Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Uns indivíduos, mais que milionários, resolveram dar umas voltinhas no espaço, para verem a Terra lá de cima. Como se não bastassem os milhares de aparelhos que por lá andam a monitorizar o Planeta, há dezenas de anos.
Se queriam vivenciar uma experiência verdadeiramente imersiva sobre a realidade terrestre, múltiplas e variegadas opções poderiam viver por cá. Ele há tanta gente a viver vidas tão díspares, sem o mínimo de condições básicas de sobrevivência, que eles se poderiam juntar a elas e, vivendo em pé de igualdade, talvez valorizassem os milhões, de que dispõem, na criação de condições para que a vida de milhões de outros Seres Humanos melhorasse.
Um deles, ao que li, não come bifes, para que o impacto negativo sobre a Natureza com a produção de carne seja diminuído.
Não digo que, neste aspeto, não tenha razão. É necessário reduzirmos o consumo. Evitarmos o desperdício, nomeadamente o alimentar, entre outros comportamentos e atitudes que deveremos ter perante a Natureza. Não necessariamente erradicarmos liminarmente o consumo de carne nas nossas dietas.
Mas, convenhamos, a moda que estes multimilionários inauguraram, que de uma moda se trata, e que virá para ficar (?), não será muito mais impactante sobre a Natureza, a Terra, o Planeta, o espaço envolvente?!
Para o Bem? Para o Mal?!
E, a propósito de “Bifes”...
B. Johnson “libertou” os ingleses, das restrições da pandemia, a partir de 19/07/21.
“Dia da liberdade”! Quando os casos de Covid atingiam números record! Contra o parecer de cientistas e de gente avalizada sobre o tema.
Como se a Liberdade se traduzisse no andar a chocalhar por bares, discotecas e pubs, a emborcar cervejas, a encher estádios e arredores, de pessoal de bebedeiras.
Estranho conceito de liberdade!
Sabendo todos como o Reino Unido é uma peça central em todas as comunicações na Europa e no Mundo. São múltiplas e variadas as interações que o conectam com todos os países, de todos os continentes.
E como tem sido também um dos focos transmissores de variantes do Corona.
“Inglesices”, no mínimo.
Outra questão diametralmente oposta ou talvez não.
Li, também muito recentemente, que os lobos a modos que voltaram ao distrito de Castelo Branco. No corpo da notícia depreendia-se regozijo por tal facto.
Eu, que tenho andado atarefado com os efeitos das raves de javalis e javalinas e consequentes “javalinices”, fiquei mais preocupado, do que feliz.
Não fora esse hipotético retorno um mau sinal ou sintoma negativo da vida do nosso Interior: o despovoamento, a desertificação, o abandono dos campos.
Para muito pessoal das Cidades, do Litoral, é “must” a vinda e proliferação dessas bichezas nos campos. Como se o Interior fosse assim uma espécie de reserva cinegética, para contemplar e fotografar aos fins de semana, em experiências muito relaxantes, para cativar amigos no Face e no Insta.
Porque o retorno desses animais ao campo irá provocar destruição desnecessária. Ou pensam que qualquer criador de ovelhas gostará de as ver dizimadas?!
(A propósito, quando retomam a caça aos javalis?! E o abate de cães de matilhas selvagens?)
Não que eu não aprecie a contemplação e vivência natural, sob os múltiplos aspetos que ela nos proporciona: animais, plantas, mundo mineral. Tudo me interessa e a harmonia entre os vários agentes que moldam a Terra cativa-me e toca-me. Pena tenho que fotos de animais, especialmente “selvagens”, tenha dificuldade em tirar. Por isso me volto mais para as plantas e paisagens.
E quanto ao espaço e hipotéticas viagens siderais, atesto que me desinteressam completamente. Não me vejo a viajar por aí. Bastou-me andar de avião. Coisa que não faço há anos. Da última vez que “voei”, foram tais dores de cabeça, que fiquei sem vontade de repetir!
Saúde! Muita! E, Obrigado por me ler até aqui!
(Fotos?! Rosas, rosas e mais rosas / Três rosas e uma hortênsia.)
E vamos continuar com as “estórias que parecem mentiras”, finalizando com o capítulo VI. Lembramos que foram escritas na década de oitenta do século XX e qualquer semelhança com a realidade será pura coincidência. São estórias de um absoluto “nonsense”.
Capítulo VI
Mal chegou à feira, apercebeu-se que reinava grande confusão no arraial.
