Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
Há quem do Tejo só veja
o além porque é distância.
Mas quem de Além Tejo almeja
um sabor, uma fragrância,
estando aquém ou além verseja,
do Alentejo a substância.
No passado dia 24, sábado, divulgámos o poema "ÍCARO!", inspirado no correspondente mito da Grécia Antiga (1100 A.C. – 146 A.C.), mas numa desconstrução desse mito.
No dia 25, domingo, houve eleições na Grécia atual.
Saiu vencedor o partido SYRIZA. Uma vitória que, de algum modo, também desconstrói o tradicional dos resultados nas eleições nos diversos países europeus.
Pelo menos, por agora, SYRIZA atingiu o paradigma de ÍCARO, poema! Está “bem lá no cimo, entre nuvens”. “…Entre os seus sonhos!”
Agora é preciso construir a realidade. Conseguirá SYRIZA continuar a voar, “com asas tão de cera”?!
Perdoarão os Deuses tamanha ousadia?!
Ou farão como no tradicional mito da Grécia Antiga e haverá o final de Ícaro como no mito clássico?!
Europa, cujo nome também deriva de um mito grego, fará aqui o papel dos Deuses. Que papel?!
Lembre-se a EUROPA, melhor, quem nela manda, que Ícaro, na realidade atual, não é um mito, não é sequer e apenas um partido, é todo um Povo, uma Nação que afundando-se levará com ela outras Nações e outros Povos. E o mito Europa desfazer-se-á, lenta(?), mas inexoravelmente.
Na altura em que a formulámos ainda os media estavam ofuscados pelo brilho do Ouro da Bola...
Entretanto a dúvida que nos suscitava a questão foi respondida. Os orgãos de comunicação social acabaram por responder...
Se isso nos preocupava?!... Se isso nos interessava?!... Se isso nos dizia respeito?!... ?!... ... ...
Intrigou-nos a situação, que nos levou a formular a pergunta. Verdadeiramente pretendíamos também "despertar" leitores e leituras... Sem querer parecer imodesto, há já alguma temática neste blog que merece ser lida! E comentada! É sempre importante termos algum "retorno" sobre o que escrevemos...
Mas não foi por isso que estivémos estes dias sem "postar".
Pois então...
Depois deste interregno de alguns dias, voltamos a divulgar Poesia.
E uma linda fotografia, inédita e original!
Viagem…
De uma jovem para o futuro!
… … …
No seu ombro, encosto e recosto
A menina que fui.
Projecto e sonho
Outros sonhos que me fazem ser árvore da vida
Gaivota voando
Planando sobre o mar.
Na hora dos afectos, outros afectos e sentimentos…
Se cruzam nas estradas e caminhos
Que quero percorrer.
No meu navio
É o mastro que me falta
A bússola que me norteia.
Chegou a hora de largar amarras
Lançar-me a navegar…
Mas, sempre, tendo o seu porto
de afectos
onde me abrigar.
Escrito em 2006/07.
Publicado em: X Antologia do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, 2009.
(Lembrando Artur Agostinho a relatar os golos, nos anos 60!)
Parabéns?!
Então, mas Ronaldo já ganhou o 3º título de “Melhor Jogador do Mundo”?! A 3ª Bola de Ouro?!
Não! Não ganhou ainda. Mas merece ganhar.
Não só pelo seu desempenho no ano transato:
Nº de golos marcados na Liga Espanhola e na Liga dos Campeões, em ambas foi o melhor marcador; melhor marcador nos campeonatos europeus.
Conquista da Liga dos Campeões, Supertaça Europeia, Supertaça de Espanha.
Melhor jogador para UEFA e para BBC…
Bem sei que o Mundial, foi o que foi… Mas como ele próprio comentou: “não pode carregar a seleção às costas!”
Mas também e principalmente pela sua postura como atleta e como trabalhador. Sim, porque um futebolista para o ser a um nível de excelência, tem que trabalhar muito, no seu ofício, já se vê.
Tem qualidades de génio futebolístico, que terão nascido com ele, mas neste futebolista e atleta há um grande trabalho, treino, esforço, empenho, dedicação, motivação, que vêm desde miúdo. Segundo relato dos diversos treinadores, é um atleta que nunca se nega a treinar. Ele, enquanto atleta, é o resultado de todos estes fatores, intrínsecos, inatos, mas também o resultado de todo o seu esforço e dedicação a uma causa que para ele é nobre.
Pelas suas qualidades, pelo seu exemplo, sou fã deste jogador português, apesar de ter muitos detratores.
