POEMA FIGURADO (III)
POEMA FIGURADO (III)
Perdido de si
Há muito quedado estava, ali, naquela ilha.
Náufrago do desejo, da incerteza, do saber, do não saber
como fazer, do ser.
Aportado, só, se apossara dele a ansiedade, o medo,
a dúvida, o desespero.
Uma palmeira, simples companhia
alimento duma alma dolorida.
Em redor, o mar…
A água mãe, a mãe das águas
as primeiras águas…
O líquido primeiro, de que fomos e de onde nascemos.
Memória ancestral, primórdio da existência
Repetida por cada ser nascido, renascido…
O rebentar das águas…
O libertar das águas
E a prisão primordial das águas. Sempre!
E tamanha a solidão, a angústia.
Finalmente, um barco!
Um cargueiro, um barco de guerra…
Pouco importa.
De momento, é um barco
E com ele a salvação.
(Hipotética, apenas.)
Perdido, nos caminhos de si
Enorme a barba, de isolamento
Ergue os braços, gesticula, acena, pula
Chama a atenção, grita, pede socorro, ajuda
a quem passa.
Pouco importa que barco, de carga ou cruzador.
Há que tirá-lo da ilha-prisão em que se encontra.
Inocência a sua!
Revelar-se assim aos outros. Descobrir-se.
Dizer-se desesperado, faminto, pedindo ajuda…
Cheio de fome de’amor.
Criancice a dele.
Comportamento infantil.
Há que riscar tudo.
Tapar, esconder com garatujas, riscos,
a verdade.
Esconder. Revelar. Esconder.
Tapa – Esconde – Revela – Descobre.
É um desenho de criança
Não é um desenho para a sua idade.
Há que recalcar
mas descobrir
deixar antever, tapando,
o desespero
a angústia
a solidão
em que se encontra.
Um Homem só, barbudo
numa ilha
Uma palmeira. O mar em volta
p’lo mar envolta.
Lá longe… o sol e umas gaivotas.
E quase próximo, um barco
pouco importa cruzador ou cruzeiro.
Há que pedir-lhe ajuda
Para sair da ilha.
Há muito quedado está, ali, naquela ilha!
Escrito em 1988.
Publicado em “A Nossa Antologia”- X Volume – A.P.P. – Associação Portuguesa de Poetas - 2002.