Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
C.I.R.L. – Clube de Instrução e Recreio do Laranjeiro
Sábado, 15/11/14
Não sei responder, pois ignoro o que se passa noutras regiões, nomeadamente no Alentejo do Sul onde certamente existirão regularmente sessões de cante, pois há muitos grupos nessa região.
Havendo ou não noutros lugares certo é que, em Almada, frequentemente acontecem eventos desta natureza com a participação de vários grupos de outras zonas. E foi também aqui, mais precisamente na Biblioteca José Saramago, que pela primeira vez ouvi, com ouvidos de ouvir, um grupo no seu exercício e arte de cantar, o “Grupo Coral Etnográfico Amigos do Alentejo do Feijó”. Grupo a que, aliás, se deve a organização de vários destes acontecimentos artísticos.
Este Grupo, como o próprio nome indica, tem também a preocupação de evocar, através dos trajes, algumas das profissões em voga no Alentejo até aos anos sessenta, quiçá setenta, algumas ainda terão persistido. Feitor, almocreve, pastor, moço de fretes… são mais de uma dezena, as profissões evocadas através dos trajes.
Numa altura em que está em execução a proposta de candidatura do Cante a Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO, cuja decisão se espera no final deste mês, o Cante ganha cada vez mais foros de Cultura e Cidadania Nacionais, merecendo inclusive direito a ser tema de estudo na Universidade, como comprovado por alunas do Curso de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa que neste dia se encontravam, in loco, a realizar uma investigação sobre o assunto, através do Grupo Coral mencionado.
Fui a esta sessão para ouvir os vários Grupos, com especial curiosidade para com os grupos femininos, pois nunca ouvira senhoras a cantar e atuar neste contexto do Cante.
Após os entremezes habituais, apresentações das entidades organizadoras, oficiais e participantes, os discursos da praxe, iniciou a sessão o “Grupo Coral Alentejano Recordar a Mocidade”, grupo anfitrião e organizador, que atua e canta há dezasseis anos. As senhoras, de fato completo, saia e colete, azul-escuro, camisa amarela e laço.
De braço dado, ondulando em evocação das searas e conforme manda a tradição, cantaram modas tradicionais: “vai correr a silva…”, “O Alentejo canta”, “Ceifeira linda ceifeira”…
Seguidamente interveio Dr. Teixeira, pessoa envolvida na questão da Candidatura do Cante, que, entre outros aspetos relevantes, frisou a importância dos Grupos para a persistência do Cante, para a sua não extinção, para a sua capacidade de resistência ao desinteresse pelo assunto, que houve até mais ou menos há quinze/vinte anos. E que foi essa resistência que permitiu que o Cante se mantivesse vivo e não se tenha extinguido.
Realçou o papel das coletividades onde normalmente estão sediados, bem como das entidades e autarquias que os apoiam.
E acentuou, algo que concordo absolutamente, isto é, a necessidade de transmissão às novas gerações, ação que tem que ser prioritária, nomeadamente ensinando-o nas Escolas.
Tomaria a liberdade de acrescentar, apesar de leigo no assunto, que também é preciso renovar no conteúdo e também na forma. Mantendo embora a ligação ao tradicional, ensaiar modas novas e apresentar-se com sinais de atualidade. Algo que me encantou no Grupo de jovens que atuou no dia 4/10/14, no Clube Recreativo do Feijó, “Os Bubedanas”, que mantendo o modelo tradicional, como matriz de referência, na estrutura, na forma, no conteúdo, no espírito e na sua essência, agem de forma moderna e atual, tanto nas modas como nos figurinos. Desde grupo só acho que pecam pelo nome que, à priori, nos remete para estereótipos que não têm nada a ver com a qualidade que ostentam. Mas essa é outra estória.
Em seguida, atuou o “Grupo Feminino e EtnográficoAs Margaridas”, de Peroguarda, Ferreira do Alentejo, trajadas com fatos à moda antiga, de trabalhadoras das lides no campo. Dez senhoras, queixando-se a ensaiadora de que são cada vez menos. Cantaram modas tradicionais: “Não quero que vás à monda”, “Os lírios são lírios”, “Oh, vizinha dê lá lume” e “É tão grande o Alentejo”.
O terceiro grupo a atuar foi o “Grupo Coral Amigos do Independente”, de Setúbal. O ensaiador e apresentador do Grupo teve sempre o cuidado de, antes de cada moda, referir os respetivos solistas: o “ponto” e o “alto”. Frisou o conceito de “Catedral do Cante”, reportando-se ao local em que e quando Grupos de Cante estão a atuar.