Tal como sou fã de Mourinho, apesar de tudo…
São ambos orgulhosos, mas orgulham-nos a todos de serem portugueses.
Voltando a Ronaldo que é uma figura de projeção mundial, um ícone à escala planetária, um modelo para milhões e milhões de jovens de todo o Mundo, de muitíssimos “deserdados de fortuna”, jovens a viverem no “limiar da pobreza”, muitos em condições sub-humanas, em regiões de permanente conflito, em locais sem esperança, para quem ele representa uma aspiração, um sonho, um ideal, a imagem de uma vida melhor, talvez inatingível, mas que os ajuda a viver, alimentando, idealizando esse sonho, que os faça sair do pesadelo em que vivem no seu dia-a-dia, nem que seja apenas por fugazes imagens de um jogo de futebol, um cartaz do futebolista, ou do jovem com um novo modelo de penteado e um fato completo do melhor corte.
Permite-lhes sonhar, nem que seja apenas isso! Sonhar! Sonhar que um dia poderão ser como ele, aspirar à posse de bens, estatuto, dignidade de vida a que todos os seres humanos têm direito, para quem tem pouco ou quase nada!
E é aqui neste plano que a análise também tem que ser situada.
RONALDO é inequivocamente um modelo e um exemplo. Como futebolista e como trabalhador. E este aspeto é relevante: frisar que, para se conseguir sucesso em qualquer atividade que se desempenhe, é preciso trabalhar! Aí ele não defrauda os seus seguidores. Tem sucesso, mas trabalha! É exemplar e modelar!
Sendo genial, no que faz. O que nem todos conseguimos ser, claro!
Tendo ele aquela pose glamourosa, é um manancial para a publicidade. Futebol é negócio, de milhões, de biliões, na escala e no patamar em que ele desempenha o seu “métier”. Por isso é supra solicitado para “emprestar” a sua imagem e pessoa para campanhas publicitárias, com mais ou menos bom gosto, mas certamente de acutilante recorte financeiro.
Promove originais penteados, que qualquer adolescente pode concretizar, até valorizar com mais criatividade, sentindo-se na pele do modelo; divulga fatos de excelente corte e marca, não tão acessíveis como “um corte de cabelo à Ronaldo”, mas pelo menos haverá imitações mais ou menos semelhantes pelas mais diversas feiras terceiro mundistas, em qualquer dos Mundos, no 1º , no 2º ou no 3º. Não sei se existe quarto!
Participa até em campanhas de publicidade enganosa, certamente bastante compensatórias. Mas neste contexto não tinha a mínima obrigação de saber ou vislumbrar o que se passava por detrás do espelho. Fez o seu trabalho, mais a Dona Inércia e fizeram-no bem feito. Certamente foram no logro como todos os cidadãos nacionais e estrangeiros que compraram o produto que eles anunciavam!
Outras pessoas bem mais relevantes no contexto nacional também participaram nessa promoção!... E essas sim tinham a obrigação e o dever de saber o que se passava, por detrás dos biombos, dos espelhos, dos cortinados… Ou não sabiam. E é grave! Ou sabiam e mesmo assim jogaram esse jogo… E, nesse caso, é gravíssimo! Mas isso são outros rosários…
Voltando ao facto de Ronaldo ser um modelo que tem uma projeção mediática universal, ser um exemplo para tantos “deserdados deste mundo” e que, à sua maneira, também o ajudam a ser quem ele é, a ser o que é e ter a importância que tem, não seria também relevante que, enquanto ser humano de referência planetária, ele “desse a cara” por CAUSAS de índole mais altruísta, mais solidárias, como por exemplo na “Promoção da PAZ” ou da SOLIDARIEDADE entre os Povos?!
Há tantos conflitos em que crianças e jovens são trucidados estupidamente… E há Instituições que procuram a promoção da Paz, pela inter-relação, entreajuda, comunhão de esforços entre as partes envolvidas. Não só entre quem promove, faz, executa a guerra, mas principalmente entre quem a sofre em cada um dos lados da barricada e quem realmente sente no dia-a-dia como a guerra é inútil e não leva a fim nenhum…
No conflito israelo palestino há instituições que procuram promover a Paz, socorrendo-se por ex. da Música e até do Futebol, envolvendo crianças e jovens, no sentido de “Construir a Paz de raíz”. Haverá muitas mais que desconheço.
Porque não “emprestar” o Ronaldo todo o seu carisma, o seu glamour, o seu “poder” mediático a CAUSAS e INSTITUIÇÕES deste tipo?!
