Numa Cidade sem Tempo...
Numa Cidade sem Tempo
Com(Templo)!
Contemplo o branco!
Sempre a brancura das paredes a povoar-nos a Memória.
Ressequida a paisagem: tons castanho, creme, ocres, amarelos
De quando em vez, uns verdes (lapsos de pintor)
Vermelhos (lembranças de lutas, de conquistas, violências).
Transversais barras riscam o branco da monocromia:
- Margens dum espaço de rodapé colorido.
E o horizonte… a perder de vista!
Sem limite, a terra nos marca o Destino
Nos espraia sem (ha)ver praia.
É ponto de partida e de chegada.
Por aqui ficaram muitos Povos
Perderam-se nas searas, na terra fértil.
E sendo perecíveis as sementes, morrendo e nascendo cada ano…
Quiseram intemporizar-se nas paredes, nas pedras que ergueram.
Cantaram hinos em mármores e granitos!
Que o Pão nos sustenta, mas todos-os-dias
Se come, se dorme e… se morre um pouco.
Levantaram-se colunas, menhires erguidos proclamaram
Louvores à Fertilidade, à Deusa – Terra (Mãe – Fecunda)!
E ao Homem, agente transformador (Fecundante!)
E Templos e Igrejas, aos Deuses
Sublimação dos homens, cristalização dos Ideais. Apenas!
Que os Deuses nunca existiram, Além da Imaginação
Dos Homens.
Nem sem ela, o Céu e o Olimpo.
Ficaram as folhas de acanto, petrificadas, nos capitéis coríntios.
Em linguagem marmorificada, dizem-nos:
“ – Antes de os homens existirem à face da Terra
Mesmo antes de a terra o ser
Já nós éramos.
Éramos muito antes do Antes.
Somos muito antes mesmo de serem o que são, as folhas que somos.
Muito antes das Plantas.
Existimos muito antes de nos chamarem o que nos chamam.
Só muito Depois vieram os homens.
E vieram muitos e depois muitos mais por nós passaram, até que nos chamassem.
Pedras nos chamaram, calhaus, pedregulhos, pedra rija e outros nomes…
Que esquecemos.
Até que nos dignificaram, chamando-nos mármores.
E Sempre por nós passaram, por muitos e muitos Tempos, os Elementos em nós
Permanecendo imutáveis. Intemporais.
Até que há pouquíssimo tempo passaram uns Homens, de certeza dados à Poesia
Que em nós viram plantas, flores ou somente eles próprios, ou partes suas
Ou as suas partes sublimadas.
E, sendo eles mortais, temporais como as plantas
Quiseram simplesmente eternizar-se, eternizando-se, transformando-se-nos.
E, eis-nos contemplando a Cidade dos Homens, deste alto, infinitamente intemporais
Marcando num curto espaço das nossas vidas, como Pedras, a precaridade da vida dos homens
De número tão infinitos, mas tão finitos de Tempo.
E os homens, mesmo os que Homens foram, continuaram passando.
Chegados e partidos!
E nós aqui estamos em capitéis coríntios, sobre colunas graníticas
Formando o Templo.
Sustentando o Céu, que sobre nós se ergue!”
E, nesta cidade crescida das lavouras
Do rasgar do ventre criador pelos arados
Dos campos ondulantes de trigais
(Ilusão de mares balouçados pelos ventos)
Lembra-me outra cidade… minguada de terras
Sem arados nem trigais, mas com excesso de águas
Navegando na laguna, transbordando por ciclos.
Afundando-se no berço em que nasceu e prosperou.
(Nos Lóios, em painéis de azulejos
Essa arte sublime de portugueses
Corre a vida de Lourenço
Patriarca – santo de Veneza.)
Contraste com esta cidade que contemplo
Sempre minguada de águas e terras a perder de vista.
Em ambas, a marca do tempo nos lembra
A precaridade da Existência.
Se uma se afunda lentamente
O mar fazendo ondas no chão da Catedral
A corrosão do ar salgado leprosando os calcários…
Nesta, não falarei de monumentos construídos, destruídos, reconstruídos…
Lembrarei somente esse macabro achado:
Revestida de ossos, a Capela assim chamada
Nos situa no presente – futuro que recalcamos.
E que dizer das praças?!
Nas mais belas praças, lugar de Homens
O sol num céu azul
A luz ferindo a vista
Reflete-se do branco das paredes…
No centro, gotejando, a água das fontes
Corre pura e cristalina.
Se na do Geraldo a fonte, de perfeita
“Bien merece ser coronada”.
Na de Moura, um globo, o Mundo
Distribui com parcimónia a água
Pelos quatro pontos cardeais.
E por que corrermos mais
Se nesta cidade se resume
A nossa condição maior de Portugueses
O nosso orgulho de Humanidade?
Nesta cidade com Templo
De colunas e capitéis coríntios
Não sustentando teto ou abóboda
Erguido apenas ao Sol e à Lua
Coberto de manto azul durante o dia
Ou céu estrelado pela noite…
(Exceto quando chove ou está Encoberto
Que nestas pequenas cousas reside
A nossa condição de humanos.
E, nas pequenas coisas do dia-a-dia
Também há muita Poesia!)
… Nesta Cidade, dizia…
Ficamos contemplando o Templo
Desenhado sobre fundo branco
E Céu azul.
Esquecido o tempo.
Nesta Cidade sem Tempo!
Escrito em 1987.
Publicado em “Poiesis” – Volume VIII, Editorial Minerva, Dez. 2002.