou, um “afrancesado”, a propósito da França revolucionária, foi citado que haviam cortado a cabeça ao Rei. Facto que ocorreu em 21/Janeiro/1793, data em que Luís XVI foi decapitado.
Também já se ouviu sobre o perigo de guerra com a França. Deduzimos que a Espanha ainda não estaria a participar na designada “Campanha do Rossilhão”, em que Portugal também viria a envolver-se.
Também designada “Guerra dos Pirenéus” ocorreu de 7/03/1793 a 22/07/1795, sendo que a Espanha declarou guerra à França em 17 de Abril de 1793.
A decapitação do rei francês e a declaração de guerra da Espanha à França estão relacionadas na realidade e também na série.
Pelo que poderemos deduzir que o tempo em que se desenrola a ação da série apresentada tem decorrido neste intervalo de tempo: primeiros meses do ano de 1793.
Voltemos ao enredo.
Pouco a pouco ele vai-se desvendando.
No que respeita aos crimes em série, “a investigação está num ponto morto”, palavras de Dom Daniel. E o assassino literalmente debaixo das respetivas barbas.
Também para esta equipa de investigação o conceito de “serial-killer” ainda não era conhecido, ainda não tinham chegado à era do cinema…
“O nosso objetivo é o Hospital Real”, repete-se e relembra-se esta frase, novamente proferida pelo Alcaide, para Duarte, o assassino, mudo que não é mudo, que cada vez se revela menos “pau-mandado”, apesar de ser “homem-de-mão” de outros poderosos.
Mas mostra-lhes também, e sempre mais, o seu próprio poder. A junção de um veneno (?) no vinho do Alcaide. A recusa em servir-lhe mais água… O sorriso cínico que entreabre para quem espera vingar-se…
E até que ponto vai o seu próprio poder ou estará ele ao serviço de outros ainda mais poderosos?! Até onde vai a sua própria autonomia?
Porque interessados em controlar o Hospital não faltam.
Para além dos que já conhecemos, outros se nos deparam.
A chegada do novo capelão-mor isso mesmo nos revela.
Ex jesuíta, tal como o fora o Padre Damião, tal como foi o atual Inquisidor, têm eles esse objetivo, enquanto membros do Clero. Como nos revelaram neste quinto episódio.
Recuperar para a Igreja um Poder que já fora desta Instituição.
Disfarçadamente, enquadrados noutras Ordens Religiosas, uma vez que os Jesuítas haviam sido expulsos de Espanha vinte anos antes, movem-se na sombra, disfarçadamente, para conseguirem tal desiderato.
Consegui-lo-ão? Num mundo e numa época em que se vislumbram grandes convulsões e mudanças tanto para Espanha como para toda a Europa e Américas, na sequência da Revolução Francesa, das Campanhas Napoleónicas que em breve se iniciarão e dos Movimentos Liberais, que na sequência destas eclodirão?!
Provavelmente não.
Entregue a direção do Hospital a um secular, Dom Andrés Osório, amigo do Rei, com poderes económicos de gestão e também jurisdicionais, no campo cível, reconhecia este a importância da nova classe social em ascensão, a Burguesia. Literalmente, o Rei ao entregar a gestão do Hospital a um burguês, retirava poderes tanto à nobreza como ao clero, e em seu próprio proveito, claro.
Porque o Hospital era imensamente rico!
Mas enveredemos por outro aspeto do enredo.
O “herói”, que continua apaixonado pela “mocinha”, frise-se, fez novamente das suas…
Enquanto jovem médico, o Doutor Alvarez de Castro, arrebatado, ainda inexperiente, mas imbuído de convicções e certezas próprias da idade, da sua experiência parisiense e ideais revolucionários, acha que deve fazer só o que “a sua consciência lhe dita” e novamente fez asneira.
Recusou-se a seguir ordens dos seus superiores hierárquicos, tanto no plano profissional como administrativo.
Não quis garrotar o pé gangrenado de um paciente, quis aplicar uma pretensamente nova metodologia e “a coisa deu para o torto”…
Foi expulso da Instituição e não fora a lucidez de Don Sebastian Devesa, cirurgião-mor, que o tem em grande estima, e nele reconhece qualidades e competências, apesar dos arroubos da juventude, e estaria no desemprego… E a Família falida, de que ele agora é o chefe.
E a propósito de Família…
A sua Mãe, Dona Elvira de Santa Maria, agora desamparada, mostra cada vez mais protagonismo em cena.
Para além de se humilhar perante Dom Andrés, uma nobre ajoelhar-se perante um burguês, a mendigar a readmissão do filho dileto, e a ouvir uma recusa, é ainda ameaçada de morte pelo amante da filha, Capitão Ulloa, militar e sobrinho do Intendente e um pinga-amor, que já se embeiçou pela iniciante de enfermeira, Olalla.