Ele, com a ajuda de pessoas influentes e mais sabedoras que eu e com o apoio da sua Família, saberá certamente escolher.
Agora que se vai aproximando o “final de carreira”, que tenha ainda muitos sucessos, mas não seria de pensar nisso? Pode fazer toda a diferença. Embaixador de Boa Vontade, por ex. Eu sei, lá!
Provavelmente estarei a pecar, porque Ronaldo ajuda certamente causas e instituições de diferentes formas, de forma monetária ou de outras maneiras, seguindo o preceito cristão de “dar com uma das mãos de modo que a outra não saiba” e, por isso, essas ações não são nem têm que ser noticiadas.
Mas eu estou-me a referir a situações em que a publicidade, a imagem, o mediatismo são importantes e podem fazer toda a diferença pelo impacto que podem ter!
Um simples sugestão para quem nunca irá ler este texto!
Foi numa tarde ensolarada, mas fria, por acaso véspera de Natal, que assentei raízes no local que é agora a minha casa. Foi em Dezembro, que o meu dono me plantou no seu valado, junto à casa, com vista para a igreja de São Martinho. Foi em clima de festa que eu nasci, de novo, nesta cidade. Para mim foi mesmo Natal, Nascimento. E, pensei, como seria lindo, uma festa, em que todos plantássemos uma Árvore, que todos fizéssemos sempre Natal. E, ao mesmo tempo sonhei, é agora, finalmente, que eu vou ser Árvore de Natal!
E o local não podia ter sido melhor escolhido. Da minha nova morada posso avistar, altaneira, a torre da igreja, vejo e ouço os sinos repicar de contentamento, miro as crianças que passam alegres e festivas na esperança do Natal, dou alento aos velhotes que recordam a sua infância e, aos adultos, lembro o tempo de paragem e reflexão, o apelo à Paz, à Amizade e Amor, à quadra que se vai aproximando e a todos poderei desejar sempre um Santo e Feliz Natal.
Como disse, esse sonho de vir a ser árvore de Natal, sempre me acompanhou, no viveiro onde nasci, no entreposto/viveiro onde residi temporariamente até ser comprado pelos meus novos donos e mesmo aqui, no valado onde agora moro, ainda vivi algumas semanas nesse sonho. Ele foi a fanfarra, os foguetes, o contentamento das pessoas, a aproximação real do Natal. Mas foi já este ano que eu tive um lampejo, um corte violento e brusco, sobre esse meu sonho, que agora considero devaneio, mania, fixação até.
Todo esse vai e vem de Dezembro, que depressa chegou e mais rápido se esvaiu, me deixou numa tremenda excitação, euforia, enlouquecimento. Mas, passadas as festas, a azáfama das compras, as consoadas, a passagem do ano, chegado outro de novo e, com ele, Janeiro, já depois dos Reis, a vida pareceu recuperar a sua habitual normalidade, bonomia proverbial. Mas eis senão, quando, numa tarde enevoada, um destes senhores que não respeitam o ambiente, trouxe no atrelado do trator uns quantos arbustos escanzelados que, a trouxe-mouxe, arremessou para o meio de um silvado, junto de uma parede velha, perto do local onde moro.
Quis gritar, barafustar, chamar-lhe à atenção pela falta de respeito, pela atitude do senhor, mas a voz ficou-me embargada de comoção e espanto, não me saindo nada do tronquito onde me encerro. E ele abalou, aos solavancos com o atrelado, roncando o motor, pelo meio dos pinheirais de onde proviera. Mas a minha emoção foi maior ainda por reconhecer, nesses arbustos escanzelados, amarelecidos, esfoliados, amigos meus, pinheiros e abetos, por quem eu, no viveiro, nutrira tanta admiração e, diga-se, uma pontinha de inveja, por lhes ser destinado virem a ser Árvores de Natal.
Não resisti à curiosidade, quase saltei do terreno onde estava, bem puxei as raízes, para saltar o muro e aproximar-me desses amigos e colegas que gemiam, reclamavam da sua sorte, alguns pediam ajuda, outros já mal se ouviam nas suas lamúrias e preces e, aos poucos, foram estiolando, morrendo à minha beira e eu sem nada poder fazer.
Mas, enquanto viveram, morrendo aos poucos, puderam contar-me o seu destino.