E fez muito bem pois algo aborrecido em praticamente toda esta sessão de Cante foi o barulho que persistiu em quase todo o evento…
Cantaram, sem microfone, “Ceifeiros do Alentejo”, “Ao romper da bela aurora”, “Na planície alentejana” e “Alentejo é nossa terra”.
O quarto grupo a atuar foram “As Madrugadeiras de Alvito”, cujo nome evoca a moda “Ao romper da madrugada”. O ensaiador é o senhor Manuel Cansado, sendo o porta-estandarte também um senhor. Estão integradas no Grupo Cultural de Alvito, pois como já foi referido são as sedes destes grupos culturais ou recreativos que permitem manter a logística dos Grupos de Cante. Também atuam de braço dado e no tradicional movimento ondulatório, evocativo do vento ondulando as searas. Fizeram sete anos.
Cantaram: “Já lá vem o romper da aurora”, “Alentejo és lindo”, uma terceira moda dedicada a Alvito e “No Alentejo ganho o pão”.
Alguns gestos são também marcantes e identitários da cultura do Cante: no final, as senhoras agitam lenços e os homens tiram o chapéu, sinais de estima, consideração e respeito, como era tradição no ALENTEJO!
O quinto e último grupo foi o “Grupo Coral Etnográfico Amigos do Alentejo do Feijó”, que apresenta os trajares tradicionais, identificativos de profissões de uma certa época da vida alentejana. Também atuam segundo o padrão tradicional e sempre, antes de cada moda, o apresentador identificou o “ponto” e o “alto”.
Cantaram, também sem microfone, as seguintes modas: “Quando eu fui ao jardim”, “Ai que noite tão serena”, “O grande lago”, moda criada por um elemento do Grupo e encerraram com “chave de ouro”, com a moda “Há lobos sem ser na serra”!
Haverá melhor metáfora para o que o Cante sempre representou no “Alentejo profundo”?!
Quero dar os meus sinceros Parabéns a todos os Grupos participantes, sem exceção, a todos os elementos dos grupos, a todas as pessoas envolvidas para que estes acontecimentos possam ocorrer. Muito trabalho, muita dedicação, muito amor, muitos aborrecimentos também, por vezes, para que se possam operacionalizar estes eventos, que merecem toda a nossa consideração.
Nesta tarde, a sala, objetivamente, nunca encheu e praticamente só “aqueceu” no final, só aí se pressentiu o calor humano sempre tão presente nas sessões de CANTE e que as tornam tão mágicas e extraordinárias.
Lamentavelmente, houve sempre barulho, algumas pessoas a falarem, outras a mandarem calar e outros barulhos de desatenção e desconsideração. Como foi referido, é fundamental “uma plateia que respeite o cante, o silêncio de quem ouve”!
Ao assistir-se a uma Sessão de Cante é preciso, antes de tudo o mais, qualquer pessoa ter a consciência de que os protagonistas são os cantores e que há que saber ouvir, escutar com os ouvidos, mas também com o coração. Que quem vai cantar são pessoas que desenvolvem esta atividade como Amadores, no sentido de que amam o que estão a fazer, que não recebem qualquer cachet, que fazem muitos sacrifícios, muitos deslocando-se de longe para ali estarem, que há muito trabalho realizado antes e depois do evento, que passa despercebido. Que há muita “carolice” em toda a execução de um evento destes! E que é preciso respeitar o trabalho de quem está ali, como deve ser feito em qualquer espetáculo a que se vá assistir, ou então não se vai. Paradoxalmente, observei que, por vezes, são elementos de outros grupos que não se aquietam antes ou depois das respetivas atuações, talvez por nervosismo ou inquietação, não sei…
Interessante nestes eventos é sempre a “troca de galhardetes”, as prendas oferecidas entre os grupos e neste caso, ou não estivéssemos entre alentejanos, houve as suas cenas com piada e o humor que nos é próprio!
Termino, parafraseando, mais uma vez, o senhor Afonso, como encerramento da sessão: “as melhores prendas são a Amizade, a Colaboração, o Préstimo…”
E que a CANDIDATURA seja aceite!
P. S. - Digamos que estes foram alguns apontamentos de quem assistiu ao espetáculo com atenção, com interesse e “devoção”, mas que está numa fase de iniciação ao conhecimento do CANTE! Por isso e provavelmente haverão falhas na perceção do que foi observado e aqui escrito e descrito!