Círculo Nacional D’Arte e Poesia
Antologia
Hoje, neste Post nº 262, o primeiro após o Natal , continuo a divulgar poesias publicadas na 13ª Antologia de Poesia do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, 2015.
Damos a conhecer a Poesia “Sejamos Felizes !”, de Maria Cotovia (Vila Nova da Rainha).
“Sejamos Felizes !”
“Meu amigo se queres saber a verdade
sobe comigo ao alto da montanha
onde uma paz e ternura nos invade
e a felicidade em nós se entranha…
A resposta, meu amigo, trá-la o vento
que atravessa todos os continentes
sem amarras nem grilhetas, só um portento
a que ninguém consegue por correntes…
Só o vento é mais livre que tudo na terra
e leva as sementes para terreno fértil,
e depois nasce a beleza que a natura encerra
e a verdade se reflete no regato subtil!
E a felicidade está nos frondosos amieiros
que ladeiam o rio que corre sem parar,
a felicidade está em ver no pasto cordeiros
e as mães paradas e embevecidas a olhar!”
Maria Cotovia, Vila Nova da Rainha
Listen!
Ilustramos também com uma fotografia original de D.A.P.L ., de um rebanho no "Vale", na Aldeia, 2014.
Leia, também, SFF !
Ao longe…
Ao longe, a serra…
Uma miragem
Duma impossível viagem.
A Oriente…
A Oriente se quedava a serra
Azul e tremente miragem.
Olhando-a, deixava a Terra
E seguia a minha viagem…
Poemas escritos em 1985, inspirados na visão distante da Serra…, ao tempo em que, nas Courelas, apascentava o rebanho…
Introdução :
Tenho hesitado na divulgação deste texto. Poético?! Não sei, embora tenha essa pretensão.
“Inspirado” na leitura de Alberto Caeiro e na minha própria experiência pessoal, parafraseando precisamente o “Guardador de Rebanhos”. Simples pretensão!
Escrito nos finais da década de setenta, inédito, atrevo-me a divulgá-lo, cumprindo um dos propósitos por que abri este blog. Dar a conhecer textos por mim escritos, originais, na sua maior parte já publicados noutros contextos e agora também alguns que ainda não o foram, até ao momento, em suportes de papel.
Este texto, em versos sem rima e de métrica não estruturada, é a primeira versão deste tema.
Já na década de oitenta escrevi uma versão rimada, dada a conhecer no blog em 03/12/2014.
Pastor a tempo parcial
Segue-se o texto.
“Eu nunca guardei rebanhos
Mas é como se os guardasse.”
Alberto Caeiro
PASTOR em part-time
‘ Guardei muita vez ovelhas
Mas é como se as não guardasse. ’
Estando junto a elas, no meio delas
Poucas vezes aí estava...
Com elas falava, falando sozinho
Gritava-lhes, estando calado
Ouvia-as, não as escutando.
Batia-lhes, fazendo festas
Acariciava-as, magoando.
Mandava-lhes o cão, que não ia
Ou ia sem o mandar.
Se lhes vedava o trigal
Era certo que lá estavam
E teimosamente insistiam.
Se um muro as separava do fruto
Quantas vezes não o galgavam!
Mal cheiravam uma figueira
Ei-las, em louca correria,
Na disputa do cobiçado troféu.
E fugia o rebanho todo…
Só os pequenos e fracos se atrasavam.
Pela água era a mesma coisa.
E muitas vezes morriam
Após barrigadas de figo ou embudo.
(São assim as ovelhas.
Sempre em rebanho!)
Por vezes lutavam à cabeçada,
Duas a duas,
Os carneiros principalmente…
Troque, troque… troque
Embatiam os crâneos um contra o outro.
E recuavam…
Para ganharem impacto para novo combate.
Troque, troque, troque…
Até fazer sangue
Por entre os cornos.
E um se dar por vencido.