Chegado o tempo e a altura própria, foram destinados para o que fora o seu maior sonho de glória: serem Árvores de Natal. Quando vieram os lenhadores com as suas moto-serras, embiocaram-se nas melhores vestes, empertigaram-se eretos na coluna, tremeluziram as agulhas de contentamento, piscaram olhos à moto cortante, gemeram ai, ui, num misto de prazer e dor e desfaleceram às dezenas no solo, ao ranger da lâmina serrante.
Iniciava-se o seu sonho ou devaneio…
Foram amontoados, empilhados uns sobre os outros, enrodilhados os abetos numa fina rede, distribuídos em camionetas por supermercados, lojas, praças, lugares e lugarejos nesta moda consumista. Mas ainda sonhavam e, por isso, valia a pena tanto sacrifício!
Regateados no preço por senhores e senhoras, pirraças de meninos e meninas, lá foram no porta-bagagem até casa, vivenda ou andar, indubitavelmente à sala, junto à televisão ou à lareira. E, uma vez aí chegados, foram devidamente abonecados: fitas e fitinhas, laços e laçarotes, bolas e bolitas, estrelas e estrelocas, luzes e luzinhas tremeluzindo, faiscando, pisca-pisca toda a noite e santo dia. E caixas e caixinhas e mais caixas, embrulhos, sacos de artigos de marca, devidamente enfeitados de lacinhos, corações e pais-natais, tudo em volta do pinheiro ou abeto. Agora sim, eram Árvores de Natal. Tinham finalmente alcançado a sua noite de glória, todo o seu glamour, apoteose, aparato, atingiram a condição de estrelas, super-estrelas. Mas, alguns, já aí se sentiram abafados pela tremenda confusão de objetos, pessoas e coisas, acessórios e associados dos festejos.
Mas assistiram, participaram nos festejos de Natal, vivenciaram beijos e abraços, votos de felicidade e alegria, participaram na troca de prendas, levaram até alguns safanões na euforia desta vivência, vislumbraram o fogo-de-artifício, pela janela aberta, na passagem do ano, chegaram até ao Dia de Reis, mas aqui foi dada por finda a sua função. Passaram a ser um estorvo, um estropício, um empecilho na sala e o seu destino foi, inexoravelmente, o caixote do lixo, a lixeira da Câmara, ou o aterro sanitário, quando não uns encontrões, junto à parede, no meio do balsedo.
“Foi este o destino da nossa quinzena de glória. Foi este o final do nosso sonho de grandeza, por que tanto ansiávamos. Não há lugar a final feliz. Ser árvore de Natal passa invariavelmente por terminar no lixo”, disseram-me, lamuriando, os meus amigos pinheiros e abetos.
E, perante esta dura e cruel realidade, apercebi-me então como vão e balofo fora esse meu sonho de ser Árvore de Natal.
- Para quê luzinhas piscando, se no céu estrelado estão milhões de luzeiros eternos?! A estrela d’alva, a estrela matutina, a estrela boieira, o set’estrelo, eu sei lá…
- Porquê bolas coloridas, se o sol e a lua cheia me iluminam os ramos e inundam todo o meu ser de luz eterna?
- Anjinhos de fantasia para quê, se crianças escorregarão, um dia, nos meus braços fortes e me subirão no tronco, na busca de mitos e heróis?
- Sala iluminada por quê, se tenho este lameiro verdejante onde vivo, vislumbro a cidade e os seus arrabaldes, os pinhais e vinhedos em redor, sinto o murmurejar dos regatos que junto a mim passam, em direção ao Rio do Tempo e do Esquecimento e as aves nas minhas ramadas pousarão e farão ninho, quem sabe! E tenho como teto a abóbada celeste e como lustre o sol, a lua e as estrelas?!
E foi assim que eu, de nome vulgar Castanheiro, do latim Castaniariu, de nome botânico, Castanea Sativa, da família das Castaneáceas ou Fagáceas, perdi a mania de vir a ser, um dia, “Árvore de Natal”.
Este texto corresponde à 2ª parte (final) do texto publicado neste blog, a 11/11/14.
Deste conto tenho várias versões já publicadas noutros suportes, a saber:
Boletim Cultural nº 75 do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, Ano XVI, Dez. 2005 – “Sonho e desilusão de uma Árvore de Natal!”.
Boletim Cultural Nº 80 do Círculo Nacional D’Arte e Poesia, Ano XVII, Dez. 2006 – “A ilusão de ser Árvore de Natal!”.
Boletim Cultural nº 109 do Círculo Nacional D'Arte e Poesia, Ano XXIII, Dez. 2012 – “O impossível sonho de um Castanheiro que queria ser Árvore de Natal!”.
