“Uma Aldeia Francesa” - Temporada 6 - Episódios 8 e 9 - Parte I
(Episódios Globais nº 56 e nº 57)
(15 e 16 de Junho de 2016)
RTP 2
Episódio 8 – “Le Procès” – “O Processo”
Episódio 9 – “Le crépuscule avant la nuit” – “O Crepúsculo antes da Noite”
Setembro de 1944
Um Prefeito não perfeito!
Após a rendição dos milicianos e a impossibilidade de os transportar para Besançon para o respetivo julgamento, Jules Bériot organiza o processo, para que o julgamento ocorra em Villeneuve, instalando um Tribunal Marcial na Escola.
(Já vimos que a Escola dá para tudo: centro de acolhimento, prisão, hospital, tribunal... E os Professores e Professoras também.)
Veja-se precisamente o caso de Jules Bériot.
Recentemente regressado de Argel, empossado como representante da França Livre na Cidade de Villeneuve, na qualidade de Prefeito, ex-Professor e ex-Diretor da Escola e com aspirações a Presidente da Câmara, organiza o processo dos catorze milicianos, que, no último ano de ocupação alemã, aterrorizaram a Cidade, rivalizando com os boches, sob cujas ordens serviam.
Apesar de assoberbado com imenso trabalho, desde a estruturação da orgânica funcional dos vários serviços que é preciso reinstalar, da falta de pessoal habilitado e de confiança, da escassez de recursos, da penúria e racionamento dos alimentos, apesar de todas estas e outras dificuldades...procura estruturar o processo dos milicianos, segundo as normas de equidade na aplicação da Justiça.
Nomeia três juízes: Anselme, Antoine, Suzanne; um procurador, Edmond e um advogado de defesa: Daniel Larcher.
Seria interessante abordar como se chegou à constituição deste tribunal improvisado.
Não deixo de realçar que conseguiu convencer o médico a ser advogado dos milicianos, mas teve que dar contrapartidas. Teve que negociar, ceder para ganhar algo em troca. Comprometeu-se a que houvesse alguma benevolência no futuro julgamento de Hortense!
E é assim que vai ser a sua ação, enquanto prefeito. Negociar. Para ganhar alguma coisa também vai ter que ceder e de algum modo, perder alguma da sua coerência.
Irá acontecer algo idêntico com Raymond Schwartz e a respetiva Jeannine que se acoitou na serração.
Acontecerá algo semelhante com Loriot, que irá nomear como chefe da Polícia, “malgré tout”!
Ainda assim arranja tempo para organizar o “Baile da Libertação”. Que toda a gente anseia por uma bailação de que estavam privados há quatro anos.
Acompanhado de bom vinho, diretamente das caves do ex-subprefeito Servier, que importa se foi oferta “generosa” dos ex-amigos(?) alemães. (Amigos de Servier, frise-se.)
Vinho é vinho. É generoso e alegra os corações. E não pede muito. Apenas que o bebam! E, depois, ele faz o resto...
(E com esta escrita já vou no baile e ainda quero falar do processo...)
Relativamente ao mesmo, que Bériot procura previamente estruturar com toda a Justiça, como vimos, ficaremos surpreendidos com a ordem peremptória que o atual prefeito recebeu diretamente dos seus superiores de Dijon, via telefone.
“...
Quero os catorze milicianos à frente de um pelotão de fuzilamento, amanhã!”
Não sei quem foi o autor de tal ordem, mas é Alguém com Poder!
Que ainda estavam em guerra, e que os milicianos e boches, nas cidades onde ainda não houvera a Libertação, continuavam a matar. E era preciso transmitir-lhes uma mensagem clara.
E Bériot acatou totalmente a ordem.
E tratou de convencer os três juízes de que o veredicto do tribunal teria que ser “culpados”!
Anselme convenceu-se facilmente, entendeu completamente a situação face ao que fora o modo de atuar e fazer dos milicianos. No fundo, seria pagar-lhes com a mesma moeda.
Suzanne foi bastante mais renitente, mas aceitou.
Antoine foi ainda mais difícil de convencer, é um jovem cheio de ideais, mas face à decisão de Suzanne e, “para não a deixar sozinha”, também concordou.
Parafraseando um dito célebre: “O Juiz decidiu, está decidido!”
Decidido não está, que o julgamento ainda não aconteceu, mas Bériot já foi encomendar a madeira para os caixões à serração de Schwartz.
