VIAGENS… surreais. No Tempo.
Introito
Após a divulgação de cinco poesias relativas ao Alentejo, “viagens no tempo e no espaço” sobre este tema que nos é tão querido, voltamos a divulgar, conforme delineado, um texto em prosa de ficção, uma viagem no Tempo sobre História…
VIAGENS… surreais. No Tempo.
Todos os dias fazia viagens. Casa trabalho, trabalho casa. Pequenas viagens e apenas simples viagens.
Mas, naquele dia, VIAJOU real(mente). Uma verdadeira VIAGEM.
Num tempomóvel viajou. Uma viagem no Tempo.
Entrou num aparelhómetro semelhante a uma cabine telefónica das antigas. A porta fechou-se automaticamente. Carregou numa manivela… Sentiu-se estremecer por todo o corpo.
Um turbilhão de névoas em espiral… Todo o aparelho abanava, como se estivesse em convulsões.
Parou.
De repente achou-se num espaço e tempo desconhecidos.
Era um pátio enorme, cheio de água. Azul, muito azul. No meio, um estrado. Sobre ele uma mulher…
Vestido cor-de-rosa, um grande decote, por onde escorria um líquido. Azul, muito azul.
Entre mãos segurava uma cabeça, cabelo empoado, salpicado de azul.
Reconheceu-a.
Era Maria Antonieta, segurando a própria cabeça, há pouco decapitada.
Só então compreendeu que a água, o líquido azul, era o seu sangue. Azul, muito azul.
Falava. Perguntava.
- “ O meu menino?! O meu menino?!”
- “O menino está bem. Ainda há pouco dormia.” Responderam-lhe, em coro, milhões de mães, angustiadas com os seus próprios filhos.
Tranquilizou-se.
E pondo a cabeça entre um dos braços, apontou. Apontou para cima.
Num céu também azul, muito azul, estava um Sol. Um Sol – deus um Deus – sol. Muito gordo, cada vez mais gordo, uma grande cabeleira empoada, estava. Brilhando, brilhando cada vez mais, resplandecente de ouro, estava Luís XIV, o Rei. O Rei – Sol.
Todo ele era ouro. Barras de ouro, moedas de ouro. Luíses de ouro.
Ficou farto. Farto de tanto ouro, de tanto azul. Ouro e azul…
E mergulhou.
Mergulhou e achou-se numa banheira com Marat, todo ensanguentado.
Mas esse sangue era vermelho. Vermelho de sangue. Sangue de vermelho.
Experimentava, fazia experiências. Consultava manuscritos, equações e fórmulas.
Reconheceu a letra. De alguém que andara… há muito!... consigo, no Liceu.
Era de Lavoisier.
E Marat perguntou qual era a fórmula da água. Esquecera-se. E queria transformar todo aquele sangue em água. Estava farto de tanto sangue.
“H2O”, responderam-lhe milhões e milhões de vozes, de todos os injustiçados que morrem inútil e futilmente, como resultado de todas as atrocidades que os homens cúpidos de ganância e poder cometem contra os próprios irmãos de sangue.
E o narrador desta história mergulhou de novo na banheira ou piscina, não sabia… Também estava farto de sangue. Azul e agora vermelho.
E chegou ao fundo. Viu o fundo. E espantou-se!
Não era esmaltado, nem branco, nem azul. Não era vulgar, de uma banheira ou piscina normais.
O fundo era humano. Era um homem estendido, formando os contornos de uma banheira ou piscina. Enorme, gigante, espraiando-se por toda a França. Crescendo. Crescendo sempre.
Então compreendeu tudo. As ideias aclararam-se. Fez-se Luz. Mas a paisagem escureceu. Escureceu muito, fazendo-se negra, preta, preta de carvão.
Encheu-se de Terror!
Era Robespierre. Robespierre era o fudo de tudo aquilo.
Guinou. Num golpe de rins, infletiu para cima. Deixou o preto, o vermelho, o azul. Tudo sangue.
Veio à superfície.
E de novo foi banhado por todo aquele sol dourado. Daquele gordo, farto de ouro. Que nu, se banhava num cofre cheio de luíses. Luíses de ouro.
Notou que o umbigo crescia. Pouco a pouco delineavam-se contornos, formas. Uma forma única, homogénea, humana.
