Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Isabel de Aragão, Rainha de Portugal, saía, com suas damas de companhia, do castelo, palácio onde vivia e estava estabelecida a corte. No séquito de mulheres que seguiam a rainha, nas suas visitas pela cidade, iam todas vestidas de burel penitencial, dada a época do ano, Semana Santa e o propósito da saída precária do confinamento: dar de comer aos pobres.
Aproveitavam a ausência do Rei que teria ido para as suas caçadas noturnas, não sabemos se de javalis, se também de javalinas.
Mal se haviam deslocado da antecâmara do paço para o exterior, logo se ouve o tropel de vários cavaleiros, comandados pelo Rei.
Estancaram as montadas, na entrada do alcácer, frente às damas, que estremeceram num frémito de temor e prazer, face aos mancebos e homens de montaria do Rei. O próprio: Dom Dinis, Rei de Portugal e dos Algarves!
Só Isabel permaneceu impávida e serena, perante o marido, senhor e rei. O avental arrebanhado no regaço, onde levaria pães, carcaças, pães alentejanos, ou de rio maior, para distribuir pela pobreza das ruelas e becos que rodeavam o castelo, um emaranhado e intrincado labirinto de habitações, mal acabadas, aonde pensavam dirigir-se.
Aliás, todos os que pediam de ofício, pobres, mais ou menos necessitados, também aleijados ou doentes, de qualquer maleita ou defeito de fabrico ou de vida, já deambulavam nas redondezas da barbacã, onde abancavam, mal sabiam da presença da Rainha no paço. Sempre esperando a sua possível saída. A fama de santidade já a aureolava, circulando nas redes sociais da época. Boca a boca, o diz que disse, e assim por diante. Alguns pregões nas tabernas, beatas nas igrejas e capelas.
Como e porquê o Rei chegou antecipadamente, sem ser previsto, vai lá saber-se…
Como, já sabemos. Veio a cavalo.
Porquê?! Talvez algum mensageiro, desejoso de lhe agradar, tivesse comunicado com Dinis, avisando-o da saída do confinamento da Rainha. SMS também havia na época: pombos correios. Não sei se outros meios.
Certo, certo, é que ainda o sol mal despontara para as bandas de Espanha, e a Rainha se ausentava…e, Dinis, o Rei, a interpelava:
- Onde ides, Isabel, tão fresca e airosa, ainda o sol mal nasceu?!
- E que levais no regaço, tão atafulhado?!
Logo, não apenas uma, mas duas perguntas, a exigirem resposta.
(Na localização da ação, deste micro conto, imagino o castelo de Estremoz ou o de Óbidos, ambos locais onde Dona Isabel esteve, quase de certeza. Óbidos foi prenda do Rei, como dote e em Estremoz foi onde morreu. Como não tenho nenhuma foto do Castelo de Estremoz e várias do de Óbidos, vai mais uma fotografia do Castelo de Óbidos, a ilustrar o postal.)
“As coisa boas da vida, os sonhos, o que desejavam ser quando fossem grandes...”
Algumas das proposições colocadas a crianças a entrarem na puberdade, num estudo feito em bairros pobres da cidade de Nápoles, em finais dos anos noventa: 1999(?).
Feita essa observação inicial voltaram as mesmas pessoas a serem estudadas, passados mais de dez anos, já na segunda década do terceiro milénio, (2013?), personagens – atores da vida real, agora no início da idade adulta.
De entre os vários entrevistados, escolheram os realizadores deste filme documental, Agostino Ferrante e Giovanni Piperno, quatro, para testificarem o estudo efetuado para este documentário, definindo-os como protagonistas: Fábio, Adele, Silvana e Enzo.
Dizem os especalistas das problemáticas da “mobilidade social” que o “grupo social de origem” de um indivíduo condiciona o seu estatuto social futuro e marca a sua trajetória. Que normalmente indivíduos com baixos níveis de rendimento e de escolaridade têm as suas possibilidades de ascensão social diminuídas.
E é precisamente também o que se verifica na trajetória social e no percurso destes quatro “personagens” reais.
Nos finais da meninice, os sonhos e projetos, passavam por ser: cantor, futebolista, modelo, dançarina. E não passaram disso, de sonhos.
A escola arredia para todos.
A realidade mostrou-se cruel e a vida continuou madrasta.
Nascendo e vivendo em meios pobres, bairros desencantados, vidas desestruturadas, a rejeição da Escola, alguns no limiar ou no meio da pequena criminalidade, a idade adulta não se manifestou mais redentora.