Aguardemos cenas dos próximos capítulos…
E a nossa freira chefe, enfermeira mor, irmã Úrsula, na sua postura seráfica e esfíngica, sempre sorrateira à espreita, “olhos e ouvidos” da Inquisição, sempre a delatar… “Limito-me a cumprir ordens da Santa Madre Igreja”! Ou dela própria? Qual o seu real papel em todo o desenrolar do enredo?
E não posso deixar de observar como eram as práticas médicas na época.
Com os conhecimentos possíveis, escassos e limitados; as restrições morais e religiosas à experimentação, base do conhecimento e desenvolvimento científico; a inexistência de antibióticos, desconhecimento dos micróbios; a não esterilização de instrumentos de uso clínico, as condições de higiene e alimentação precárias, apanhar uma doença era ser portador de sentença de morte.
Daí se compreende, apesar do aparente cinismo e desumanidade, da recusa de entrada da mulher prostituta no Hospital, que ocorreu no terceiro episódio e foi causa da primeira diatribe do jovem médico, Daniel.
A amputação de um membro a um doente, sem anestesia, com recurso a aguardente e uma rolha na boca, sem instrumentos cirúrgicos adequados, teria que ser um ato de grande coragem para todos os envolvidos.
E termino, que a crónica já vai longuíssima… com falas de Daniel e Ollala, ou não sejam eles os protagonistas principais da peça…
Foi numa tarde ensolarada, mas fria, por acaso véspera de Natal, que assentei raízes no local que é agora a minha casa. Foi em Dezembro, que o meu dono me plantou no seu valado, junto à casa, com vista para a igreja de São Martinho. Foi em clima de festa que eu nasci, de novo, nesta cidade. Para mim foi mesmo Natal, Nascimento. E, pensei, como seria lindo, uma festa, em que todos plantássemos uma Árvore, que todos fizéssemos sempre Natal. E, ao mesmo tempo sonhei, é agora, finalmente, que eu vou ser Árvore de Natal!
E o local não podia ter sido melhor escolhido. Da minha nova morada posso avistar, altaneira, a torre da igreja, vejo e ouço os sinos repicar de contentamento, miro as crianças que passam alegres e festivas na esperança do Natal, dou alento aos velhotes que recordam a sua infância e, aos adultos, lembro o tempo de paragem e reflexão, o apelo à Paz, à Amizade e Amor, à quadra que se vai aproximando e a todos poderei desejar sempre um Santo e Feliz Natal.
Como disse, esse sonho de vir a ser árvore de Natal, sempre me acompanhou, no viveiro onde nasci, no entreposto/viveiro onde residi temporariamente até ser comprado pelos meus novos donos e mesmo aqui, no valado onde agora moro, ainda vivi algumas semanas nesse sonho. Ele foi a fanfarra, os foguetes, o contentamento das pessoas, a aproximação real do Natal. Mas foi já este ano que eu tive um lampejo, um corte violento e brusco, sobre esse meu sonho, que agora considero devaneio, mania, fixação até.
Todo esse vai e vem de Dezembro, que depressa chegou e mais rápido se esvaiu, me deixou numa tremenda excitação, euforia, enlouquecimento. Mas, passadas as festas, a azáfama das compras, as consoadas, a passagem do ano, chegado outro de novo e, com ele, Janeiro, já depois dos Reis, a vida pareceu recuperar a sua habitual normalidade, bonomia proverbial. Mas eis senão, quando, numa tarde enevoada, um destes senhores que não respeitam o ambiente, trouxe no atrelado do trator uns quantos arbustos escanzelados que, a trouxe-mouxe, arremessou para o meio de um silvado, junto de uma parede velha, perto do local onde moro.
Quis gritar, barafustar, chamar-lhe à atenção pela falta de respeito, pela atitude do senhor, mas a voz ficou-me embargada de comoção e espanto, não me saindo nada do tronquito onde me encerro. E ele abalou, aos solavancos com o atrelado, roncando o motor, pelo meio dos pinheirais de onde proviera. Mas a minha emoção foi maior ainda por reconhecer, nesses arbustos escanzelados, amarelecidos, esfoliados, amigos meus, pinheiros e abetos, por quem eu, no viveiro, nutrira tanta admiração e, diga-se, uma pontinha de inveja, por lhes ser destinado virem a ser Árvores de Natal.
Não resisti à curiosidade, quase saltei do terreno onde estava, bem puxei as raízes, para saltar o muro e aproximar-me desses amigos e colegas que gemiam, reclamavam da sua sorte, alguns pediam ajuda, outros já mal se ouviam nas suas lamúrias e preces e, aos poucos, foram estiolando, morrendo à minha beira e eu sem nada poder fazer.
Mas, enquanto viveram, morrendo aos poucos, puderam contar-me o seu destino.