No Verão, mal o sol começa a aquecer
Pelas nove, dez horas
Lá vão elas, cabeça baixa…
Badalum, badalum, badalum…
Em fila indiana,
Pelo carreiro de todos os dias,
Para o acarro.
O sobreiro ou a azinheira de sempre.
Na Primavera, os campos cheios de erva
Dá gosto vê-las espalhadas pelas abrigadas
Pastando ao sol.
É um mar de ondas brancas, calmas
Por entre o verde da relva.
Os filhos dormitam,
Manchas mais brancas ainda,
Reflexos de luz em mar de palha.
Nesta época não há quem as tire da pastagem.
Era então…
Que o sol
O fascínio da luz e da cor
A sinfonia das rãs, dos grilos e aves
O perfume das mil e uma ervas
A confusão dos sentidos
Me afastavam do rebanho
Estando no meio dele.
O silvo dos comboios era o convite
À viagem.
O esvoaçar duma águia
O passaporte assinado.
O oriente e a serra
A miragem do azul e do mar
Eram o meu Destino.
E então, partia…
Escrito em 1979.
“Eu nunca guardei rebanhos
Mas é como se os guardasse.”
Alberto Caeiro
Pastor a Tempo Parcial
Ovelhas, andei a guardá-las
Como se as não guardasse
No meio delas, a olhá-las
Não tardava me ausentasse.
Com elas falava, só falando
Gritava-lhes, estando calado
Ouvia-as, não as escutando
Festas fazia com o cajado.
Acariciava-as, magoando
Mandava o cão que não ia
Ou ia não o mandando
E, ao chamá-lo, fugia.
Ao vedar-lhes o trigal
Era certo que lá estavam.
Onde quer que fosse mal
Insistindo elas teimavam.
Se do fruto as separava um muro
Quantas vezes o galgavam.
E por um figo maduro
Corriam mal o cheiravam.
Era louca a correria
Ao cobiçado troféu.
Todo o rebanho fugia
E atrás dele ia eu.
Pequenos e fracos ficavam
Coxeando mais atrás
Pouco a pouco se atrasavam
Andando o que eram capaz.
Pela água ia tudo
Se fartando de beber.
Comendo figo ou embudo
Acabavam por morrer.
Morriam ovelhas, tal e qual
A Mestre de Filosofia
Que embude a cicuta é igual
Só que, à data, eu não sabia.
As ovelhas são assim
Sempre em rebanho.
Muitos homens, outrossim
São iguais, de igual tamanho.
À cabeçada, por vezes,
Lutavam duas ou mais.
E entre os cornos soezes
Sangue escorria demais.
Nove, dez horas, aquece
O sol quente de verão
Cada chocalho estremece
Na corna amarrada ao chão.
Em fila indiana indo
Sempre no mesmo carreiro,
Ao acarro vão seguindo
Na mesma azinheira ou sobreiro.
Primavera, erva e cheiros tantos
Dá gosto vê-las espalhadas
Aquecendo lanudos mantos
Pastando nas abrigadas.
De brancas ondas um mar
Na verdejante relva dispersas
Nas lombas, filhos a dormitar
Manchas brancas mais diversas.
Espelham reflexos de luz
Num verde "Mar da Palha"
Na erva que tanto as seduz
Tirá-las daí…Deus nos valha!
Era então que o sol
O fascínio da luz e da cor
Sinfonia de rãs, grilos e rouxinol
Das mil e uma ervas o odor…
Me afastavam do rebanho
Sem sair do meio dele.
O caminho era tamanho…
Partia, deixando a pele.
O apitar do comboio, ao longe
Era um convite à viagem.
Naquele deserto de monge
Seguia a minha miragem.
Uma águia esvoaçando
Meu passaporte assinava.
Era então, quando
Eu, com ela, voava.
Este poema, de inícios dos anos oitenta, é versão rimada de outro escrito em finais de setenta .