Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Aquém Tejo

Há quem do Tejo só veja o além porque é distância. Mas quem de Além Tejo almeja um sabor, uma fragrância, estando aquém ou além verseja, do Alentejo a substância.

Há quem do Tejo só veja o além porque é distância. Mas quem de Além Tejo almeja um sabor, uma fragrância, estando aquém ou além verseja, do Alentejo a substância.

Uma Carteira... de Notas

Apesar de toda a poeira levantada pelas montadas dos heróis da nossa praça, poeira para nos obnubilar a vista… apesar de todo o circo montado no terreiro… a menina Odete continua na sua, de trocar a nota de cinco por miúdos…nada de confusões, que já basta com a senhora marquesa. Entrementes, observa o que se passa no “Café Progresso”, do Srº Silva, cujo empregado é o srº Bento.

 

Capítulo V

 

Passadas que foram as cogitações, eis senão quando, esbaforida, alisando o cabelo com a mão direita, unhas pintadas de vermelho a realçar os anéis dourados, rosto maquilhado, seios bem lançados, ancas roliças, salientes na saia travada, deixando entrever a coxa, saltos altos… eis que chega, atropelando a conversa do empregado…

 

- Ó, srº Bento… peço desculpa por interromper… mas há pouco, quando vim tomar a bica, não deixei aqui a minha carteira?!

- Dona Cocas, não vi aqui carteira nenhuma… Ó Luís, tens para aí alguma carteira?

- Tenho, mas é minha, não ando por aí a gamar carteiras aos clientes.

- Ele diz que só tem a sua carteira…

 

- Só a minha?! Quer dizer que costuma ter mais carteiras, não? É um carteirista, está visto…

- Minha senhora, ele disse que só tem a carteira dele, não a sua.

- Mas, afinal a carteira é sua ou dele? Sua? Dele?

 

- Quem sua com esta conversa sou eu, que já suei as estopinhas toda a manhã a servir bicas aos clientes, um garoto para a Senhora Marquesa e agora uma carteira…a senhora aqui não deixou nada, exceto o dinheiro da bica, cuja dita levou, ou melhor, bebeu.

 

- Mas levei a qual dita?! Nem Dita, nem Tita, nem Zita. Não levei nada daqui e, se levei, levei, quero lá saber disso agora! Eu não levei daqui nada, eu fui mas é roubada. Se, por esquecimento, não deixei ficar aqui a carteira, então foi-me roubada. E só pode ter sido no autocarro. Tive que ir entregar umas cartas no correio, para o escritório, melhor dizendo, do escritório do meu patrão, para os clientes. Clientes dele, não meus, que não tenho clientes! – E foi aquele machão que entrou na paragem seguinte. Veio para o pé de mim e começou a encostar. Tão fino, tao cheiroso! E aquele bigode, vá lá a gente confiar. Encostava-se e sentia-me flutuar, nem parecia estar de pé no autocarro, julgava-me em transatlântico de luxo. Só pode ter sido ele. Enquanto encostava, aproveitou para pôr a mão na carteira. Tantos sítios que havia para meter a mão e foi logo à carteira! Não se pode confiar em ninguém. Alguma vez imaginaria?!... tão fino, tão cheiroso… vá lá a gente confiar.

 

Instintivamente, Odete levou a mão à carteira, à sua carteira, lembrando-se que ainda tinha a nota de cinco mil escudos, cinco contos, por destrocar. E outras coisas mais que não vêm ao caso e só a ela interessam ou eventualmente a quem nelas se possa interessar. Que ela, agora, não se interessa por nada mais que não seja a possível entrada na universidade.

Com toda esta confusão de rapazes morenos e louros, de títulos honoríficos, mestranças de cavalaria, de bicas e torneiras, de chulos e carteiras, a rapariga esquecera-se da nota, já não sabia se era do António Sérgio, se do Antero de Quental ou se de Outro Qualquer.

notas-de-5-mil-escudos-1995. forum-numismática.com

- Olhe, Senhor Benzido, faz-me o favor de destrocar o António Sérgio? Ou será o Antero de Quental?! Pensou.

 

antónio sérgio. forum-numismática.com

- Aproveite para se pagar desta torneira (bica), que tenho pressa de apanhar o transatlântico (autocarro) para ir à Feira. (Eram, nesta altura, quase treze horas.)

 

- E, milagre! O senhor Bento benzido pagou-se da bica e trouxe-lhe quatro Teófilos, um Mouzinho, quatro Pessoas, (estas eram as efigies de alguns dos nossos Ilustres, agora novamente desaparecidos) e ainda umas miudezas (uns fígados, umas moelas…) e mais uns trocados sem importância de maior.

 teófilo braga. forum-numismática.comteófilo braga. forum-numismática.comteófilo braga. forum-numismática.comteófilo braga. forum-numismática.com

mouzinho. forum - numismática.com
Pessoa - forum-numismática.comNOTAS: As imagens das notas de escudos in: forum - numismática.com  

 

Versões deste texto foram publicadas em:

Boletim Cultural Nº 62 do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, Ano XIII, Nov. 2002.

Boletim Cultural Nº 68 do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, Ano XV, Jun. 2004

Uma questão de Notas, Contos ou Escudos…

Capítulo I

 

Odete entrou na “Livraria Portugal” e, dirigindo-se ao empregado, perguntou:

- Pode destrocar-me cinco contos, se faz favor?!.…

- Depende dos contos que quiser, respondeu-lhe o empregado da Livraria.

- Ora, destroque-me cinco contos, mas como lhe der mais jeito. Podem ser de quinhentos ou de mil…

- Já que quer de Mil, ainda tenho das “Mil e uma Noites”, em banda desenhada… Bom! De Quinhentos não há. Ah! Talvez se arranje… Ali Babá e os Quinhentos Ladrões. Como quer cinco, aconselho o da “Carochinha” o do “Tourinho Azul” e… porque não?! O do “Capuchinho Vermelho”. Sempre é bom prevenir, não é?! Nunca se sabe os maus encontros que se podem ter.

- Não é desses contos que quero, mas em notas, retorquiu Odete.

- Alguns têm notas, há-os até bem anotados. Um deles, que é uma análise dos contos de fadas, está cheio de anotações. Já sei! Quer uma obra mais intelectual, com muita bibliografia e referências a outros livros de consulta… talvez, peut-être…

- Não quero dos seus contos ou notas. Nem talvezes ou pó d’éter. E não estou doente para ir à consulta… ao médico. Sugiro…

- Não me chame Sugiro, não sou nenhum japonês. Fui nascido e criado em Alfama, João Amaral, de meu nome.

- Dane-se! Vá dar uma curva, vá ver se chove. Vá ao outro lado! Respondeu-lhe, exaltada, Odete.

O empregado da “Livraria Portugal” deu meia volta, olhou para o outro lado, mas não viu nada de especial. Nem sequer estava a chover!

E Odete saiu, com a nota de cinco contos na mão, apressada em destrocá-la, antes da chegada do euro. Do Euro, dinheiro, não do Euro, futebol, duas entidades afinal tão interligadas, mas que aqui convém destrinçar.

 

Nota: Um versão deste texto foi publicada no Boletim Cultural Nº 69 do Círculo Nacional D'Arte e Poesia, Ano XV, Outubro 2004. 

 

nota cinco mil.jpg

 Esta é uma imagem extraída de "https://www.forum-numismatica.com."

 Provavelmente seria uma nota idêntica a esta que a menina Odete andava a tentar destrocar. 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D