E foi aí que teve que negociar com o industrial, depois de lhe dar os parabéns pela sua ação na Resistência no último ano. Mas também teve que se comprometer a ser também benevolente com a “chata”, colaboracionista e fascista da Jeannine.
E arranjar gasolina, que os títulos provisórios da República, provisória e Livre, não serviam de nada.
E gasolina só os americanos.
E, com estes, Bériot voltou a negociar, mas também acatou ordens! E até ouviu reprimenda do comandante americano Bridgewater. Jules e os franceses são, continuam a ser, intermediários.
Aquele quer ordem na cidade. (Bériot não tem polícia e há grupos armados a fazerem baderna.)
Ainda estão em guerra, os americanos todos os dias perdem homens. Bériot tem que criar uma autoridade na Cidade.
E foi também nesse propósito, que teve que negociar com Loriot!
De negociação em negociação e no respeitante ao “processo” ficou este totalmente inquinado, logo à partida. Processo com julgamento falseado e veredicto combinado e já definido: culpados. Com execução marcada para o dia seguinte até às treze horas!
Que acham os senhores leitores e leitoras?!
Era possível, naquele contexto e enquadramento, aplicar adequadamente a Justiça?
Era necessário agir daquele modo?
Haveria ou não outro modo de atuar?!
...?!
Apesar de todo o assoberbamento com o trabalho, ainda assim, Bériot teve tempo e paciência para organizar e participar no “Baile da Libertação”, embora não dançando, que a sua Lucienne não baila com o prefeito, pois está retida no apoio ao seu amado Kurt, com quem dançou em anterior e distante baile, agora também impossível de repetir, que o jovem está amarrado à cama. E transfigurado pelas queimaduras.
Mas Jules bebeu e bebeu bem, de bom vinho, talvez de alguma cave vinícola francesa que os ocupantes alemães terão assaltado, quando invadiram a França.
E recebeu aplausos e loas dos circunstantes no baile, sempre acolitado pelo secretário, trazido da Argélia.
E também e ainda, apesar do vinho, ou talvez por isso, e após o puxão de orelhas do comandante americano, teve a lucidez de ordenar ao secretário que arranjasse uma mulher para o americano adjunto do comandante.
E interessante foi a forma como esse arranjinho foi arranjado e como o secretário trocou as voltas à moça francesa, para que ela caísse nos braços do americano, fazendo trocadilhos entre o francês da rapariga e o inglês do militar.
Mas, nesta narração vou deixar o baile, retomar o fio à meada relativamente a Bériot, representante da República, da França Livre e como se desenvolvia a sua atuação, naqueles tempos conturbados de reinício da “vida democrática” em França.
E bebido e bem bebido, regressou a casa, na ilusão de que teria Lucienne, ainda sua esposa, de braços abertos, desejando-o.
Desengane-se, caro leitor, Lucienne nunca o desejou.
(E, frise-se, continuam, passado este tempo todo, ainda a tratar-se por você.
Nem depois das lições de Madame Berthe mudaram tal atitude!)
E face ao não desejo da mulher e não vamos conjeturar mais razões, que não sabemos, dirigiu-se ao quarto onde dormia Kurt.
Sem dúvidas e talvez dando cumprimento ao pedido formulado pelo ferido, “de morte assistida”, pegou numa travesseira e com ela sufocou o moço. Sem mais nem menos!
O dito cujo ter-se-á arrependido do pedido efetuado, porque se fartou de esbracejar. Mas Bériot concluiu a sua tarefa.
Impressionante aquele arfar do rapaz e, morto, a boca aberta e os olhos arregalados.
Jules teve o discernimento de lha fechar e cerrar-lhe os olhos, que, por momentos, pensei que iria esquecer-se.
Assim, nessa pose, a Morte parecia mais justa, mais serena! Talvez imprescindível!
E é, deste modo, que a República se reergue em Villeneuve, através deste seu lídimo representante.
E também foi assim que terminou o nono episódio, cujo tema central da narrativa foi o célebre e desejado baile, a que, talvez, ainda volte nesta minha narração tão parcelar. E parcial!
Intitulado “O crepúsculo antes da noite”. Significante do que virá a seguir?
Após um processo e julgamento falseados, uma execução arbitrária e aleatória?!
E tanto que fica por contar e como se poderia extravasar para a atualidade.
Para a política... para o futebol, que o “Europeu” até se joga em França!
Tanta coisa...!
Ah! E lembrar que Bériot, nesta sua atitude conciliatória e negocial, ainda teve oportunidade de salvar Servier de ser linchado pela turbamulta!