Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
O “Vale de Baixo”, no seu melhor. Uma herbácea para fenos enxameia a planura. Julgo que se designa azevém e será o terceiro ano que produz, após a sementeira. Haverei de confirmar.
Paisagem enquadrada por duas exóticas: as Catalpas e o Eucalipto, plantado pelo Pai, há cerca de trinta anos.
Amoreira preta, carregada de amoras
Carregada?! Carregadíssima. Um verdadeiro aeroporto - mercado abastecedor da passarada. É um ver se te avias, de aves a chegar e abalar da árvore. Melros são os reis. Vão e vêm a todo o minuto. Também estorninhos. Pardais. Outros pássaros que não sei os nomes. E o imperador, certamente também a imperatriz: Pegas Azuis!
(E, a propósito de aeroporto, já descartaram o de Beja. É pena! Já há muito trabalho feito. Daqui a cinquenta anos, Beja é já ali. Promoviam uma região subalternizada. Descentravam da Grande Lisboa. Sei lá!...)
Sombra das Catalpas
Árvores exóticas, muito bem-adaptadas ao Alentejo. Semeei-as, posteriormente dispu-las, à entrada do Vale, há cerca de trinta anos. (As minhas manias de sementeira de árvores. A taxa de insucesso é muito grande, mas não tenho desistido. Algum dia terá de ser. Dão imenso trabalho e já me canso muito. Mas dão uma sombra frondosíssima e, em breve, estarão floridas. Lindíssimas! Depois, os frutos, em vagens. Pessoa muito querida chama-lhes Árvores dos Feijões!)
Destas árvores há imensos exemplares pelas estradas deste Alto Alentejo, de há mais de meio século, de quando as estradas eram bordejadas por arvoredo.
Porque se abatem as árvores, à beira das estradas?
Perguntou, inocente (ou atrevida?) a criança.
Porque impedem o alargamento das estradas.
Respondeu, categórico, o Presidente da Junta.
Porque os automobilistas nelas esbarram, esmagando os seus automóveis e as suas carolas nos troncos obtusos das árvores, que estacionam nos dois sentidos, não respeitando as regras de trânsito.
Sentenciou, sabedor, o Autarca Diligente.
Então… e a sombra? E o oxigénio?
E para que serve a sombra à beira das estradas?
Já ninguém anda a pé nem de carroça.
E temos toldos e guarda-sóis. Que há muitos no Hipermercado.
E o oxigénio compra-se em garrafas, não tarda muito.
E temos o ar condicionado!
Para que queremos árvores e natureza, se no meu Supermercado temos de tudo e é a verdadeira natureza?!
Para que precisamos de árvores, se temos tantas de plástico, perenes, sem folhas caindo, à venda no Hiper?!
Se temos tantas árvores empalhadas prontas a serem compradas para o Natal?!
Atalhou, solícito, o Dono de Uma Cadeia de Supermercados.
E as chatices que nos dão as árvores…
São as folhas que caem no Outono e voam por todo o lado.
E os ramos que têm que ser podados no Inverno…
E na Primavera enchem-se de flores e causam-nos alergias. Para depois murcharem e caírem…
E têm que ser regadas no Verão. E os frutos têm que ser colhidos, Quando há tantos na frutaria, À mão de semear…!
E trazem-nos mosquitos. E os pássaros. E os seus dejetos!
Acrescentou, pragmático, o Senhor Senso Comum.
E quando eu fizer anos, em Dezembro, e chegarem as cegonhas?
Que vão elas dizer das suas casas devassadas?!
Atreveu-se, ainda, a perguntar, impertinente, a criança.
O tempo das cegonhas já passou. Ou ainda acreditas nas cegonhas?
Pouco importa quando chegam. Nem como! Nem onde!
O tempo agora é digital. Mede-se nos écrans gigantes plantados nas bermas das vias rápidas, nos painéis publicitários anunciando o Novo Detergente. (Em vez das árvores que distraem os homens com os seus ramos a baloiçarem ao vento.)
Não há tempo, nem tempos, cronológico ou meteorológico que nos interessem. Não há Fim dos Tempos, que o Tempo é Eterno e Efémero.
Rematou, convincente, o Político Instalado no Poder.
E, a criança,
Perante tamanhas Sabedorias, calou-se.
Mas doeu-lhe muito ver tantos troncos de árvores
Cortados às rodelas, nas bermas das estradas!
E… Quando chegarem as cegonhas?
Que vão elas dizer…?!
Estas perguntas ficaram ecoando, em ressonância,
Na mente da criança.
Notas:
Escrito em Portalegre, Set. 2000.
Publicado no Boletim Cultural Nº 58, do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, Dez. 2000