Jornal “A Mensagem”, Nº 481, Ano 44, Nov./Dez. 2014 -“O Castanheiro que sonhava ser “Árvore de Natal”.
Em primeiro lugar, quero apresentar-me: o meu nome vulgar é Castanheiro. Dispenso a designação latina e o nome botânico, bem com a origem familiar.
Desde que me lembro, morava ainda no viveiro onde nasci, perto de Coimbra, que guardo um sonho secreto, que não confessava a ninguém, mas agora já posso revelar: o de um dia vir a ser uma Árvore de Natal.
Quando se aproximava a quadra natalícia, logo alguns senhores e senhoras, sempre acompanhados de crianças meigas ou traquinas, ou assim-assim, mas quase sempre alegres e festivas, quando não birrentas e mimadas, vinham comprar árvores de natal ao viveiro onde eu nasci. Invariavelmente escolhiam uns pinheiros ou abetos, já cortados, habitualmente sem raízes, para levarem consigo. Muito me intrigava o porquê de levarem plantas naquele estado, incapazes de se agarrarem à terra e medrarem, desprovidas do raizame que as uniria à Terra - Mãe. Mas, enfim, eles lá saberiam o porquê de tal atitude.
Por mais que me insinuasse, nesses quatro ou cinco anos em que estive no viveiro, nunca alguém se dignou olhar para mim com olhos de ver e levar-me pelo Natal. Atribuía essa falta ao facto de sermos tantas hastes, uns gravetos, na época natalícia já sem folhas, enfileiradas no viveiro, ainda sem ramos, um centímetro de espessura, um metro de altura… Também sentia uma pontinha de inveja pelo verde da caruma dos pinheiros, a ramagem acetinada, as agulhas aceradas, brilhantes e luzidias e pensava que seria por aí que as pessoas decidiam. Os olhos também comem! Mas quem vê caras não vê corações, murmurava eu, um pouco despeitado, pelas preferências dos compradores.
E imaginava-me a mim, na Primavera e no Verão, com as minhas folhas lanceoladas e serradas, o meu manto verde de cetim, os meus cachos de flores perlíferas, com aquele odor tão primordial, quando um dia, em campo aberto, eu pudesse medrar e florescer, crescer, que será esse o meu destino, o destino de todos nós! E no Outono?! Como serei eu com os meus cachos de ouriços eriçados que se irão abrindo, amadurecendo e soltando as belíssimas e saborosas castanhas?!... Também será nessa época, à medida que o frio vier chegando e as primeiras chuvas de Outono amolecerem os campos e as gentes, que a minha copa atingirá todo o seu apogeu de cores, amarelo, castanho, dourado, tonalidades de brilhantes irreais, de manto de realeza. Não sei em que estação mais gostarei de me ver refletido nas águas do rio, que perto de mim passa, Rio do Tempo e do Esquecimento, se através do verde acetinado e perlífero da estação das flores, se no clássico e farto carregamento dos ouriços verdes, na estação das praias, se pelos dourados e bruxuleantes amarelos, no barroco da estação outonal… Mas, por mais que me esforce, será sol de pouca dura. Com o frio, a chuva e ventos outonais, todo esse meu encanto se esvairá. As folhas, pouco a pouco, uma a uma, ou aos molhes, quais filhas ingratas, me deixarão, levadas pelo vento, esse matreiro, que as fará rodopiar em êxtases de prazer esvoaçante pelo astro, para depois as abandonar na lama dos caminhos, de onde serão arrastadas pelas águas das regueiras dos valados, para apodrecerem entre as silvas dos lameiros. E eu, cada vez mais só e despido me verei, sem folhas nem flores ou frutos, apenas eu e os meus ramos, uns tristes gravetos, como, quando no viveiro, entre dezenas de iguais desafortunados irmãos castanheiros. Nada que se compare com os pinheiros ou abetos, claro!
Estava eu nestas cogitações sobre o meu futuro quando, um dia pela manhã, houve grande alvoroço no viveiro. Começaram a tirar-nos dos canteiros onde estávamos, um puxão seco e firme, os tratamentos adequados, um acondicionamento para nos conservarmos e estávamos amontoados para partirmos, numa camioneta de caixa aberta, numa viagem em pleno dia, mas que foi um salto no escuro, pois não sabíamos ao que íamos. Fomos até um viveiro/entreposto de venda de árvores e arbustos.
Sonhei. É desta que vou para Árvore de Natal?! O tempo aproxima-se.