Chegado o tempo e a altura própria, foram destinados para o que fora o seu maior sonho de glória: serem Árvores de Natal. Quando vieram os lenhadores com as suas moto-serras, embiocaram-se nas melhores vestes, empertigaram-se eretos na coluna, tremeluziram as agulhas de contentamento, piscaram olhos à moto cortante, gemeram ai, ui, num misto de prazer e dor e desfaleceram às dezenas no solo, ao ranger da lâmina serrante.
Iniciava-se o seu sonho ou devaneio…
Foram amontoados, empilhados uns sobre os outros, enrodilhados os abetos numa fina rede, distribuídos em camionetas por supermercados, lojas, praças, lugares e lugarejos nesta moda consumista. Mas ainda sonhavam e, por isso, valia a pena tanto sacrifício!
Regateados no preço por senhores e senhoras, pirraças de meninos e meninas, lá foram no porta-bagagem até casa, vivenda ou andar, indubitavelmente à sala, junto à televisão ou à lareira. E, uma vez aí chegados, foram devidamente abonecados: fitas e fitinhas, laços e laçarotes, bolas e bolitas, estrelas e estrelocas, luzes e luzinhas tremeluzindo, faiscando, pisca-pisca toda a noite e santo dia. E caixas e caixinhas e mais caixas, embrulhos, sacos de artigos de marca, devidamente enfeitados de lacinhos, corações e pais-natais, tudo em volta do pinheiro ou abeto. Agora sim, eram Árvores de Natal. Tinham finalmente alcançado a sua noite de glória, todo o seu glamour, apoteose, aparato, atingiram a condição de estrelas, super-estrelas. Mas, alguns, já aí se sentiram abafados pela tremenda confusão de objetos, pessoas e coisas, acessórios e associados dos festejos.
Mas assistiram, participaram nos festejos de Natal, vivenciaram beijos e abraços, votos de felicidade e alegria, participaram na troca de prendas, levaram até alguns safanões na euforia desta vivência, vislumbraram o fogo-de-artifício, pela janela aberta, na passagem do ano, chegaram até ao Dia de Reis, mas aqui foi dada por finda a sua função. Passaram a ser um estorvo, um estropício, um empecilho na sala e o seu destino foi, inexoravelmente, o caixote do lixo, a lixeira da Câmara, ou o aterro sanitário, quando não uns encontrões, junto à parede, no meio do balsedo.
“Foi este o destino da nossa quinzena de glória. Foi este o final do nosso sonho de grandeza, por que tanto ansiávamos. Não há lugar a final feliz. Ser árvore de Natal passa invariavelmente por terminar no lixo”, disseram-me, lamuriando, os meus amigos pinheiros e abetos.
E, perante esta dura e cruel realidade, apercebi-me então como vão e balofo fora esse meu sonho de ser Árvore de Natal.
- Para quê luzinhas piscando, se no céu estrelado estão milhões de luzeiros eternos?! A estrela d’alva, a estrela matutina, a estrela boieira, o set’estrelo, eu sei lá…
- Porquê bolas coloridas, se o sol e a lua cheia me iluminam os ramos e inundam todo o meu ser de luz eterna?
- Anjinhos de fantasia para quê, se crianças escorregarão, um dia, nos meus braços fortes e me subirão no tronco, na busca de mitos e heróis?
- Sala iluminada por quê, se tenho este lameiro verdejante onde vivo, vislumbro a cidade e os seus arrabaldes, os pinhais e vinhedos em redor, sinto o murmurejar dos regatos que junto a mim passam, em direção ao Rio do Tempo e do Esquecimento e as aves nas minhas ramadas pousarão e farão ninho, quem sabe! E tenho como teto a abóbada celeste e como lustre o sol, a lua e as estrelas?!
E foi assim que eu, de nome vulgar Castanheiro, do latim Castaniariu, de nome botânico, Castanea Sativa, da família das Castaneáceas ou Fagáceas, perdi a mania de vir a ser, um dia, “Árvore de Natal”.
Este texto corresponde à 2ª parte (final) do texto publicado neste blog, a 11/11/14.
Deste conto tenho várias versões já publicadas noutros suportes, a saber:
Boletim Cultural nº 75 do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, Ano XVI, Dez. 2005 – “Sonho e desilusão de uma Árvore de Natal!”.
Boletim Cultural Nº 80 do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, Ano XVII, Dez. 2006 – “A ilusão de ser Árvore de Natal!”.
Boletim Cultural nº 109 do Círculo Nacional D'Arte e Poesia, Ano XXIII, Dez. 2012 – “O impossível sonho de um Castanheiro que queria ser Árvore de Natal!”.
Jornal “A Mensagem”, Nº 481, Ano 44, Nov./Dez. 2014 -“O Castanheiro que sonhava ser “Árvore de Natal”.