Nascia um homem do umbigo do rei. Um homem pequeno. Fardado, calças justinhas ao corpo. (Mas não era freak, não!) Trazia um braço metido no casaco… ou na braguilha, não se apercebeu bem.
Ah! Napoleão…
Bonaparte, nascia do umbigo do Rei – Sol!
O Tempomóvel parou. Acabara-se a viagem. Uma luzinha vermelha indicava falta de tempolina, o combustível das viagens no Tempo.
E, subitamente, o narrador regressou ao Real(mente) Presente. Que atualmente também já é Passado.
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Viajava, na altura, num comboio de Elvas para Lisboa, quando “escrevi” esta história sobre a História de França e quiçá da Humanidade.
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De Luíses, julgando-se Donos do Sol e de Tudo e de Todos, está o Mundo cheio.
De Robespierres potenciais e factuais está a Humanidade farta, mas eles continuam atuando por aí, agindo de forma cruel e desumana, matando indiscriminadamente, cada vez mais selvaticamente!
E Bonapartes ávidos de Fama, Glória e Poder, cada Potência tem o seu de maior ou menor envergadura! Grave e perigoso se torna quando pretendem extrapolar essas ambições a outros povos, nações, reinos e países… O século XX teve-os bem catastróficos, em maior ou menor escala, conforme os países ou nações que tutelaram!
Quanto à viagem inspiradora essa sim é irrepetível, pois cada momento é sempre único “ não é possível um Homem banhar-se duas vezes nas águas do mesmo rio”, citando o filósofo.
E contextualizando a narrativa num plano mais realista e prosaico, há que referir que já não se podem sequer realizar essas simples viagens, tão propícias à evasão, ao devaneio, à reflexão, como eram as viagens de comboio…
Pois, muito prosaicamente, já não circulam comboios de passageiros na Linha de Leste, espaço e tempo em que, em viagem, em movimento, esta história foi surgindo.
Só mesmo viajando no tempo e vogando na imaginação.
Notas Finais:
Esta história, inspirada na História de França, foi escrita nos inícios da década de 80, julgo que em 1982.
Foi publicada no JL – Jornal de Letras, Nº 212, Ano VI, 28/07/1986, na rubrica “A Prova dos Novos”, sob pseudónimo: “Zé Manel (Mata)”.
O enquadramento da história foi adaptado, nas explicações iniciais e finais. Na versão inicial era ligeiramente diferente. Também o papel e ação do narrador foram modificados.
Quando já tenho o tema tratado e organizado para publicação, 4ª feira, 07/Jan., por trágica ironia, tenho conhecimento da ocorrência, na capital francesa, dos bárbaros e desumanos atentados, amplamente noticiados. A barbárie, a crueldade, a insanidade, a insensatez humanas, continuam desenfreadas…assassinando inocentes. Quase todos os dias, pelos mais diversos locais da Terra, a sanha assassina abate-se sobre homens, mulheres, crianças, jovens, velhos, adultos, indiscriminadamente, civis que nada têm a ver com as guerras que se eternizam pelos mais diversos locais da Terra!
É a 2ª vez que, quando preparo um post para o blog, em que um país é de algum modo mencionado, acontecem situações problemáticas nesse País. Já sucedera relativamente a Timor!
De qualquer modo divulgo esta história como tinha projetado, isto é, após a publicação da poesia “Alentejo”, também de 1982 e dos quatro poemas escritos em 1988, sobre quatro dos cinco sentidos, reportando-me a idêntica temática “Alentejo”: “Cores…, Sons…, Cheiros…, Mãos…”. Um 5º tema, versando “Sabores..”, nunca chegou a ser escrito…
Continuo dando seguimento ao projeto idealizado: ir divulgando a poesia já publicada, modalidade sobre que me tenho debruçado mais, intervalando com textos em prosa de ficção também já publicados.
Seguidamente tentarei criar um texto novo sobre uma temática atual…
Aguarde para ler!
Uma NOTA FINAL:
No concernente às fotos, e dado o tema versado, foram todas retiradas da net: wikipédia, enciclopédia livre.
As imagens são apenas uma sugestão para os subtemas. O ideal era ter imagens originais diretamente relacionadas…