No entreposto fiquei junto de outros castanheiros como eu, próximo de algumas nogueiras, umas amendoeiras, ameixoeiras, sei lá, uma infinidade de árvores, arbustos e arvoredos. A um canto, abrigados, os invariáveis pinheiros e abetos!
Mas perguntar-me-ão, porque será que este castanheiro pretensioso quererá ser Árvore de Natal? Não terá olhos na cara?!
Ter, tenho, mas também gosto de sonhar, ou não temos todos esse direito? E sempre que nestes anos ouço meninos dizerem ir arranjar a sua Árvore de Natal, com tanta expectativa e carinho e falarem em luzinhas lindas a acender e a apagar, imagino-me com as estrelas do céu tremeluzindo na minha copa. Se me dizem colocar bolinhas coloridas, vejo sóis e luas cheias, brilhando nos meus ramos. Se me falam em anjinhos de papelão, imagino os meninos baloiçando nas minhas ramadas e subindo-me pelo tronco, na busca de sonhos e brincadeiras de heróis, um dia, quando eu for mais crescido e forte. Se me confidenciam que colocam presentes ao pé da Árvore, almejo eu o chão juncado de ouriços e castanhas apetitosas, que um dia poderei oferecer, em braçadas, aos passantes. Mas, mesmo assim, idealizando o meu futuro, nunca deixei de sonhar que um dia… poderia ser Árvore de Natal.
Nesse ano em que estive no entreposto, para venda, já próximo do Natal, muitas pessoas visitaram o viveiro, muito bem situado, junto à estrada nacional.
Umas compraram árvores, outras não, alguns arbustos e plantas de jardim levaram, mas eu fui ficando. Os invariáveis pinheiros e abetos truncados partiriam, certamente para o seu destino de lordes, pensava eu.
Numa tarde soalheira, um casal, com uma criança, entrou no viveiro/entreposto, para a trivial Árvore de Natal, julguei eu. A criança, vendo uns pinheiros, logo interpelou a mãe.
- Mãe, ali estão Árvores de Natal. Vamos levar uma?!
- Não, meu filho, ainda é cedo para o Natal. Só ainda estamos em Novembro, para o mês que vem é que é Natal. O pai quer comprar apenas umas tílias e nogueiras, envasadas, para transplantar para o valado junto à nossa casa.
O senhor observou as sobreditas árvores, mas não me ligou. A senhora passou bem junto de mim e foi então que joguei a minha cartada. Com esforço, empertiguei-me e consegui que um dos meus ramitos lhe tocasse no braço e se prendesse, ao de leve, na manga do casaco. Toquei-lhe no braço e… também no coração. Sussurrei-lhe:
- Leve-me, posso ser uma linda Árvore de Natal, um dia, quando crescer. Sempre foi esse o meu sonho!
E foi o que aconteceu. A senhora, com coração de criança e a criança, com coração de passarinho, de ave, convenceram o marido e pai a levar-me, para plantar no Valado.
Fui de carro e desta vez não fui amontoado no camião com dezenas de irmãos, primos e outros parentes mais ou menos afastados. Fui vendo a paisagem até ao meu destino. Pude escutar o que o casal e a criança falavam no carro, pude ver outros campos e arvoredos, cidades e vilas, muitos automóveis, vi até o comboio passar, a caminho de Lisboa, não sei. Vi, pude sentir e pressentir outros mundos.
Irá, enfim, o meu sonho realizar-se?
Será que, finalmente, irei ser Árvore de Natal?!
Notas:
- As digitalizações foram obtidas a partir de Cartões de Boas Festas de APBP (Artistas Pintores com a Boca e o Pé, Lda), Caldas da Rainha.
- A 1ª digitalização é de cartão de prendas (P638), cujo original foi pintado com a boca por Isabelle Jackson.
- A 2ª digitalização é de cartão de Boas Festas (P013), "Boas Festas", original pintado com a boca por Monika Kaminska.
- A 3ª digitalização é de cartão de Boas Festas (No.P 1212), "Há Natal na nossa Praça", original pintado com a boca por Ilona Fazakasné.
Este texto é a 1ª parte de um conto, de que saírá a 2ª parte mais tarde, após o Natal.
Tenho várias versões deste conto, algumas já publicadas noutros contextos, nomeadamente:
Boletim Cultural nº 109 do Círculo Nacional D'Arte e Poesia, Dezembro 2012.
Boletim Cultural nº 127 do C. N. A. P., Dez. 2016.
Jornal "A Mensagem" Nº 481 - Ano 44 - Nov./Dez. 2014