- Gatuna, ladrona!... Ladra, ladra… ladra…
- Mesmo agora aqui cheguei e já me chamam ladra?! Questionou-se Odete. Com tantos ladrões que por aí andam à solta, logo a mim é que me havia de calhar…
Mas não! O coro de vozes que ecoava das feirantes dirigia-se a uma mulher de tez clara, cabelo aloirado, magra, alta, vestida de forma discreta. Misturava-se com a vozearia das vendedeiras de vestuário, de toda a espécie, imitações ou restos defeituosos das marcas da moda, de calçado e bijuterias; pregões dos vendedores de fruta e artesanato, mercadores de queijos e enchidos…
A mulher de meia-idade, enxuta, sem pinga de sangue nas faces, mal falando, estava rodeada dum pequeno grupo de velhas, trajadas de negro, quais bruxas de Goya, todas iguais na acusação e de um vendedor, pança proeminente, bigodaças, também de dedo em riste e gestos teatrais.
- Ela não pagou, não pagou!.. Gritavam as velhas, gesticulando muito, misturando a gritaria histérica, com impropérios, blasfémias, fazendo grande alarido e apontando para a ré e já condenada, no meio delas.
- Então, não paguei?! Ripostava encolhida, a mulher. – Paguei sim, paguei a este senhor. Dois contos. (Seriam agora dez euros.)
- Não pagou nada! Disse o bigodaças, enquanto lhe tirava do cesto, a blusa que ela levava.
- Ladra, ladra… ladra… repercutiu-se a algazarra pela feira.
A mulher, tremendo, deixou que lhe tirassem o artigo e a enxovalhassem em público. Continuou a tremer, cada vez mais, parecia ir entrar em convulsão.
E tantos a mandaram ladrar, com gritos de todo o lado, que ouviu-se mesmo ladrar. Primeiro aparentava uma cadelinha mansa…béu, béu… enquanto fazia os movimentos com a cabeça e o corpo e as mãos e a coluna iam assumindo uma certa horizontalidade.
Tornou-se mais interessante o ajuntamento. Muitos começaram a rir, a chafurdar com as palavras, a atiçar. Algumas até largaram as bancas para presenciarem melhor o espetáculo.
Mas o latido manso foi desaparecendo, substituído por um ladrar forte, acompanhado de rosnar e grunhidos: ão, ão, ão, grruumm, grruuummm… enquanto o corpo assumia claramente a posição horizontal, mãos assentes no chão, movendo a cabeça disforme, para todos os lados. As vestes rasgaram-se e no corpo nasciam pêlos, sempre mais eriçados e unhas grandes nas patas. Da boca espumava saliva avermelhada e os dentes caninos, presas bem salientes, arreganhavam-se para as pessoas, sobre as quais se lançava.
Estas, do espanto e risadas iniciais, passaram ao medo, ao medo visceral, ao medo ancestral dos lobos e lobisomens.
Já debandavam pela Praça, saltando e derrubando bancadas, que as vendedoras procuravam recolher e fugir, aterrorizadas, pelo monstro que ali surgira: uma cadela enfeitiçada, cada vez mais eriçada e feroz.
Crianças choravam em altos berros, mães aflitas agarravam-nas pela cintura, umas tropeçavam e caíam, sobre estas pessoas passavam, tomates misturavam-se com cruzetas, estas com sapatos, no meio de calças e camisolas, cestos de vime e plásticos com couves e alfaces.
E, no espaço do que fora o mercado, subitamente livre de gente, que se afastara para a periferia, uma salganhada de objetos… uma barafunda de artigos de todo o género… bancas e cadeiras, frutas e hortaliças.
No meio estava a mulher, enxuta de faces e seca de carnes, branca de natureza e alva da convulsão, espantada, olhando toda aquela confusão, como se houvera um tsunami, aquele alarido subitamente desfeito, toda a babel de objetos desconectados em seu redor.
Também muda de espanto, Odete, especada, não sabia o que dizer.
- O que se passou com esta gente toda?! Enlouqueceram de repente?!... Picou-lhes a mosca? E sacudiu um mosquito que a picara, enquanto fazia estas perguntas, dirigindo-se à senhora que também não soube responder-lhe.
Desceram ambas a Avenida. A senhora apanhou um táxi, Odete o autocarro, de regresso, ainda incrédula sobre o que os seus olhos haviam presenciado.
Entretanto, as pessoas foram regressando à Praça, pouco a pouco, refazendo-se do susto ou alucinação coletiva.
Odete questionava-se sobre quem teria razão. Onde estaria o ladrão ou ladrona? Quem teria roubado? E que alucinação fora aquela? E o que teria ela ido fazer à feira, se não comprara nada e já destrocara a nota?!
Serão cenas de próximas estórias?
Quem sabe, num futuro já sem escudos nem contos, mas com euros?!
Nota:
Uma versão deste texto foi publicada no Boletim Cultural Nº 78, do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, ano XVII, Junho 2006.