E ainda que a “Crise” possa ser sempre considerada causadora da desgraça, da falta de perspetivas e de futuro, certo é que o estigma já lá estava, no meio social de nascença.
Os pobres tendem a continuar a ser pobres, ainda que nos custe e doa termos de admitir isso.
E quando não cumprem a Escola, que sendo um direito é também um dever, mais portas se fecham.
Por vezes e para alguns abrem-se portas de libertação, de que o futebol é um escaparate.
(Mas, para um Ronaldo, um Ricardo Quaresma, um Renato, quantos ronaldos, quantos quaresmas, quantos renatos ficam pelo caminho, nas margens transgressoras e cruéis da vida?)
É este desencanto, este desalento, esta falta de esperança, que o documentário nos mostra.
Tão mais difícil é essa desejada ascensão social, quando a construção do futuro e a idealização de projetos passam pela rejeição da Escola, pela ausência, pela fuga da mesma.
E dizem também os especialistas que a progressão nos níveis de escolaridade é também um meio e uma possibilidade de melhorar a sua condição social.
E o futuro daqueles jovens pouco progride face ao passado.
Melhoram materialmente as condições de vida, (melhoram?), pelo menos nalguns sinais. O acesso às novas tecnologias é já uma corriqueirice, ter um telemóvel topo de gama quem não tem? Nem gente é, se o não tiver!
Aliás esse é um dos modos de vida corriqueiros: calcorrear bairros e ruelas sujas, a vender pacotes redentores de acesso telefónico: Tele 2, Vodafone. As mesmas multinacionais, vendendo os mesmos pretensos sonhos ou soporíferos para sonhar. Os mesmos produtos, idênticos serviços, angariadores semelhantes, jovens desalentados, tocando campainhas e ouvindo negas, quando não más criações. Igual por todo o lado: globalização na sua pior faceta.
Este era o trabalho de Enzo, a criança púbere que cantava com o pai nos restaurantes à procura de umas liras ou de uns dólares, de algum americano transviado de Pompeia. (Ou de uns euros, não sei se em 99 já havia o euro!)
Em adulto recusava-se a cantar. Perdera a confiança em si mesmo.
Finalmente, e já após as filmagens terminadas, os realizadores tê-lo-ão convencido a aventurar-se novamente na cantoria e foi gratificante ouvi-lo e vê-lo interpretar uma das suas cançonetas tradicionais, enquanto o genérico do filme nos era apresentado.
Verdadeiramente esse foi o único momento redentor do filme documental. O único sinal de Esperança!
(E é interessante constatar que o público, que já se havia levantado para sair, a grande maioria dos espetadores nunca fica para ver o genérico dos filmes; algum público, perante a audição de Enzo, reteve-se na coxia e aí, de pé, concluiu a visualização do filme, ouvindo o jovem a cantar!)
E os outros três protagonistas?!
Das raparigas não as consigo distinguir pelo nome.
Uma delas, já mãe, com o companheiro mais uma vez na prisão. E agora também um irmão.
Cumpria os rituais de mãe, dona de casa e mulher em visita a familiares presos.
A outra rapariga, a que em miúda já ensaiava a dança no varão, pois é disso que agora faz profissão em part-time.
O outro rapaz vive ainda com a mãe, arredio da vida; e do trabalho, a fugir como diabo da cruz. Marcado pela ausência do irmão, morto, (colateralmente?), numa rixa de gangues controladores do mundo do crime napolitano e mundial.
Enzo tenta convencê-lo a trabalhar na venda dos pacotes telefónicos, ainda andou algum tempo nesse bate porta, janela e varanda, a angariar subscritores, mas acaba por enfastiar-se, que é “trabalho de escravo”.
Cenários reais, fachadas, corredores e casas dos bairros sociais, uns velhos, outros mais recentes, mas a mesma imagem de degradação e miséria. A célebre autoestrada, megalómana e prepotente, sobrevoando e espezinhando, em viaduto, por cima da cidade, dos bairros da pobreza e exclusão, lembrando também as cenas marcantes da série “Gomorra”.
Por vezes, imagens da baía, evasão e entretenimento (?) e do porto e os seus “negócios” portuários.
Marcante a imagem dos vulcões.
Em pano de fundo, sempre, o Vesúvio, a lembrar o passado, Pompeia, e a eventualidade e iminência de uma futura tragédia. Não sabemos é quando ocorrerá!
E é disto que trata o filme documentário: pobreza, exclusão social, desalento, desesperança, iminência de tragédia, conformismo e aceitação do destino, sem Destino!